Memória – Lila Ripoll

Memória - Lilia RIpoll
Por Camila Oliver

Geralmente, após as reuniões de pauta de O Momento, quando é destinada a mim a tarefa de escrever a memória, vou buscar as informações históricas da pessoa a ser homenageada, por indicação do conselho editorial. No caso desta memória, foi bem diferente, posso dizer que a homenageada me encontrou. Aliás, ela não apenas me encontrou, ela gritou comigo.

Havia finalizado minha participação uma live que tinha por título: “Vozes que vencem o silêncio”, quando peguei o meu celular, lá estava como sugestão o poema “Grito”, de Lila Ripoll, publicado no livro O Coração Descoberto (1961):

Não, não irei sem grito.
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária. Definida.

As portas adormecidas abrirão
passagem para o mundo

Meus sonhos, meus fantasmas,
meus exércitos derrotados,
sacudirão o silêncio de convenção
e as máscaras de piedade compungida.

Dispensarei as rosas, as violetas,
os absurdos véus sobre meu rosto.

Serei eu mesma. Estarei
inteira sobre a mesa.
As mãos vazias e crispadas,
os olhos acordados,
a boca vincada de amargor.

Não. Não irei sem grito.

Abram as portas adormecidas,
levantem as cortinas,
abaixem as vozes
e as máscaras —

que eu vou sair inteira.
Eu mesma. Solitária.
Definida.

 

Quem era aquela mulher cujo grito calou em mim? Uma busca rápida na internet e lá estava:Lila Ripoll foi uma poetisa, pianista e militante comunista brasileira”. Como eu ainda não a conhecia? Senti-me compelida a saber mais e a “gritá-la” por aqui…

Lila Ripoll nasceu em Quaraí, Rio Grande do Sul, em 12 de agosto de 1905. Passou a infância em Salamanca do Jarau, local com ares pacatos, todavia, perpassada pelo contrabando e por disputas políticas. Nos versos de “Vim  ao  mundo  em  agosto…”, a poeta aborda o  próprio  nascimento:

Sou triste de nascença e sem remédio. 

Vim ao mundo no triste mês de agosto: –

O mês fatal das chuvas e do tédio, –

E nasci quando o sol estava posto. 

 

Vim ao mundo chorando… (O meu presságio!)

 Um vento mau marcava na vidraça 

O plangente compasso de um adágio, 

Anunciando, agoirento, uma desgraça… 

 

[…]

 

 Aos vinte e dois anos, Lila mudou-se para Porto Alegre com a finalidade de estudar piano no Conservatório de Música, do Instituto Livre de Belas Artes (hoje, Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ainda quando estudante, publicou poemas na Revista Universitária. Tornou-se, em 1930, professora de Canto Orfeônico no Grupo Escolar Venezuela, aproximando-se de escritores e intelectuais gaúchos tais quais Reinaldo Moura, Manuelito de Ornelas, Dyonélio Machado, Carlos Reverbel e Cyro Martins, os quais pertenciam à Geração de 30.

 Ressaltemos que a condição de Ripoll não era a mesma da maioria das mulheres de sua época as quais, em geral, ainda dependiam do casamento para a sua manutenção, pois a esfera pública era território masculino. Muito provavelmente por esse motivo, a temática da negatividade sob a perspectiva da mulher é tão presente na obra da escritora. Contudo, a profissionalização de Lila e sua independência intelectual e material foram de extrema importância para a sua atuação política. 

Em 1934, o seu primo e irmão adotivo, Waldemar Ripoll, jornalista e membro do Partido Libertador, foi assassinado a machadadas enquanto dormia. Segundo alguns historiadores, o assassinato deu-se por ordem de pessoas ligadas a Flores da Cunha. Após esse episódio, Lila Ripoll decidiu-se por engajar-se na luta política ao lado dos comunistas. A poeta participou da Frente Intelectual do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Sindicato dos Metalúrgicos, de cujo departamento cultural foi diretora. Além disso, após a legalização, dirigiu a Revista Horizonte; organizou o 4° Congresso Brasileiro de Escritores e colaborou com A Tribuna, órgão do PCB. Em 1938, publicou seu primeiro livro, De Mãos Postas. E em 1941, publicou Céu Vazio, vencedor do Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. 

Em 1944, Lila casou-se com o engenheiro e também militante político, Alfredo Luís Guedes. Em 1945, com a legalização do Partido Comunista Brasileiro, engajou-se mais ativamente pelas reivindicações dos operários e, simultaneamente, publicou textos na revista A Província de São Pedro.

Em 1949, mesmo abatida após a morte do seu marido, não abandonou a militância política. Foi candidata a deputada estadual pelo Partido Comunista, em 1950, percorrendo um grande número de cidades do Rio Grande do Sul, enfrentando intensa reação da elite conservadora e de correntes religiosas, que inviabilizaram a sua vitória. Deste período de campanha, narra-se que, em Quaraí, sua cidade natal, durante seu discurso na Praça General Osório, foi agredida com vaias e pedradas. Porém, Lila não se deixou intimidar e não interrompeu o seu discurso.

No ano seguinte, publicou Novos Poemas, que lhe outorgou o Prêmio Pablo Neruda da Paz, em Praga, na Tchecoslováquia. Em 1954, publicou o longo poema Primeiro de Maio, obra de cunho político/social, dividida em quatro momentos:  “Festejo”, sobre a  mobilização  popular,  num  primeiro  de  maio,  para inaugurar a sede da “União Operária”; “Passeata”, que dá enfoque ao conflito do povo com a polícia, do qual emerge  o grito de “avante”; “Angelina”, destacando  a  tecelã  Angelina,  que  morre alvejada por fuzis na  tentativa  de  recuperar  a  Bandeira  tomada  pela polícia; “Amanhã”, louvor aos  heróis, dentre eles,  Prestes. Há em todo o poema a convicção comunista de Lila Ripoll:  “E à luta regressa, / com febre no olhar. / Os braços erguidos, / subiam, caiam, / em meio a outros braços, / o mastro a arrastar”.

 Em 1964, imediatamente após o golpe militar, Lila Ripoll foi presa, todavia, rapidamente libertada em função de sua saúde — sofria de câncer em estado avançado. Faleceu em Porto Alegre, aos sessenta e um anos, e seu corpo foi enterrado por seus camaradas no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia. Deixou-nos uma obra de oito livros editados, entre 1938 e 1965: De mão postas, Céu vazio, Por quê ?, Novos poemas, Primeiro de Maio, Poemas e canções, O Coração descoberto e Águas Móveis. Outros poemas inéditos foram recuperados e organizados pela pesquisadora Alice Moreira no livro Lila Ripoll – Obra completa. É também obra de Lila a peça teatral Um colar de vidro (1958).

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