Por Paulo Nascimento
Desde o ano de 2018 a cidade de Maceió se juntou a um conjunto de outras localidades brasileiras vitimadas por atividades de mineração. Na sequência dos crimes socioambientais cometidos pela mineração nas cidades de Mariana-MG (2015) e Brumadinho-MG (2019), Maceió também sofreria os efeitos da exploração mineralógica decorrente de mais de 40 anos de extração de sal-gema, minério utilizado na fabricação de resinas plásticas e cloro-soda.
No centro de tudo isso está a Braskem, quarta maior empresa desse ramo no mundo e líder na América Latina. De acordo com o geofísico Abel Galindo, da Universidade Federal de Alagoas, estaríamos nos referindo ao maior crime socioambiental em curso em área urbana no mundo. Os números estimados até o momento apontam para 60 mil pessoas diretamente atingidas, posteriormente removidas de forma compulsória dos bairros Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e parte do bairro Farol.
Desde sua implantação na orla sul maceioense no ano de 1976, a Braskem tem sido responsável pela administração de 35 minas para a extração de sal-gema. Esses poços de extração mineralógica situam-se numa área urbana de cerca de 300 hectares, contíguos à Lagoa Mundaú, e marcados pela presença de bairros periféricos em sua maioria, alguns deles hospedando atividades tradicionais ligadas à pesca e à mariscagem do sururu, prato tradicional da culinária alagoana.
Vale salientar que a despeito dos impactos diretos sobre as populações residentes nos bairros atingidos, o crime socioambiental em questão tem produzido um conjunto de efeitos deletérios sobre toda capital Maceió, com incidências sobre a mobilidade urbana, sobre o setor imobiliário, sobre a segurança pública e sobre a saúde coletiva. Desde a irrupção desses acontecimentos no ano de 2018, por exemplo, contam-se 14 mortes por suicídio entre as vítimas da Braskem residentes nas áreas afetadas.
Fatos dessa natureza decorrem do profundo clima de injustiça verificado nas negociações entre a Braskem e as populações atingidas. Em 2019, em decorrência do laudo do Serviço Geológico Brasileiro que ratificou a relação causal entre a extração de sal-gema e o afundamento do solo dos bairros em questão, foi firmado um “acordo de cooperação” entre a mineradora, os Ministérios Públicos estadual e federal, a Defesa Civil e a prefeitura de Maceió, relacionado a um conjunto de medidas compensatórias a serem assumidas pela Braskem em face dos prejuízos ocasionados por este episódio.
O protagonismo dado à Braskem na formatação das cláusulas de tal “acordo” e o sentimento de impunidade têm se refletido em grande indignação social, proporcionando o surgimento de importantes articulações como o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB).
Desde o início desses eventos a Braskem segue investindo fortemente na produção de percepções sociais que lhe sejam favoráveis, e que ratifiquem seu “compromisso histórico com o estado de Alagoas” e seu perfil de “compromisso com os ideais de sustentabilidade”. Esses investimentos têm se traduzido no uso cotidiano dos grandes veículos de imprensa local como um espaço de difusão da narrativa da Braskem, que pode ser resumida em dois grandes motes: (1) a desresponsabilização pelos acontecimentos, e (2) a afirmação de seu lugar de “parceira” junto ao estado e às comunidades atingidas pelo “fenômeno geológico”.
Nas últimas semanas essas convulsões passaram a ter um alcance maior na mídia nacional, em função das apreensões em torno da mina 18, onde se verificou uma possibilidade de colapso. Apesar do tratamento de espetáculo dado pela mídia hegemônica a esse último episódio, o mesmo tem servido para ampliar o conhecimento desse crime em nível nacional e internacional, ensejando inclusive a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional – a já apelidada CPI da Braskem.
Como todos os crimes socioambientais cometidos por mineradoras, o que se tem passado em Maceió certamente não poderá ser remediado em todas as suas dimensões. Mesmo porque é praticamente impossível estimar a extensão dos impactos causados nos âmbitos da saúde coletiva, da mobilidade urbana, da segurança pública, das questões trabalhistas e imobiliárias. Junto a essas dimensões soma-se a indignação pela destruição das redes comunitárias, das memórias e dos afetos relacionados ao direito de ocupar um espaço e ali construir uma história. É como indagam as comunidades: “Braskem, quanto vale o sal de nossas lágrimas?”
Mas a despeito dessa dimensão de irreparabilidade, há um clamor por justiça em Maceió, ainda que seja com o indiciamento criminal dos responsáveis, coisa que passa a ser cogitada seis anos após o início desses tormentos. Numa terra acostumada com as imposições nada populares do poder político-econômico como é Alagoas, essa vitória não deve ter seu valor subestimado.