Memória – Eneida de Moraes – ENEIDA

Eneida
Por Camila Oliver

No registro de nascimento, Eneida de Villas Boas Costa, após o casamento, Eneida de Villas Boas Costa de Moraes, na vida e na luta, plenamente, ENEIDA. Nasceu em Belém, no estado do Pará, em 23 de outubro de 1904, foi jornalista, escritora, mãe (de Lea e Octavio Sérgio), militante política, carnavalesca e pesquisadora.

Segundo Eunice Ferreira dos Santos (2005, p.99), Eneida foi uma “[…]mulher que rompeu, ou pelo menos afrontou, os padrões instituídos ao papel feminino de sua época, transitando em redutos considerados masculinos: a redação de jornais, a publicação de livros e a célula partidária”.

A sua entrega à revolução e à escrita teve o alto custo que os padrões sociais vigentes cobram às mulheres que ousam lutar. Além do preço de prisão, Eneida afastou-se dos seus filhos. Contudo, o círculo de amizades no meio cultural brasileiro a reaproximou do seu filho Octávio, o qual tornou-se jogador de futebol, chegando a jogar na seleção brasileira. De acordo com alguns relatos, Eneida assistiu, sem ser percebida, a alguns jogos que o filho disputara.

A transgressão acompanhou Eneida desde a sua infância. Aos sete anos, inscreveu-se em secreto para o concurso de escritores infantis promovido pela revista Tico-Tico. Seus familiares só tomaram conhecimento quando o seu conto sobre o lenhador, personagem folclórico da Amazônia, recebeu o prêmio e o nome de Eneida estampou a capa da revista.  

A adolescência e início da juventude, de 1913 a 1918, Eneida passou no colégio interno Sion, no Rio de Janeiro, onde desenvolveu as suas habilidades na escrita do gênero epistolar, escrevendo cartas de amor em lugar das suas colegas e nas longas cartas que trocava com a sua mãe Júlia. Estas cartas foram o embrião das crônicas que Eneida passou a escrever a partir de 1920. 

Retornou a Belém em 1918, quando começavam a surgir em sua cidade as associações literárias, revistas e jornais, que culminaram com o ressurgimento da Academia Paraense de Letras e a fundação da Associação de Imprensa do Pará. 

Assim, durante os anos 20 e 30, Eneida desenvolveu-se como escritora colaborando em jornais como o Estado do Pará, Para Todos (RJ), e nas revistas Guajarina, A Semana (onde escreveu com o pseudônimo “Miss Felicidade”) e Belém Nova

A década de 1920 foi de efervescência social, política e cultural no Brasil. Década da fundação do Partido Comunista do Brasil, Coluna Prestes, Semana de Arte Moderna de 1922, popularização do futebol e o primeiro desfile de uma Escola de Samba. Nesta ebulição, Eneida, reunida na “Academia ao ar livre”, debatia com outros grandes nomes da cena literária e cultural: Edgar Proença, Raul Bopp e Paulo de Oliveira. Nesse período, escreveu também para a revista Antropofagia, dirigida por Oswald, na qual publicou dois poemas: Banho de Cheiro e Assahi. O seu primeiro livro, uma coletânea de poemas, Terra Verde, foi publicado em 1929.

Em 1930, recebeu o prêmio “Muiraquitan” por sua participação nos movimentos literários de seu Estado. Neste mesmo ano, passou a residir no Rio de Janeiro, filiando-se, em 1932, ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Com escrita dedicada à crônica e ao conto, por sugestão da sua amiga Eugênia Moreyra, adotou o nome literário de militante política, Eneida (sem os sobrenomes do pai ou do marido). Era declaradamente marxista: “A primeira vez que li o manifesto comunista de Marx e Engels, fui tomada de um entusiasmo tão grande que cada uma de suas palavras repercutia profundamente dentro de mim”. (Banho de Cheiro, 1962: 72). E: “…adquiri uma ideologia, tracei friamente o meu caminho e fui por ele, certa de estar certa…” (Carta Testamento – 1969). 

