Por Milton Pinheiro
Patrícia Vieira Trópia é docente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. É mestre em Ciência Política e doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Realizou Pos-doutorado na Université Lumière Lyon II. Presidiu a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho no período 2020-2021. É co-autora do livro Panorama do Sindicalismo no Brasil 2015-2019, publicado pela Fundação Friedrich Ebert, 2022.
O MOMENTO – Do ponto de vista da compreensão do que seja trabalho, como você analisa essa questão no atual momento histórico em que vivemos?
Patrícia Trópia: O trabalho é a fonte de toda riqueza e, como tal, constitui uma relação central na sociedade capitalista. Mas o trabalho é sempre invisibilizado e desvalorizado. A cada crise do capital coloca-se a necessidade de recomposição da taxa de lucro. Desde a crise de 2008, assistimos a mudanças que vão no sentido retirar direitos e ampliar as formas de exploração do trabalho, precarizando as condições de trabalho. A financeirização da economia tem como condição a desproteção social (Lavinas, 2017). Estamos em uma fase do capitalismo em que no Norte Global se discute a redução da jornada de trabalho, todavia o trabalho remoto tende a ampliar o número de horas trabalhadas e aqueles (as) que estão inseridos em setores informais, precários e terceirizados (com predomínio de migrantes e mulheres), continuam com elevadas jornadas. No Sul Global tem ocorrido aumento e intensificação da jornada de trabalho. Basta tomarmos o caso dos (as) motoristas de Uber que trabalham mais de 10 horas diárias, ou ainda – se quisermos tomar um outro polo da estrutura ocupacional – o exemplo de médicos. A Demografia Médica do Brasil mostra que, em 2019, 44% dos médicos pesquisados afirmaram ter quatro ou mais trabalhos (Scheffer et al., 2020). Em 2014, este percentual era de 24,2%. Apenas 20% dos médicos tinham um único vínculo, enquanto 11% tinham seis ou mais vínculos. Em média, no país, os médicos tinham 3,61 vínculos de trabalho cada um Quase a metade dos pesquisados (45,9%) afirmaram trabalhar mais de 60 horas por semana, sendo que 28,9% disseram trabalhar mais de 80 horas semanais (ou 11,4 horas por dia em média, incluindo fim de semana).
Os aplicativos e plataformas (softwares) são meios de produção à disposição do capital que subordinam os trabalhadores da área de tecnologia da informação (TI) a realizar um trabalho perpétuo (Castro, 2016), quando os próprios trabalhadores e as trabalhadoras, majoritariamente contratados como MEI e PJ, não descansam, não tiram férias, não desligam. Entre desenvolvedores de games, a jornada de trabalho pode chegar a 65-80 horas semanais nos períodos de pico de trabalho (Woodcock, 2020). Denominado crunch, estes períodos, impostos por empresas nas semanas que antecedem ao lançamento de jogos, tendem a ser naturalizados, mas seus efeitos são brutais sobre a saúde e as relações sociais vividas pelos (as) programadores (as), especialmente.
Mundialmente, foi retomada a bandeira da redução da jornada de trabalho para 32 de 35 horas semanais (Dal Rosso et al., 2022). A luta pela redução da jornada de trabalho, pelo tempo livre, pelo direito a se aposentar antes de morrer está na raiz de vários protestos e movimentos. Talvez o exemplo mais ilustrativo da centralidade do trabalho na sociedade capitalista atual sejam os conflitos, protestos e as greves na França contra a Reforma da Previdência do governo Macron. O movimento sindical francês está colocando em evidência não apenas a centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo, mas a centralidade da luta material, objetiva, pelo direito ao tempo livre e à aposentadoria após anos de trabalho.
O MOMENTO – As reformas trabalhistas de Lula à Temer impactaram em quais sentidos o mundo do trabalho?
Patrícia Trópia – Podemos tomar como referência a Constituição de 1988, quando os (as) trabalhadores (as) brasileiros (as), por meio de suas entidades sindicais, partidos e movimentos sociais, lutaram para constitucionalizar direitos trabalhistas e sociais: redução da jornada de trabalho para 44 horas, direito de greve no serviço público, a plena igualdade jurídica entre homens e mulheres.
