Memória: Gregório Bezerra

Por Camila Oliver

 

Nascido com o século que o homem transformou
Um camponês soldado feito de ferro e flor
Agora canto alto e forte em sua memória
Gregório está presente a lutar em nossa história

( Século de Ferro e Flor – Subversivos)

 

No dia 13 de março de 1900, na cidade de Panelas, no agreste pernambucano, nasceu Gregório Lourenço Bezerra. O destacado dirigente do Partido Comunista Brasileiro, que passou 22 anos de sua vida preso por motivos exclusivamente políticos, teve sua história contada no cordel “História de um Valente”, escrito por Ferreira Gullar, sendo imortalizado na literatura como um homem “feito de ferro e de flor”.

Com apenas quatro anos de idade, Gregório Bezerra iniciou o trabalho na lavoura de cana-de-açúcar e, aos nove anos, já havia se tornado órfão de ambos os pais. Por esse motivo, como muitas crianças nordestinas, migrou do campo para a cidade, no seu caso, para o Recife, para morar com a família dos fazendeiros com a promessa de estudar. Promessa essa que, como também era recorrente, não foi cumprida e Gregório permaneceu analfabeto até os seus 25 anos.

Pobres e sem-teto, dormiu por muito tempo entre as catacumbas do cemitério de Santo Amaro. Para sustentar-se, foi carregador de bagagens na estação central, jornaleiro e ajudante de obras. Na profissão de jornaleiro, tinha cesso às notícias a partir da leitura que os seus colegas faziam para ele dos jornais locais, passando a interessar-se pela política. Em 1917, trabalhou como operário da construção civil, sendo preso pela primeira vez neste mesmo ano, enquanto participava de uma passeata em Recife em apoio à Revolução Bolchevique e às primeiras ondas de greve geral por direitos trabalhistas no Brasil.

Permaneceu preso por cinco anos na Casa de Detenção do Recife, sendo libertado em 1922, mesmo ano em que se apresentou ao Exército para prestar serviço militar. Foi neste período da carreira militar que Gregório Bezerra alfabetizou-se, entrando para a escola de sargentos em 1929 e tornando-se instrutor da Companhia de Metralhadoras Pesadas na Vila Militar e instrutor de Esportes, no Rio de Janeiro. Transferido para Recife, já como sargento, em 1930 filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

No Recife, em 1935, participou da fundação da Aliança Nacional Libertadora (ALN) e liderou o levante militar promovido por essa organização de massas. Este levante ficou conhecido como “Intentona Comunista”. O movimento foi sufocado e Bezerra condenado a 28 anos de prisão, pela morte de um tenente na tentativa de roubar o armamento do CPOR/Recife para o levante. Ficou preso num primeiro momento em Fernando de Noronha e, depois foi encaminhado para o Presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, onde dividiu cela com Luís Carlos Prestes.

Anistiado ao fim da Ditadura Vargas, Gregório Bezerra elegeu-se, por Pernambuco, em 1946, na legenda do PCB, como o mais votado deputado federal constituinte. Todavia, assim como os todos os parlamentares comunistas, o seu mandato foi cassado em 1948. Desta maneira, passou a viver na clandestinidade por nove anos, com atuação militante no Paraná e em Goiás.

 

A força dos comunistas
assustou a reação.
Viram o apoio que o povo
dera a eles na eleição.
Armaram rapidamente
uma bruta traição.
Contra o PCB votou-se
a total proibição
e contra os seus deputados
engendrou-se a cassação.
Fizeram o que fez agora
a falsa “revolução”. (Ferreira Gullar)

Assim que se instaurou o golpe burgo-militar de 1964, Gregório Bezerra foi preso. A sua prisão aconteceu no dia 02 de abril de 1964, enquanto, mesmo já idoso, organizava a resistência armada dos camponeses, da região de Cortês, sul de Pernambuco, ao golpe. Naquele mesmo dia, foi levado para o Recife, onde foi publicamente torturado, arrastado pelas ruas do bairro de Casa Forte, enquanto o tenente-coronel do Exército Brasileiro, Darcy Villocq Vianna, incitava a população a linchá-lo. Antes das torturas na rua, os seus pés foram imersos em solução de bateria de carro e foi obrigado a andar sobre britas, tortura transmitida pelas televisões locais. A tortura pública só parou por intervenção das freiras do Convento da Sagrada Família que ficava localizado na praça de Casa Forte. As torturas sofridas por Gregório Bezerra são narradas no cordel de Ferreira Gullar:

No chão derramaram ácido
e fizeram ele pisar.
A planta dos pés queimava,
mal podia suportar.
Vestiram-lhe um calção
para depois o amarrar
com três cordas no pescoço
e para a rua o levar
preso à traseira de um jipe
e para ao povo mostrar
o “bandido comunista”
que se devia linchar.
Estava certo Villocq
que o povo o ia apoiar
para em plena praça pública
o comunista enforcar…

Mas para seu desespero
o povo não o apoiou.
Aos seus apelos de “enforca!”
nenhuma voz se juntou.
[…]

“Meus pés eram duas chagas
– Gregório mesmo contou –
e no meu pescoço a corda
ainda mais apertou.
O sangue que me banhava
minha vista sombreou.
Senti que a força faltava
mas minha boca falou:
“Meu povo inda será livre!”
E muita gente chorou
no Largo da Casa Forte
onde o cortejo parou.

A freira que desmaiara
o arcebispo procurou
e este ao General Justino
nervosamente apelou
para impedir o homicídio
que quase se perpetrou.
A solidariedade humana
como uma flor despontou
no Largo da Casa Forte
onde o cortejo parou.

Quase morto mas de pé,
Gregório foi encarcerado.
Por dias e noites a fio
ele foi interrogado.
[…]

Mas nada disso arrefece
o valor desse homem bravo
que luta pra que seu povo
deixe enfim de ser escravo
e a cada nova tortura,
a cada cruel agravo,
mais força tem pra lutar
esse homem sincero e bravo.

E donde vem essa força
que anula a crueldade?
Vem da certeza que tem
numa histórica verdade:
o homem vem caminhando
para a plena liberdade;
tem que se livrar da fome
para atingir a igualdade;
o comunismo é o futuro
risonha da humanidade.

Gregório Bezerra é exemplo
para todo comunista.
É generoso e valente,
não teme a fúria fascista.
[…]

Condenado a dezenove anos de prisão, passou cinco anos preso, pois, foi libertado, em 1969, ao lado outros quatorze presos políticos, em troca da devolução do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, que fora sequestrado por alguns de seus camaradas de militância. Após isto, exilou-se no México e na União Soviética, retornando ao Brasil, com a Lei de Anistia, em 1979. Faleceu em São Paulo, em 21 de outubro de 1983.

Pernambucano nato com a saga nordestina
Sargento e deputado em qualquer tribuna ia
Peitou de fazendeiro até milico golpista
Gregório tu és o povo ele não te esqueceria
(Século de Ferro e Flor – Subversivos)

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