Espaço Cultural – Do Harlem às periferias soteropolitanas

Por Cheyenne Ayalla e Marcela Carvalho

 

A proposta de cine-debate enquanto um espaço pedagógico e estratégico de interação entre comunistas sob a perspectiva Marxista-leninista apresentou-se como um espaço crítico e de reflexão acerca da política que se encontra nos diversos locais que nos cercam. Se a história da humanidade é a história da luta de classes, torna-se pertinente a realização de um espaço de debate como este, onde é possível fazer uma análise da obra cinematográfica em questão para compreender a dinamicidade da história e da sociedade como uma grande escola de conhecimentos, contradições e conflitos.

Num primeiro momento, o documentário musicado “Summer Of Soul”, reflete um bálsamo de memórias e sentimentos ao espectador da obra. Imerso sobre a construção musical do Festival de Cultura realizado no bairro do Harlem, em 1968, na cidade de Nova York (EUA), é possível apreender como o evento, para além das cenas de alegria, refletem a realidade urbana das áreas periféricas demarcada pela desumanização, a marginalização e a segregação sócio-espacial do lugar. Para além de um evento realizado num parque urbano dentro de um contexto histórico e territorial de forte tensionamento e enfrentamento ao braço armado do estado americano, a construção do documentário nos aponta para a urgência do debate crítico acerca dos modos de produção capitalista do espaço da cidade, campo de disputa social diretamente marcado pela força repressora da ação policial, mas também pela precarização da moradia, do acesso à saúde e ao saneamento, à educação bem como aos espaços de brincar e convivência coletiva.

Tendo em vista a materialidade que constitui o lugar e a vida da população periférica evidenciados no bairro do Harlem, cabe ressaltar que um documentário como “Summer of Soul” pode nos dizer muito mais do que um modo de operar a reivindicação dos espaços coletivos da cidade através da cultura, esta que é campo de disputa ideológica importante aos comunistas, como já fora apontado em texto anterior. Ao realizarmos um salto geográfico para os centros urbanos que constituem boa parte das cidades latino americanas, imersas, portanto, num capitalismo periférico, veremos que em ambas as construções – seja a cidade de um país colonizado ou não – o espaço urbano, principalmente aqueles que constituem o território periférico da cidade expressam a máxima segregadora e histórica mantida não só pelo poder econômico, mas social que implica em todas as problemáticas já mencionadas que o capitalismo impõem. Mesmo que o Brasil e os EUA apresentem uma série de diferenças quanto a construção da luta anti-imperialista e antirracista, o sentido de minorar os povos explorados continua sob o mesmo escopo, uma vez que a base da dinâmica do sistema capitalista encontra-se na escravidão trabalhista precarizada e mal remunerada. A ausência de condições materiais que atravessam a urgência das condições mínimas de bem-estar humano é chave de reflexão exposta sobre o bairro do Harlem, mas que também nos provoca sobre as periferias soteropolitanas, considerando o efeito colateral da imensa concentração de riqueza e superexploração do trabalho que esses dois países estão imersos.

Podemos ainda mencionar, que o Festival Cultural do Harlem se mostra como um grito de fúrias através das músicas, declamações de fé e histórias diversas que se entrelaçam com o momento histórico da década de 1968 o qual estava imerso em guerras imperialistas. Nesse cenário, concomitantemente, a luta pelos direitos civis dentro do país dos Ianques o documentário também rememora o banho de sangue pelo qual foram ceifadas as vidas de diversas lideranças da comunidade negra como o pacifista Martin Luther King e do revolucionário Malcolm-X.  É preciso ainda destacar que a construção do Festival Cultural do Harlem contou com a segurança dos militantes também revolucionários que compunha o grupo antirracista de autodefesa Os Panteras Negras. Em uma perspectiva cultural, o documentário musicado traz expressões estéticas, mas que, simbolicamente, é um meio de resistência, sejam elas pelo cabelo, roupas, ritmos, dança e algo mais intrínsecos que a própria existência – sem ao menos pensar – a identificação como uma unidade. Ademais, as músicas presentes, como o próprio Blues, se torna o ritmo da dor que está presente diariamente na vida dessa população cantando essas dores como protesto, onde nas letras, sejam elas de cunho religioso ou não, é modo de questionamento e emanar suas dores por meio desse ritmo.

Não podemos deixar de levantar que há uma ausência de discurso político formativo mais contundente ao longo do filme. Em diversos momentos do documentário, a construção do Festival é retratado num viés conciliatório entre artistas, população residente do Harlem e figuras públicas do campo político que estavam associadas diretamente à promoção de políticas de planejamento urbano que atacavam diretamente o bairro do Harlem, seja através através da negligência estatal como através do alto adensamento populacional do bairro ocasionado pela expulsão da população marginalizada do centro de Nova York. Por outro lado, o documentário evidencia os Panteras Negras e a icônica imortal Nina Simone como fundamentais à construção do discurso radicalizado que considera a luta armada, a educação revolucionária e a organização da classe trabalhadora naquele mesmo período.

Por fim, apesar de extremamente sufocante a conjuntura que se apresenta, a construção do horizonte comunista nos revela um lugar mais a par das necessidades do povo. A partir dessa breve análise construída através de alguns aspectos históricos e sociais demonstrados pelo documentário é imprescindível conclamar a tod_s para a efetivação da perspectiva comunista no mundo de modo que seja possível findar o sistema opressor capitalista. Como nos aponta Karl Marx, “não temos nada a perder a não ser nossos grilhões”.

Venceremos, camaradas!

Sair da versão mobile