Desde o governo de Fernando Collor, contudo, foram várias as iniciativas que buscaram e levaram à redução de direitos. No governo FHC foram instituídas mudanças no sentido de flexibilizar os direitos trabalhistas, com alterações no contrato de trabalho. Passou a ser permitida a demissão temporária (Lay off) e a ampliação do contrato por tempo determinado de trabalho. Ademais foi instituído o banco de horas e a PLR. Esperava-se que o governo Lula (2003-2010) revertesse o processo de flexibilização de direitos, mas isso não ocorreu. Neste governo, foram instituídas novas possibilidade de contratação de prestadores de serviços na condição de empresas constituídas por uma única pessoa, criando-se os contratos de Pessoa Jurídica ou PJ. A contratação como PJ legalizou uma forma de burlar os direitos trabalhistas, pois essa modalidade de contratação possibilita a dissimulação da existência de vínculo empregatício. A lei do Super Simples também permite a flexibilização de alguns direitos trabalhistas no caso de micro e pequenas empresas. Embora não tenha sido instituída nos governos do Partido dos Trabalhadores, a terceirização das atividades meio não apenas não foi enfrentada como triplicou.
Em 2016, houve um processo de impeachment de Dilma Rousseff e o resultado foi um golpe. A contrapartida pelo apoio de amplos setores do capital ao processo de impeachment de Dilma Rousseff foi a adoção, pelo governo Michel Temer, de um conjunto de medidas voltadas a reduzir o “custo Brasil”. O documento do PMDB, Ponte para o Futuro, sintetizava o conjunto de interesses dos setores da burguesia para a economia e para o trabalho. A primeira medida tomada por Temer foi a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em áreas como saúde e educação por 20 anos e a seguir a “Lei da Terceirização irrestrita” e a “Contrarreforma Trabalhista”.
A Reforma Trabalhista de 2017 retirou espaços de atuação das associações sindicais e alterou o conceito de direito do trabalho, abrindo a possibilidade da prevalência do negociado sobre o legislado e da negociação individual sobre a coletiva.
Na conjuntura da Reforma Trabalhista, grande parte dos sindicatos e das centrais sindicais fizeram mobilizações importantes, organizaram a maior greve da história do país, em abril de 2017, para tentar impedir a tramitação do PL 6.787/16. A Reforma Trabalhista foi aprovada, por meio da Lei nº 13.467/2017, mas ela não criou empregos e sim muitos bicos; não ampliou os contratos formais e não fortaleceu as negociações coletivas. Não cumpriu o que prometeu.
Desde a Constituição de 1988, então, nota-se várias investidas no sentido de retirar direitos, enfraquecer a ação sindical, rebaixar o padrão protetivo do trabalho, estimular a concorrência e a divisão entre setores (público e privado), trabalhadores formais e não formais, e sobretudo difundir aspectos da ideologia neoliberal no seio das classes trabalhadoras.
O MOMENTO – O que poderia nos apresentar sobre o perfil da classe trabalhadora no Brasil do começo do século XXI?
Patrícia Trópia – A classe trabalhadora sempre foi heterogênea. A ideia de homogeneidade da classe trabalhadora é muito influente, mas, desde a Revolução Industrial, o conjunto dos trabalhadores é muito heterogêneo. A condição de assalariamento, que em um primeiro plano fundiria em uma mesma classe o conjunto dos vendedores da força de trabalho (formais ou informais), não é analiticamente suficiente para compreendermos as relações de produção no capitalismo, nem as relações sociais e políticas e, nem menos ainda, a luta de classes.
Marx e Engels trataram de forma muito sofisticada a questão do fracionamento da classe trabalhadora. Eles identificaram na classe trabalhadora: proletariado, lumpensinato, aristrocracia operária e trabalhadores não manuais (improdutivos ou classes médias). Identificaram o papel central da divisão técnica do trabalho no processo de trabalho e na política.
Não é apenas a divisão técnica entre trabalho manual e não manual segmenta as classes trabalhadoras. Outros marcadores sociais também são importantes: raça, etnia, gênero, geração, inserção em distintos setores econômicos, estatuto salarial público ou privado, padrão de direitos, formalização ou informalização contratual, contratação ou subcontratação (terceirização, quarteirização). São aspectos muito importantes. Não em si, mas porque mobilizam opressões, relações mais ou menos despóticas e assimétricas vividas pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras e que podem ser catalizadores da luta coletiva.
