Memória – Elza Soares

Elza Soares - Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil
Por Célula de Comunicação e Cultura Jacinta Passos – PCB Bahia

No dia 20 de janeiro, aos 91 anos, a dona da voz do segundo milênio nos deixou. O título concedido pela BBC baseado no seu talento artístico, no entanto, diz pouco sobre a gigante que foi Elza Soares. Não é preciso reconhecimento de fora para entender a dimensão de uma mulher negra brasileira ganhando os palcos a partir de 1950, com toda sua desenvoltura e coragem, que fizeram florescer seu talento. 

A maturidade e as experiências ao longo dos anos fizeram Elza tomar posicionamentos corajosos, ao abordar, por exemplo, a violência contra a mulher e a importância de abordar religiões de matriz africana nas escolas. 

A vida nunca foi fácil para a carioca nascida em Vila Vintém. Fome, perdas de filhos e maridos e violência doméstica causaram alguns dos seus sofrimentos, que também são comuns para tantas pessoas não apenas no Brasil, mas também em países do capitalismo periférico e até do centro do capitalismo. 

Mesmo com uma carreira magnífica e reconhecimento nacional e internacional, Elza jamais adotou o discurso da meritocracia. Elza sabia de onde vinha, não se deixou deslumbrar pela fama e sabia o peso de ser negra em um país racista. A expressão “a carne mais barata é a carne negra”, tão repetida a cada episódio de violência racial, vem de sua canção “A Carne”.

Voz do jingle da campanha de João Goulart à vice-presidência em 1960, Elza precisou se exilar, junto com seu então marido Garrincha, após ter a casa metralhada durante a ditadura empresarial-militar. Em tempos como os atuais, em que tantos artistas se calam diante da barbárie, ouvir “Exu no recreio/ Não é Xou da Xuxa/ Exu brasileiro/ Exu nas escolas” nos dá a sensação de que a perda de Elza é irreparável não só para a música, mas para a sociedade. 

A canção “Exú nas Escolas” é do seu álbum “Deus é Mulher”, de 2018, ou seja, Elza não parou até a sua morte: emprestou sua voz e seu prestígio para combater a intolerância religiosa em tempos de neopentecostalismo bolsonarista. Ela nunca se omitiu e ajudou a abrir caminho para outras manifestações. Embora não tenha citado a cantora como referência ou inspiração, Paulinho, jogador da Seleção Brasileira que reverenciou Exu ao fazer um gol na Olimpíada de Tóquio, colheu os frutos da reivindicação da cantora. Afinal de contas, a luta de classes não tem descanso e, enquanto existir opressão, a resposta precisa ser dada à altura para que mais e mais pessoas se rebelem e abram caminho para quem vem chegando. 

Elza sempre estará presente a cada vez que sentirmos que sua música gera uma reflexão ou colabora para uma mudança de comportamento na sociedade. A delícia que é escutar a sua voz inconfundível, rouca, potente e suingada, com doses de improvisação, faz dela uma cantora completa. Samba e jazz, romance e conscientização coletiva, alegria e melancolia, Vila Vintém e mundo: “Sou eu, a mulher sou eu”. É, e para sempre será, Elza!

 

Referências:

Elza Soares: de infância difícil a sucesso absoluto nos palcos. Campinas Café, 2022. Disponível em: <https://campinascafe.com.br/elza-soares-de-infancia-dificil-a-sucesso-absoluto-nos-palcos/>. Acesso em: 26 de janeiro de 2022.

Elza Soares teve casa metralhada durante a Ditadura Militar. Aventuras na História, 2022. Disponível em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/elza-soares-teve-casa-metralhada-durante-ditadura-militar.phtml>. Acesso em: 26 de janeiro de 2022.

FUKS, Rebeca. Biografia de Elza Soares. E Biografia, 2022. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/elza_soares/#:~:text=Elza%20Soares%20da%20Concei%C3%A7%C3%A3o%20(1930,nomes%20da%20m%C3%BAsica%20popular%20brasileira>. Acesso em: 26 de janeiro de 2022.

GABRIEL, Leone. ‘Exu nas escolas’: Ciep mostra como cumprir lei do ensino afro-brasileiro. Projeto Colabora, 2018. Disponível em <https://projetocolabora.com.br/ods4/exu-nas-escolas-ciep-mostra-como-cumprir-lei-do-ensino-de-cultura-afro-brasileira/>. Acesso em: 26 de janeiro de 2022.

IBARRA, Pedro; SOUZA, Talita. Gigante, Elza Soares enfrentou o racismo, a ditadura e o machismo. Correio Braziliense, 2022. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/01/4979095-gigante-elza-soares-enfrentou-o-racismo-a-ditadura-e-o-machismo.html>. Acesso em: 26 de janeiro de 2022.

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