O “novo” ensino médio: um projeto neoliberal para a educação

Foto: Miguel Angelo / CNI
Por Perimar Moura

As últimas décadas têm sido marcadas pelo acirramento do neoliberalismo e a educação é uma das principais áreas que refletem esse fato. O teor predominantemente tecnicista em detrimento de uma formação humana tem marcado essa tendência de maneira cada vez mais abrangente, voltando a área educacional para o atendimento dos interesses mercadológicos da burguesia mundial. Há ainda uma evidente diferença entre o teor dessa mudança no processo educacional em países do eixo do “capEtalismo” e os que se encontram em sua periferia, sendo assim chamados de países de “capEtalismo dependente”. Nessa região periférica, a educação tem sofrido adaptações para ampliar ainda mais o já evidente abismo entre a classe trabalhadora e seus exploradores, como será debatido a seguir. 

No Brasil isso não é diferente e também não é novidade que a educação tem sido francamente atacada de diversas formas nos últimos anos. Em 2013 foi criado pelo empresariado o Movimento Pela Base, um grupo não governamental que financiou intelectuais de direita no intuito de elaborar uma “nova” base comum curricular, findando num projeto de redefinição do ensino médio no Brasil, recebendo então o nome de Novo Ensino Médio. Participaram abertamente desse processo, com suporte financeiro, instituições privadas de grande porte como a Fundação Lemann, a Fundação Itaú, o Unibanco, o Instituto Natura, a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Ayrton Senna, o Grupo Volkswagen, dentre diversas outras empresas de grande porte e detentoras de capital. 

Esse movimento teve seu apogeu com o golpe político-empresarial de Estado e contra a democracia brasileira em 2016, numa coalizão que envolveu todos os partidos de direita e extrema-direita no famoso “grande acordo com o Supremo, com tudo”, desencadeando assim uma das maiores crises institucionais que o país já enfrentou na Nova República. Tratou-se de uma reorientação política da burguesia brasileira para se adequar aos reflexos da crise econômico-financeira internacional. O pacote de medidas pós-golpe foi largamente apoiado e divulgado pela mídia nacional, com o discurso de convencimento da classe trabalhadora de que era necessário retroceder nos direitos trabalhistas e sociais para “salvar o país”. 

Paralelamente, várias ações já estavam sendo planejadas para serem postas em prática nos anos seguintes, como ataques às instituições públicas e seu conjunto de servidores e servidoras, incluindo-se aí as instituições educacionais, o sucateamento da máquina pública no geral, que servia de justificativa para as privatizações, atendendo assim à sanha entreguista ao capital estrangeiro, gerando perda de autonomia e enfraquecendo o Estado brasileiro. Foi diante dessa conjuntura que se consolidou a Reforma do Ensino Médio na Lei nº 13.415 de fevereiro de 2017, com ares de inovação e linhas que à primeira e desavisada leitura podem seduzir jovens estudantes e até mesmo docentes. Contudo, na prática, a coisa se apresenta de outra maneira, ameaçando muitos dos avanços educacionais conquistados a duras penas até aqui. 

Um primeiro ponto a ser aqui abordado é a possibilidade de as Secretarias Estaduais de Educação implementarem disciplinas e até cursos de cunho predominantemente tecnicista na modalidade de Ensino à Distância (EAD), através de instituições privadas e não governamentais (ONGs). Essas disciplinas podem ser oferecidas em até 40% na modalidade EAD, podendo ser de até 100% para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além da precarização iminente, por se tratar de tragédia anunciada, esse modelo não considera em sua concepção o grande número de pessoas que não tem condições de adotá-lo. Segundo dados do último censo do IBGE (2010), 37,8% da população brasileira não sabe usar ou não tem acesso regular à internet, ou seja, 63,35 milhões de brasileiros e brasileiras ficam de fora desse processo educacional, mostrando-se amplamente excludente.

Seguindo o projeto de agravamento da precarização da educação, essa reforma permite que empresas privadas ofereçam disciplinas curriculares que compõem a parte diversificada prevista nos Parâmetros Curriculares. Isso leva a uma diminuição da responsabilidade dos estados e da União sobre o Ensino Médio, ferindo as prerrogativas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/96, cujo prefácio foi um presente do então parlamentar, grande e saudoso educador brasileiro, Darcy Ribeiro (PDT).

Outro ponto de grave relevância, onde a situação fica ainda mais delineada em sua condução a uma sociedade acrítica, é a utilização do argumento de excesso de carga horária das disciplinas para a possível supressão de algumas delas, como filosofia e sociologia (podendo ser outras), além da provável diminuição da carga horária semanal de história e geografia na grade curricular, prejudicando a formação crítica e humana durante todo esse importantíssimo período escolar de formação cidadã, descaracterizando a educação em sua essência. Como sabiamente disse um dos maiores educadores que esse mundo já viu, nosso insubstituível e imprescindível (por isso mesmo tão atacado pelos inimigos da educação) Paulo Freire,“se a educação sozinha não transforma a sociedade, tampouco a sociedade muda sem ela”.

Diante disso, fica claro que o já citado Darcy Ribeiro foi cirúrgico quando afirmou que “a crise na educação brasileira não é uma crise, é um projeto”, e esse projeto é orquestrado pelo bojo empresarial que representa a burguesia brasileira. Vendida à população como se fosse uma revolucionária novidade para melhoria da educação, a reforma no ensino médio nada mais é do que a precarização da educação como um todo, transformando as instituições públicas de educação em fábricas de cidadãos e cidadãs acríticos e preparados/as para atender a um mercado de trabalho onde a classe trabalhadora não impõe resistência às constantes perdas de direitos essenciais e fundamentais. A precarização se estende aos profissionais da educação, já que nem mesmo a formação específica será exigida para ministrar disciplinas, podendo se utilizar de “notório saber” para tal. Não obstante, cursos on-line com carga horária de até 70 horas podem ser facilmente encontrados para assegurar o título de notório saber, cursos esses também ofertados pela iniciativa privada.

Essa reforma é uma afronta à educação brasileira, que já enfrentava sérios e profundos problemas, porque vai ampliar o já imenso abismo entre escolas públicas e privadas, o que implica em aumentar a distância entre seus públicos-alvo. Trocando em miúdos, as escolas particulares seguirão formando pessoas para adentrarem nas universidades, enquanto que as públicas formarão mão de obra ainda mais barata, com formação menos humanizada e sem senso crítico para exigir melhores condições de trabalho e de vida, que são direitos constitucionais de qualquer cidadão ou cidadã.

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