Por Gabriel Galego
No dia 10 de agosto marcou o 108º aniversário do escritor Jorge Amado. Nascido em 1912, o romancista do povo continua sendo um dos maiores escritores da literatura brasileira. Amante da cultura baiana, Jorge Amado se consolidou como um verdadeiro escritor popular, lido não apenas pela elite, mas principalmente pelas massas trabalhadoras.
Reconhecido internacionalmente, Jorge Amado foi um dos maiores romancistas do séc XX, deixando um legado de 49 livros – traduzidos para 56 países e 48 idiomas. Além disso, nunca poupou esforços para retratar a realidade social de nossa terra: isso perpassa, inevitavelmente, pela exaltação da cultura afro-brasileira e das massas de trabalhadoras e trabalhadores que as compõe.
A realidade baiana, especialmente em Salvador, é marcada pela presença das culturas africanas. Se atualmente gozamos de maior reconhecimento da contribuição afro-brasileira para a cultura nacional, fruto das lutas incessantes do movimento negro – nem sempre foi assim, muito pelo contrário. Exemplo disso são as não raras situações de racismo que as populações afro-brasileiras ainda sofrem: encarceramento em massa, menores salários, piores condições de trabalho, baixa autoestima, racismo religioso etc.
Foi em 1928, nos encontros no Café das Meninas e no Bar Brunswick – centro de Salvador – que se formou o movimento literário chamado Academia dos Rebeldes, a primeira escola de formação do então desconhecido e adolescente Jorge Amado, com dezessete anos na época. O movimento surgira como um protesto contra o conservadorismo e como uma resposta crítica ao modernismo paulista – com a intenção de modernizar e renovar a literatura baiana. Ao lado de Jorge, se concentravam importantes intelectuais e escritores progressistas, como Sosígenes Costa, Edison Carneiro e Áydano Ferraz. Os dois últimos se tornaram camaradas de Jorge Amado nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Num contexto em que conservadorismo e o racismo estrutural eram fortes e muito presentes na sociedade baiana, a literatura dos anos 1930 foi marcada por um profundo cunho social de influência socialista. Teve na
Academia dos Rebeldes um de seus berços. Jorge Amado, ainda na juventude, foi um dos maiores responsáveis para a difusão e popularização dessa literatura. A partir de 1931, com O país do carnaval, o escritor baiano começa sua carreira. Desde o início, já era nítida a preocupação do escritor em retratar a cultura popular baiana, irremediavelmente negra – especialmente do contexto grapiúna e soteropolitano. Todavia, a partir de 1933, ano que adentra as fileiras do PCB, se torna nítida sua pesquisa pela síntese da realização de um romance com características brasileiras, especificamente baianas, de caráter realista. Isto é, um romance que condensa a ficção, história e cultura das classes subalternas – especialmente da população negra, marcada pela religiosidade e oralidade.
Talvez a obra que melhor ilustre essa fase de Jorge Amado seja Jubiabá, de 1935. No livro, acompanhamos a trajetória do negro baiano e trabalhador Antônio Balduíno. Em sua história dois elementos ficam sempre presentes: a raiz artística de Balduíno, sambista irremediável; e a sua aproximação e respeito pela religiosidade de matriz africana, o Candomblé. Inclusive, Jubiabá foi um importante e renomado pai de santo da época – ficcionalizado por Amado em sua obra. Os diversos traços da cultura afro-brasileira são cuidadosamente inseridos nas histórias contadas brilhantemente por Jorge Amado.
Como um homem de seu tempo, esse esforço de síntese e pesquisa não era apenas seu. Por exemplo, o seu amigo e antropólogo Edison Carneiro, importante quadro do PCB entre 1930-40, é um nome incontornável quando falamos em antropologia da religião. Escreveu a história do Quilombo dos Palmares, além de livros sobre o Candomblé, a questão do negro brasileiro e a sabedoria popular oral. Em 1937, com a presença de Jorge Amado e diversos outros intelectuais, Edison e Aydano Ferraz (já militantes do PCB) organizaram o Segundo Congresso Afro-Brasileiro em Salvador, com a presença de mais de trinta mães e pais de santo. Foram responsáveis e pioneiros em trazer figuras de grande cultura para dentro de um espaço acadêmico, no qual a cultura oral e negra eram marginalizadas. Enfim, era uma preocupação dos comunistas baianos reforçar a presença afro-brasileira na constituição da cultura baiana.
Alguns anos depois, em 1946, o Brasil saia de uma ditadura comandada por Vargas, o Estado Novo. Foi o momento da reabertura democrática do Brasil, quando o PCB saiu brevemente da clandestinidade e se tornou oposição dentro do Parlamento. Nesse mesmo ano, tivemos a construção de uma nova constituição. Na época, Jorge Amado – então deputado federal por São Paulo – foi o nome responsável pela aprovação do art. 141, § 7º da Constituição de 1946:
§ 7º – É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livro exercícios dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.
Foi um importante marco no avanço da liberdade religiosa para os praticantes de religiões como Umbanda e Candomblé. Jorge Amado era um frequentador dos terreiros de Salvador, conhecia importantes pais e mães de santo da época. Para se ter ideia, ao lado de Carybé foi responsável por apresentar o culto dos orixás para Pierre Fatumbi Verger.
Na literatura de Jorge, há retratos fartos da cultura e religiosidade de matriz africana – assim como os preconceitos sociais e do Estado contra essas manifestações, frutos do mais encarnado racismo de nossa sociedade. Enfim, seja através da literatura ou de sua militância, Jorge Amado foi invariavelmente um defensor das liberdades democráticas, de culto e das religiões de matriz africana, sobretudo o Candomblé.
Ótimo texto!