Reconhecer a “heterogeneirdade” da classe trabalhadora constitui uma tarefa teórica e politicamente fundamental para se construir estratégias de organização e unidade política. William Foster (1926), dirigente da IWW, advertira que era imperativo organizar em sindicatos os milhões de informais nos Estados Unidos. Quase um século depois é forçoso reconhecer que apenas uma fração das classes trabalhadoras é sindicalizada e que o desafio das organizações “en massa”, como afirmou Engels, continua vivo.
Desde os anos de 1970, sindicatos de setores desorganizados vêm sendo criados no Sul Global e as organizações existentes nos Estados Unidos e em países europeus tem se renovado na tentativa de incorporar esses setores. Muitas delas, como adverte Sophie Béroud (2009), buscam organizar os desorganizados e, dialeticamente, potencializar a suas próprias associações sindicais.
O MOMENTO – Quais as graves interferências do governo Bolsonaro no arcabouço protetivo do trabalho?
Patrícia Trópia – Em diversas ocasiões, Bolsonaro manifestou que queria uma legislação trabalhista próxima da informalidade, mirando, além da CLT, as instituições públicos e de fiscalização do trabalho. Em 23/3/2019, afirmou: “A equipe econômica nossa também trabalha uma forma de desburocratizar o governo, desregulamentar muita coisa. Tenho dito à equipe econômica que na questão trabalhista nós devemos beirar a informalidade porque a nossa mão-de-obra é talvez uma das mais caras do mundo”.
O horizonte da formalidade e dos direitos garantidos pela CLT, a rigor, esteve o tempo todo na mira do governo Bolsonaro. Na proposta de Carteira Verde e Amarela, caso aderisse, o trabalhador teria que renunciar a parte dos direitos em nome da preservação do emprego. Ainda que não tenha conseguido emplacar todas as mudanças pretendidas, o governo aprovou algumas medidas deletérias aos trabalhadores no período pré-pandemia, como a Lei da liberdade econômica (lei 13.874/2019) e a Reforma da Previdência em 2019.
A Reforma da Previdência foi a principal interferência do governo Bolsonaro no arcabouço protetivo. A Reforma da Previdência reduziu a idade mínima para aposentadoria. No caso das mulheres, o direito à aposentadoria passou de 60 para 62 anos, com regras específicas para trabalhadores rurais, policiais e professores. A Reforma modificou vários direitos dos servidores públicos. E, no setor privado, a opção de escolher se aposentar por idade ou tempo de contribuição tornou-se impossível. Mesmo quem já contribuiu pelo tempo mínimo não pode se aposentar se não tiver a idade mínima – como é o meu caso que, desde então, preciso completar 62 anos para desfrutar deste direito, mesmo depois de mais de 30 anos de contribuição.
Cabe um último comentário sobre a relação entre o governo Bolsonaro e o sindicalismo. A tutela sindical não é um fenômeno apenas conjuntural, vale dizer, daquelas conjunturas em que determinados governos autocráticos intervêm nos sindicatos, como ocorreu na ditadura militar. Em função do modelo de sindicalismo oficial brasileiro, a tutela sindical é estrutural: é o Estado que julga as disputas de representação e, no limite, decide qual é o único sindicato representante de uma determinada categoria profissional em uma mesma base territorial (unicidade sindical); é o Estado que define os contornos da categoria profissional ou ainda que arbitra os litígios grevistas. Este modelo produz um paradoxo: está baseado na unicidade sindical, mas existem no Brasil aproximadamente 12.000 entidades sindicais pois se trata de um modelo que incentiva a fragmentação e a divisão dos sindicatos. Outro efeito deste modelo é a existência de um governismo, alimentado pela crença das lideranças que o Estado os protegerá e arbitrará conflitos a seu favor.
O governo Bolsonaro, todavia, conseguiu uma façanha, por assim dizer. O governo Bolsonaro tratou os movimentos sociais e o sindicalismo particularmente, como inimigos. Não se sentou, não negociou, não estabeleceu diálogo social com sindicatos nem centrais. Os sindicatos deixaram de ser considerados interlocutores legítimos, foram desprezados nos processos de negociação de políticas públicas e sistematicamente combatidos. A MP 873/2019, que limitou a cobrança de quaisquer contribuições aos sindicalizados, foi uma tentativa de inviabilizar financeiramente a organização sindical e o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), criado pelo governo sem a presença sindical, evidenciou para os sindicalistas naquele governo trabalhador não tinha representação.
