Pastora Odja Barros – Pastora da Igreja Batista do Pinheiro (Maceió / AL), doutora em Teologia (Escola Superior de Teologia – EST)
Por Milton Pinheiro
O Momento – Recentemente, a senhora foi atacada de forma violenta nas redes sociais por ter realizado um casamento homoafetivo, o que isso representa?
Odja Barros – Isso representa para além de um ataque individual a minha liberdade religiosa e de crença, um ataque e ameaça aos valores de um Estado Democrático de Direito e de um Estado Laico. As pessoas não precisam concordar com as convicções de fé que me levaram a realizar a cerimônia do casamento civil-religioso de duas pessoas do mesmo sexo, mas, precisam respeitar esse direito conquistado pelas pessoas LGBTQI+ desde a decisão do Supremo em 2010.
A liberdade religiosa é uma garantia importante que fica ameaçada quando sofremos ameaças de morte por exercer nossa atividade religiosa devidamente autorizada pela igreja e grupo religioso que represento como pastora.
Tudo isso, representa o crescimento de um conservadorismo religioso reacionário alinhado e instrumentalizado pelo atual projeto de poder político que faz uso de um discurso religioso conservador como estratégia política.
O Momento – Como pastora evangélica, na sua avaliação, como deve ser a relação dos cristãos com os oprimidos do mundo atual?
Odja Barros – Na minha avaliação e na minha prática religiosa, busco seguir aquilo que deveria, a meu ver, ser a relação de todos que se dizem cristãos com os grupos oprimidos do mundo atual. Inspirados em Jesus Cristo, suas palavras e seu exemplo, devemos assumir o lugar dos oprimidos. Foi isso que Jesus e seu movimento fizeram. Jesus, por exemplo, assumiu defesa das mulheres, crianças, prostitutas, leprosos, ou seja, pessoas proscritas do mundo da época. O próprio Jesus que é a revelação maior de Deus, se fez humano, e como humano, nasceu como um pobre galileu. Nasceu não em Templos ou Palácios, mas na periferia da Palestina, em lugar de guardar animais. Não esteve durante toda sua vida ao lado das elites de seu tempo. Nem elite religiosa e nem elite política. Caminhou entre os pobres, “os condenados da terra”. Essa foi sua escolha. Foi condenado a morte de cruz justamente por assumir o lugar dos oprimidos da sua época. Morreu como um bandido social. A morte de cruz era destinada aos bandidos sociais da época. Podemos dizer na linguagem atual que Jesus foi um ativista social e defensor dos direitos humanos. Se assim não fosse não teria morrido em uma cruz.
Esse é o lugar então, que deveria indicar aos seguidores da fé cristã, de que lado deveríamos estar a partir de nossa fé em Jesus Cristo de Nazaré. Mas, a maioria dos religiosos cristãos hoje fazem o caminho inverso ao de Jesus, estão do lado do poder, comendo da mesa do poder e contra os oprimidos. Isso é completamente incongruente com o Evangelho e a prática de Jesus.
O Momento – Vivemos numa conjuntura política muito tensa, com ataques sem trégua às liberdades democráticas, como você avalia esse momento histórico?
Odja Barros – Como falei, vejo nesses ataques às liberdades democráticas, o avanço de um projeto político-religioso conservador. Não somente no Brasil, mas em toda América latina acontece uma tentativa de uma Aliança político-religiosa de extrema direita e seu esforço para reverter os direitos e conquistas de grupos como as mulheres, pessoas LGBTQI+, indígenas.
Mas, gosto de pensar também, pelo lado positivo, que essa reação conservadora, mostra o quando caminhamos e avançamos como grupos historicamente silenciados e invisibilizados e como é potente e ameaçador para as estruturas de poder a liberdade dos corpos das mulheres, das pessoas LGBTQI+. Precisamos celebrar! O mundo não é mais o mesmo. E o mundo que os conservadores querem trazer de volta nunca mais voltará, porque não tem como calar mais nosso grito por um mundo mais justo e igualitário. Que seja um mundo que caibam todos e todas! Um mundo para todos “os mundos”!
O Momento – Temos acompanhado uma conduta obscurantista em relação à tolerância religiosa, como modificar essa situação?
