Relançamento do Jornal O Momento e o projeto da “Imprensa Popular”

Por Nalbert Antonino

Neste domingo (9), jornal histórico O Momento é relançado e promete retomar o legado da “Imprensa Popular” dos anos 40.

Fechado desde 1957, o jornal baiano O Momento foi relançado no último domingo (9) em cerimônia transmitida ao vivo pelas redes sociais. No evento, o conselho de redação apresentou um novo projeto para o jornal que, desta vez totalmente digital, visa rearticular o legado político da Imprensa Popular que vigorou entre as décadas 1940 e 1950.

O espaço contou com a presença do economista Edmilson Costa e de Cláudia Gianotti, jornalista e coordenadora do Núcleo de Comunicação Popular Piratininga. Cláudia participou do debate sobre Imprensa popular junto ao também jornalista e membro do conselho de redação, Milton Pinheiro. Além das discussões, houveram intervenções artísticas realizadas pela cantora Thais Oliveira, pelo poeta Gabriel Carvalho e pela poetisa Paulla Santos.

Fundando em 1945, o jornal O Momento foi um dos principais instrumentos da Imprensa Popular durante todo o seu período de circulação. Tendo à frente jornalistas e intelectuais como João Falcão, Aristeu Nogueira e Almir Matos, o diário esteve comprometido em cobrir e analisar as lutas dos movimentos populares na Bahia. Por exemplo, foram escritas inúmeras reportagens e editoriais     sobre as ocupações urbanas, responsáveis por pautar a crise habitacional e o direito à moradia, influenciando o debate e a opinião pública.

Para os membros do conselho de redação, a retomada do jornal O Momento significa a retomada do projeto de Imprensa Popular pensado pelo Partido Comunista.

A “Imprensa Popular” nos anos 1940-1950

Foi no dia 9 de abril de 1945 que circulou a primeira edição do tabloide O Momento, sediado na Ladeira do São Bento, Av. Sete de Setembro – Salvador. Sob a direção dos jornalistas João Falcão, Aristeu Nogueira, Alberto Passos Guimarães, João Batista da Lima e Silva e Mario Alves, O Momento rapidamente se popularizou no estado. De acordo com o pesquisador Marcos Roberto Martins dos Santos, em 1949 o jornal já circulava em 66 dos 150 municípios baianos existentes naquele período.

O Momento se tornou um dos principais instrumentos da Imprensa Popular, influenciando a formação de outros jornais do mesmo gênero em outros estados, de tal forma que se consolidou uma rede nacional com jornais periódicos nas principais capitais do país, como a Tribuna da Imprensa no Rio de Janeiro, A Voz do Povo em Alagoas, o Hoje em São Paulo e Folha do Povo em Pernambuco. Além disso, a Imprensa Popular contava com uma agência de notícias, a Interpress, que cobria a política internacional e auxiliava na divulgação das principais notícias sobre os movimentos sindical, de cultura e estudantil.

Jornal O Momento – 17 de Junho de 1948.
Acervo: Biblioteca Nacional

A orientação editorial

O conceito de “Agitação e Propaganda”, fortemente trabalhado pelos revolucionários bolcheviques, foi a principal influência na concepção do jornal. Estava posta a necessidade de um meio que fosse agitador, mas sobretudo organizador ideológico dos trabalhadores na Bahia.

Todavia, ao mesmo tempo sendo muito influenciado pela capilarização dos jornais de notícias, a redação se propunha a elaborar um Diário do Povo que fosse acessível na forma e pudesse noticiar os principais assuntos na agenda do dia.

A professora Sônia Serra (UFBA) analisa esse caractere aparentemente ambíguo no seu artigo “Jornalismo político dos comunistas no Brasil: diretrizes e experiências da ‘Imprensa Popular’”. De acordo com ela, o modelo de jornalismo d’O Momento fundiu a influência teórica leninista da Agitação e Propaganda com a necessidade histórica de um jornal de massas. O período entre o Estado Novo e a Ditadura Militar “foi uma época extremamente rica do ponto de vista político, social e cultural, e também de certa diversidade ideológica no jornalismo”, escreve.

A repressão do Estado e o fechamento.

A concepção de Imprensa Popular, que partir do modelo jornalístico d’O Momento passa a influenciar muitos outros jornais, é fortemente atacada pelos setores ligados ao Estado. A perseguição se intensifica a partir de 1947, quando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) é oficialmente cassado. Fruto das lutas pelas liberdades democráticas no pós-guerra, durante os seus doze anos de circulação, O Momento não cessou em denunciar os abusos contra os trabalhadores e difundir o trabalho dos movimentos sociais. Tal postura foi muito custosa para o jornal.

Ainda de acordo com a professora Sonia Serra, uma das principais pesquisadoras da história do jornal, O Momento chegou a ser empastelado – ocasião em que invadem e destroem a estrutura de uma redação – por duas vezes. Em 1947, o Exército invade o prédio da redação, prende os redatores, depreda e destrói tanto o maquinário gráfico quanto as instalações do imóvel. Em 1953, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) invadiu e interditou a redação sob a alegação de ser tratar de um jornal “subversivo”.

Mesmo assim, o Diário do Povo resistiu e manteve sua circulação até novembro de 1957, quando, em virtude da repercussão do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) entre os comunistas brasileiros, encerras suas atividades gradativamente. Deixando o legado de grande comunicador de massas com a perspectiva crítica marcado para sempre na história do jornalismo baiano.

CURIOSIDADE: Em 1985, na comemoração dos 40 anos d’O Momento, foi lançado uma edição especial do jornal intitulada “O Momento Comunista”.

Um Novo Momento

O projeto que guiará o relançamento do Diário do Povo foi elaborado ainda em 2020 pelo já formado conselho de redação, composto por: Nalbert Antonino, Camila Oliver, Eline Luz, Thaís Oliveira, Rafaela Fraga e Milton Pinheiro.

O novo O Momento se trata de um jornal totalmente digital, acessível e gratuito, buscando manter vivo o legado político que esse instrumento ímpar do jornalismo baiano deixou.

Assista a live em: https://www.youtube.com/watch?v=sjYXNjPzC2g

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