Memória: Neide dos Santos

Por Bernardo Ramos

Assassinada aos 31 anos, Neide Alves dos Santos foi uma das militantes comunistas mortas pela ação dos órgãos de repressão da ditadura burgo-militar contra aqueles que se opunham e resistiam ao regime em curso.

Segundo os relatórios da Comissão Nacional da Verdade, Neide nasceu no Rio de Janeiro em 1944 e, à época de sua militância no PCB do início dos anos 70, viveu na zona oeste de São Paulo, cidade na qual trabalhou por um tempo no caixa de um supermercado. Enquanto um quadro orgânico do partido, ela se destacou nas ações de agitação e propaganda, sobretudo na divulgação do jornal mensal “Voz Operária”, sob o codinome Lucia, até que a perseguição do Estado interrompeu sua atuação.
Durante os vinte e um anos de ditadura, o PCB atuou na clandestinidade, ainda que mantivesse influência na oposição legislativa aos militares. Um dos principais meios que se utilizava para agitar e organizar a classe trabalhadora contra o regime era o jornal “Voz Operária”. O periódico, que voltou à circulação no lugar do “Novos Rumos”, extinto após o golpe de 1964, também serviu como via de denúncia da barbárie que o Estado dirigia contra estudantes e trabalhadores, sobretudo àqueles organizados em movimentos e sindicatos.
Na década de 70, entretanto, houve numerosas baixas no PCB devido ao processo de intensa repressão aos movimentos de oposição à ditadura, o que teve tanto motivações ideológicas quanto pragmáticas. O membro do órgão central do partido Hiran de Lima Pereira, por exemplo, que participava na construção do periódico ao lado de Neide, desapareceu no início de 1975, em meio à tendência de assassinatos de militantes. Tal cenário resultou do posicionamento do governo brasileiro frente ao conflito entre países socialistas e potências imperialistas, a assim chamada Guerra Fria, e da ameaça que os comunistas do partido e de outras organizações de luta representavam ao regime militar, apesar desta já se encontrar enfraquecida no período em questão.
Em meio a essas agitações políticas e sociais pós-64, o partido se tornou o alvo central da repressão e, com isso, muitos militantes foram perseguidos, presos, torturados e assassinados. Alguns se exilaram em outros países, enquanto outros tornaram-se desaparecidos políticos ou morreram violentamente, como a camarada Neide Alves dos Santos.
Entre 1973 e 1976, o CIE (Centro de Informações do Exército), junto aos DOI-CODI (órgãos de repressão subordinados ao exército), organizou a Operação Radar a fim de neutralizar o Partido Comunista Brasileiro nacionalmente. Tal investida sistemática, que representou um dos períodos mais brutais para os comunistas no Brasil, ocorreu na transição do governo Médici para a gestão de Ernesto Geisel.
Em 1975, Neide dos Santos foi constantemente vigiada e investigada pela Operação Radar, passou por prisões violentas e, por fim, faleceu em janeiro de 1976 no Pronto-socorro do Tatuapé-SP, após ser torturada. Para ocultar o homicídio, os militares articularam a fraude de um laudo médico que declarava que ela havia se suicidado. Na esteira de outros absurdos da ditadura, podemos dizer que tal prática era comum à época, sobretudo após as retaliações à encenação esdrúxula em torno da morte do jornalista Vladimir Herzog, outro militante do partido assassinado no ano anterior.
Após mais de trinta anos desde o fim da ditadura, mantemos na memória o legado de Neide Alves dos Santos e de outros camaradas torturados e assassinados durante o regime militar na luta pela emancipação da classe trabalhadora.
Referências:
1. Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório / Comissão Nacional da Verdade. – Recurso eletrônico. – Brasília: CNV, 2014. 976 p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 1)
2. Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos / Comissão Nacional da Verdade. – Brasília: CNV, 2014. 416 p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 2)
3. Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Mortos e desaparecidos políticos / Comissão Nacional da Verdade. – Brasília: CNV, 2014. 1996 p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 3)
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