O resultado do “negacionismo sindical” foi a unidade programática de todo o movimento sindical, que passou a atuar no Fórum das Centrais, ainda que com disputas internas, realizou o Conclat 2022 e organizou uma frente de apoio à candidatura de Lula, nas eleições de 2022.
O MOMENTO – Quais são as principais questões que articulam o sistema de precarização hoje, entre nós?
Patrícia Trópia – São várias as dimensões da precarização do trabalho. Falamos sobre os efeitos deletérios da Reforma Trabalhista, que amplia contratos precários e atípicos, com impacto sobre a composição salarial, intensificação dos ritmos do trabalho, aumento de acidentes, desproteção social e fragilização das entidades sindicais etc. Os limites à exploração do trabalho foram implodidos.
Além destas dimensões, podemos tomar o desemprego e o próprio emprego como indicadores da precarização. No Brasil, o número de desalentados – ou seja de pessoas em idade ativa, mas que não procuram emprego por acreditarem que não conseguiriam uma oportunidade – é de 4,3 milhões (IBGE, 2022); e o desemprego de longa duração vem crescendo no país – o percentual de desempregados que buscavam uma vaga há dois anos ou mais alcançou 27,1%, segundo os dados do IBGE. O desemprego também tem um perfil que evidencia as assimetrias de gênero e raça: a taxa de desocupação entre mulheres é 50,2% maior do que a dos homens e a taxa de desemprego das pessoas pretas era quase 50% maior que as brancas (Cf. Cardoso, 2022). Mas a precarização não está apenas no desemprego, mas no emprego. Isto significa que a formalização não é, nem de longe, o limite para a precarização. Uma destas dimensões é a terceirização que, no Brasil, se tornou irrestrita, justamente no contexto pós-golpe, com a Lei 13.429 de 2017. Até 2017, a terceirização era restrita às atividades meio.
De acordo com Cavalcante e Marcelino (2021), a terceirização é todo processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta, cujo objetivo último é a redução de custos com a força de trabalho e/ou a externalização dos conflitos trabalhistas.
Sua aplicação pelas empresas e instituições busca, além da redução dos custos trabalhistas, a supressão da subordinação ao direito do trabalho. As “prestadoras de serviços” são contratadas pela empresa principal por meio de uma relação comercial e esta última se desobriga dos direitos trabalhistas. A contratada, sob pressão dos custos e prazos, aumenta o grau de exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras, reduzindo, negando e desrespeitando direitos e benefícios trabalhistas.
A terceirização é perversa. Ela potencializa a concorrência entre trabalhadores. Druck e Filgueiras (2014, p. 109-10) afirmam que a terceirização constitui “uma modalidade de gestão do trabalho incentivada pela lógica da acumulação financeira que, no âmbito do processo de trabalho e do mercado de trabalho, exige flexibilidade em todos os níveis, instituindo um novo tipo de precarização social”.
As colegas Graça Druck e Victoria Basualdo (2020), sintetizaram as várias dimensões da precarização do trabalho que estão presente na terceirização, entre as quais vale a pena citar: 1) o reforço do caráter mercantil da força de trabalho, em um mercado de trabalho heterogêneo, segmentado, mais vulnerável e com formas de contratação sem proteção; 2) o aumento da (in) segurança e saúde no trabalho, levando a altos índices de acidentes de trabalho, adoecimento e mortes; 3) a perda de enraizamento, de vínculos, de inserção, afetando a solidariedade e a identidade de classe; 4) o enfraquecimento da organização sindical e das formas de luta e representação dos trabalhadores.
O MOMENTO – Você é uma estudiosa do perfil das Centrais sindicais no Brasil. O que caracteriza essas organizações?