Intelectual orgânica, com convicção e disciplina partidária, Eneida liderou greves e manifestações contra o sistema capitalista e as opressões do governo Brasileiro. Envolveu-se diretamente nas revoluções de 1932 e 1935, o que a fez residir provisoriamente em São Paulo, pois, o partido avaliava que esta cidade seria um terreno fértil para a luta operária. Em São Paulo, Eneida atuava na agitação e propaganda, além da redação e distribuição dos panfletos e tabloides. Esta atuação rendeu-lhe 11 prisões durante o Estado Novo, torturas, clandestinidade e exílio. Foi na prisão que conheceu Olga Benário e Graciliano Ramos, que a imortalizou em Memórias do Cárcere

A sua militância política foi incansável: participou ativamente da Aliança Nacional Libertadora e da União Feminina do Brasil. Em 1936, quando o cerco se fechou no em torno das principais lideranças do movimento, Eneida foi detida no pavilhão dos primários, onde compartilhou espaço com outras vinte e quatro mulheres. Um dos seus escritos mais conhecidos deste período é Companheiras:

Éramos vinte e cinco mulheres presas políticas numa sala da Casa de Detenção, Pavilhão dos Primários, 1935, 1936, 1937, 1938. Quem já esqueceu o sombrio fascínio do Estado Novo com seus crimes, perseguições, assassinatos, desaparecimentos, torturas?

Desta prisão, Eneida foi absolvida em 1937 pelo Tribunal de Segurança Nacional, porém, voltou a ser presa seguidas vezes. Dez anos depois, em 1947, passou a colaborar com o jornal Momento Feminino, participando do primeiro congresso de escritores e da fundação da União Brasileira de Escritores. 

Em 1950, Eneida exilou-se em Paris, na França. De lá, escreveu colunas para Diário Carioca, Diário de Notícias, Senhor, Manchete e outros periódicos. Iniciou também no exílio o vínculo com o Diário de Notícias, publicando a coluna “Encontro Matinal”, o qual estendeu-se até seu falecimento em abril de 1971. 

Na segunda metade da década de 1950, Eneida aproximou-se mais do carnaval carioca. Tornou-se salgueirense e idealizou o Baile do Pierrô. Em 1965, o enredo da escola de samba Salgueiro teve como base o seu livro: História do Carnaval Carioca (1958). Com Eneida desfilando na ala dos pierrôs, o Salgueiro foi campeão. Esta escola de samba criou ainda um outro enredo em homenagem à Eneida, em 1973, “Eneida, amor e fantasia”, com o qual conquista o terceiro lugar no desfile.

Eneida faleceu, no Rio de Janeiro, no dia 27 de abril de 1971, deixando-nos um grande legado de rupturas com os códigos patriarcais, militância política e produção literária. No conjunto da sua vasta obra, é salutar que destaquemos dentre o expressivo número de crônicas militantes: Cão da madrugada (1954); Aruanda (1957) e Banho de cheiro (1962).

 

Referências:

Moraes, Eneida de. Cão da madrugada. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1954.

_______. Aruanda. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1957.

_______. Banho de cheiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.

_______. “Autocrítica”. A Província do Pará, Belém, 03/09/1967. 2º. cad., p. 2.

SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moraes: Militância e Memória. Em Tese. Belo Horizonte, v. 9, pp. 99-106, dez. 2005. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/article/view/3539 . Consultado em: 24/11/2021.

________. Nas tramas da memória: a cronista e militante Eneida de Moraes. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea. Brasília, UNB, nº 32, pp. 69-76, 2008. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9568 Consultado em: 24/11/2021

FILHO, Raul Milliet (2021). Os Caminhos de Eneida. Precursora na luta pelos direitos das mulheres no Brasil. Disponível em: https://www.deixafalarmegafone.com.br/post/os-caminhos-de-eneida . Consultado em: 25/11/2021.

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