Odja Barros – Acredito no caminho apontado por Jesus Cristo: “Todos conhecerão que são meus discípulos e discipulas quando vocês se amarem”. O caminho do amor, nos reconhecemos todos e todas, independente da fé ou não-fé, como irmãos e irmãs. Acredito, como dizia o arcebispo Desmond Tutu: “Deus não é Cristão’. Deus não é propriedade de nenhuma religião. Deus, segundo as Escrituras Bíblicas, é amor. Quem ama conhece a Deus diz a Bíblia. Então, é por esse caminho que devemos seguir para enfrentar essa cultura de intolerância religiosa. E para isso, talvez, seja necessário, disputar o próprio cristianismo. Essa história única de um cristianismo colonizador que foi trazido pelos primeiros missionários, deixou essa herança de uma fé cristã intolerante, que se afirmou na negação, destruição e na eliminação da diversidade religiosa que existia e sempre existiu. A fé cristã precisa deixar de ser um projeto de conquista, para ser um projeto de amor. É preciso mostrar que a fé cristã nunca foi sobre um Deus acima de Todos, mas de um Deus-Conosco, no meio de todos, entre todos, entre as diversas maneiras de amor e viver a fé.
O Momento – Você integra a Aliança de Batistas do Brasil, como é entendido dentro dessa entidade religiosa a questão das opressões?
Odja Barros – A Aliança de Batistas do Brasil é um “oásis” no meio desse mundo religioso conservador e intolerante. Participei junto com a Igreja Batista do Pinheiro, da Formação da Aliança. Um grupo que, a partir da identidade Batista, resgata os princípios históricos dessa tradição que foram capturados pela linha batista conservadora que se instalou no Brasil. A Aliança resgata os princípios das liberdades individuais, liberdade religiosa, e o compromisso com um Evangelho de amor e igualdade. A Aliança, desde sua origem, afirma a igualdade das mulheres e de pessoas LGBTQI+ na sociedade e na igreja como um valor cristão. A Aliança tem assumido um lugar de defesa dos direitos dos grupos oprimidos no espaço públicos evocando nossa fé cristã e batista.
O Momento – Quais são as pautas que devem orientar as ações dos cristãos no Brasil?
Odja Barros – São muitas as pautas que devem orientar as ações das igrejas cristãs no Brasil: A fome, a desigualdade, o racismo ambiental e estrutural, a violência contra crianças, mulheres, juventude negra, comunidade, corpos trans e LGBTQI+. Justiça econômica, ambiental e de gênero. Educação pública e de qualidade. Tudo que resulte em vida e vida em abundância para os mais pobres e excluídos. Afinal, Jesus, disse: Eu vim para que tenham vida e vida em abundância.
O que não deve ser pauta para cristãos é essa “falsa pauta moral” que tem sido agenda manipulada há muito pelos interesses de governos conservadores. A pauta moral é usada como “cortina de fumaça” para iludir cristãos e cristãs. o discurso sobre a familia tradicional, ou a pauta anti-gênero tem sido explorada pela bancada católica e evangélica para fortalecer um projeto político conservador e autoritário. Haja vista o tripé utilizado na campanha do atual governo: Deus -Pátria-Familia.
Em resumo, não deveria haver uma pauta cristã, e muito menos, uma pauta evangélica. As igrejas e líderes cristãos devem estar defendendo e construindo uma pauta a favor da população em geral. Pautas que resguardem e garantam o direito dos grupos mais empobrecidos e excluídos. Isso é um princípio que está em toda Bíblia: “abra a boca a favor dos que não podem se defender”. Lutar pelos direitos dos mais empobrecidos. No contexto bíblico, estes estavam representados em 3 grupos específicos: pobres, viúvas e estrangeiros. Os grupos mais desprotegidos socialmente.
O Momento – Qual a mensagem que você gostaria de deixar nesse momento tão grave da vida nacional?
Odja Barros – A mensagem que deixo é: A fé cristã é uma força amorosa e revolucionária. Não podemos deixar que o legado da fé cristã seja instrumento nas mãos de políticos e religiosos inescrupulosos que abusam da fé do povo para produzir intolerância, violências, opressão.
Inspirada em Jesus, minha fé e minha luta me levam a assumir o caminho do amor e da luta por um mundo justo. Penso que esse momento grave do nosso país, convoca a todas as pessoas, grupos cristãos identificados com Jesus de Nazaré, a superarem pequenas diferenças, e se reunir e unir, nessa disputa do que se chama cristianismo no Brasil. Precisamos mostrar outra face desse cristianismo, a face do cristianismo que gera vida e não morte, que produz amor e não intolerância, que produz acolhimento e inclusão e não exclusão, que não é um projeto de poder , mas um projeto de serviço “aos menores desse mundo”.
vcs ordenariam uma pastor Homossexual