Patrícia Trópia – O quadro das centrais sindicais brasileiras é bastante dinâmico. Desde 2005, O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) dispõe de um Cadastro Nacional de Entidades Sindicais. Em 2015, quando publicamos o livro As bases sociais das novas centrais brasileiras (Galvão et al., 2015), havíamos identificado 12 centrais registradas no MTE e uma sem registro. Posteriormente ao nosso levantamento, foram criadas mais duas centrais: a Pública – Central do Servidor – e a CESP – Central das entidades de servidores publicos. Atualmente neste Cadastro estão registradas 14 centrais sindicais (MTE, 2023):
- CENTRAL DO BRASIL DEMOCRATICA DE TRABALHADORES – CBDT NACIONAL
- CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS – CSB
- CENTRAL SINDICAL E POPULAR CONLUTAS
- CENTRAL UNIFICADA DOS PROFISSIONAIS SERVIDORES PUBLICOS DO BRASIL
- CESP – CENTRAL DAS ENTIDADES DE SERVIDORES PUBLICOS
- CGTB – CENTRAL GERAL DOS TRABALHADORES DO BRASIL
- CTB – CENTRAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DO BRASIL
- CUT – CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES
- FS – FORÇA SINDICAL
- INTERSINDICAL – CENTRAL DA CLASSE TRABALHADORA
- NCST – NOVA CENTRAL SINDICAL DE TRABALHADORES
- PUBLICA – CENTRAL DO SERVIDOR
- UGT – UNIÃO GERAL DOS TRABALHADORES
- UNIAO SINDICAL DOS TRABALHADORES – UST
Desde 2003, inicia-se um processo de reconfiguração do sindicalismo brasileiro, processo que se consolida com a aprovação da lei de reconhecimento das centrais, em 2008, a Lei 11.648 (BRASIL, 2008).
Pesquisamos nos últimos anos as seguintes centrais sindicais: CTB, CSP-Conlutas, CUT, Intersindical e UGT. O panorama que apresentamos em nossos estudos mostram que estas centrais representam distintos setores econômicos, mas há predomínio de alguns deles (industrial, de serviços, servidores públicos, setores mais dinâmicos e estruturados da economia) em suas bases, de tal modo que o perfil da base importa muito na análise do posicionamento político ideológico das centrais. A tradição de luta dos sindicatos de base também é outro aspecto importante para compreendermos o panorama das centrais e a sua maior ou menos disposição de luta, organização e mobilização dos trabalhadores.
A CSP-Conlutas surgiu em março de 2004 (ainda como Conlutas), a partir de algumas correntes que integravam a CUT: o Movimento por uma Tendência Socialista (MTS), ligado ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e algumas correntes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), entre elas o Movimento de Esquerda Socialista (MES), o Movimento Avançando Sindical (MAS) e o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL). A saída dessas correntes foi provocada por discordâncias em relação à participação da CUT nos organismos tripartites (o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES – e o Fórum Nacional do Trabalho – FNT). A pá de cal foi a reforma da previdência de 2003, que gerou uma grande insatisfação entre os funcionários públicos, que tiveram seus direitos reduzidos. Não por outro motivo, esta central tem em seus quadros, fundamentalmente servidores públicos, dos setores da educação e da saúde.
A crítica à estrutura sindical e ao sindicalismo de cúpula sem raízes e burocratizado motivou a criação da Intersindical. Criada em 2006 tinha como objetivo resgatar os princípios fundamentais que teriam norteado a fundação da CUT. Embora dividida em duas desde 2008, a Intersindical “Instrumento de luta e organização da classe trabalhadora” e a Intersindical “Instrumento de luta, unidade de classe e construção de uma nova central”, ambas mantinham o princípio de que uma nova central sindical deveria ser construída por um movimento preliminar nas bases (Galvão et al., 2015).
A CTB também se originou de uma corrente atuante no interior da CUT. Suas origens remontam à atuação da Corrente Sindical Classista (CSC), que no período democrático pós-1985 integrou, inicialmente, a antiga Central Geral dos Trabalhadores (CGT), mas que, em 1988, rompeu com esta central e, em 1990, passou a integrar os quadros da CUT. A permanência dos sindicalistas da CSC dentro CUT se estendeu por um período de dezesseis anos. No 9oCongresso Nacional da CUT, em 2006, a aliança com essa central foi rompida e, em 2007, a CTB foi fundada. As razões desta ruptura com a CUT foram mais de natureza pragmática, pois a CSC entendia que, compondo 20% da CUT, poderia criar sua própria central. Mas sempre houve divergências entre sindicalistas da CSC e outras correntes cutistas. Uma das principais divergências dos sindicalistas ligados à CSC era a defesa, por setores da CUT, da Convenção 87 da OIT. A CSC e a CTB são historicamente defensoras da unicidade sindical e temem que o pluralismo sindical enfraqueça e divida o movimento sindical.
A origem da UGT ocorreu em julho de 2007, durante o Congresso Nacional de Trabalhadores, na cidade de São Paulo (SP). As três principais forças que compuseram a UGT foram: 1) a CGT (Confederação Geral do Trabalho), a CAT (Central Autônoma dos Trabalhadores), e a SDS (Social Democracia Sindical), uma dissidência da Força Sindical.
As mudanças no modelo econômico e as conjunturas políticas interpelam as centrais a se posicionarem. Em algumas conjunturas as centrais se dividem, não tem um consenso mínimo. Na conjuntura do impeachment as centrais não estavam todas unidas. Na conjuntura da Reforma Trabalhista, o movimento sindical fez mobilizações importantes, organizou uma greve geral, mas ainda assim houve dissidências e contradições no seio do movimento sindical. Noutras conjunturas as centrais buscam se unir e fortalecer. Em 2022, nove centrais organizaram o Conclat 2022 e produziram uma Pauta da Classe Trabalhadora – Conclat 2022, com uma agenda comum em defesa dos trabalhadores, da retomada do desenvolvimento e da proteção social.
Se as centrais tentam em determinadas conjunturas agir de forma unitária isso não significa que não haja tensões e conflitos políticos entre elas. As centrais sindicais estão se organizando para apresentar uma proposta de reforma sindical e sobre isso não há consenso.
O MOMENTO – O sindicalismo brasileiro, no atual estágio da crise capitalista, terá capacidade de avançar na reorganização da classe trabalhadora?
Patrícia Trópia – Afirmamos, anteriormente, que, desde o golpe de 2016, o sindicalismo enfrenta um período marcado pela ofensiva neoliberal-conservadora e por um processo sistemático de desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas. Tudo isso cria uma série de dificuldades e desafios para as classes trabalhadoras e suas formas de organização e representação de interesses.
O movimento sindical tem sido desafiado em seu poder de representação e mobilização pelo crescimento da informalidade e da terceirização, por um lado, e pela queda na filiação sindical e na arrecadação, por outro. Com o fim do imposto sindical, os sindicatos perderam capacidade de financiamento. Muitos sindicatos tiveram que fechar sedes e subsedes e outros reduziram o tamanho das estruturas das entidades.
Como os sindicatos enfrentam esse contexto?
As pesquisas que conduzimos com colegas (Campos et al., 2021a; Campos et al., 2021b; Colombi et al., 2022) evidenciam que os sindicatos, embora tenham sido muito impactados pela reforma trabalhista, tem buscado se defender e reinventar.
Os sindicatos passaram a dar maior atenção a comitês de empresa, eleição de delegados sindicais e representantes no local de trabalho com vistas a se aproximar dos trabalhadores. Campanhas de sindicalização tornaram-se mais frequentes, novas estratégias de comunicação, sobretudo com o amplo uso das redes sociais, passaram a ser recorrentemente utilizadas. A oferta de serviços assistenciais também continua sendo vista como uma forma de atrair novos sócios.
Publicados no livro Panorama do Sindicalismo no Brasil 2015-2019, os resultados da pesquisa que finalizamos em 2022, com 27 entidades sindicais nacionais, mostram que há experiências promissoras de organização. Alguns sindicatos têm procurado representar e mobilizar os terceirizados, alterando estatuto, filiando-os ou criando a figura do sócio usuário ou sócio especial, embora esta prática seja residual. Outros têm procurado realizar ações voltadas a grupos específicos de suas bases, tais como mulheres, jovens, aposentados, inseridos ou não em movimentos sociais.
Na pandemia, os sindicatos, mundo afora, ressurgiram como atores centrais. O princípio da solidariedade que está na base de toda associação sindical emergiu, em um contexto de crise sanitária sem precedentes. No Brasil, muitos sindicatos colocaram suas estruturas para apoiar e desenvolver ações solidárias, humanitárias, e defender a vida de seus representados. Compraram EPIs para seus filiados, distribuíram alimentos nas periferias e apoiaram as chamadas “cozinhas comunitárias” organizadas pelo MTST. Os sindicatos mostraram que o princípio da solidariedade entre os trabalhadores não é coisa do século XIX, mas continua vivo. Os trabalhadores e as trabalhadoras sindicalizadas têm melhores condições de trabalho pois suas entidades acabam cumprindo um papel de defesa de direitos e de fiscalização do trabalho – o que significa que a associação sindical faz diferença na vida dos trabalhadores.