Por Alexandre Mask
O ano é 2022. O debate ambiental, impulsionado pela crise climática e seus efeitos objetivamente percebidos, supera o negacionismo e torna-se um dos principais temas de debate no mundo, dada a possibilidade de esgotamento das condições de vida no planeta. Movimentos políticos globais, que se iniciaram no final do século passado e seguem cada vez mais aquecidos, resultaram no conceito de Desenvolvimento Sustentável. Em resumo, o conceito consiste em práticas que construam um desenvolvimento global ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. Trata-se do equilíbrio entre a Economia, a Sociedade e o Meio Ambiente.
As Certificações Ambientais são instrumentos que surgiram para auxiliar as instituições públicas e privadas no cumprimento das metas do Desenvolvimento Sustentável. Conceitos como Qualidade, Indicadores e Índices formam a base para obter êxito no pleito de uma certificação, que reúne diversos requisitos para garantir o cumprimento das metas e objetivos que a constitua. Esses processos e práticas se expressam sob a forma de selos, adquiridos após longos períodos de avaliação e acompanhamento, que visam informar e proteger o consumidor final, além de manter as práticas comerciais aderentes ao tripé da sustentabilidade.
Entre as diversas vantagens das certificações ambientais, estão o aumento da competitividade das empresas, a certificação como estratégia empresarial, a ação preventiva contra danos através de auditorias, e a efetivação do princípio da informação e diminuição das vulnerabilidades informacionais dos consumidores. Como desvantagem aparece a quantidade ilimitada de selos, dada a grande variedade de certificações, que resulta na elevação dos custos para adaptação da produção, resultando em uma “desvantagem comparativa” (SQUEFF, 2022). Essas desvantagens realmente se esgotam nos custos e na miríade de selos disponíveis no mercado?
O cenário atual de crise climática, devastação ambiental e esgotamento das relações de trabalho, que conduziu as lideranças globais ao debate acerca da necessidade inexorável de um Desenvolvimento Sustentável, é resultado do modelo de relações de produção capitalista. O capitalismo tem como objetivo principal o lucro, através da reprodução e da acumulação ilimitada do capital, forjada na exploração desenfreada dos recursos humanos e ambientais, para alcançar suas metas.
O ecossistema de certificações ambientais é composto por organizações não governamentais e por empresas de auditoria e avaliação privadas. No modo de produção com as características citadas, esse ecossistema depende de processos de avaliação e implementação de modelos de gestão normatizados para manter sua saúde financeira, e ser minimamente viável economicamente. Diante desse cenário, surge uma fragilidade significativa que pode trazer insegurança e falta de transparência nos processos de certificação.
Analisemos um caso específico, que envolveu o Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal), responsável pelo selo FSC, que garante o manejo correto de matéria-prima florestal, e sua cadeia produtiva é acompanhada por uma certificadora. Atualmente todo o produto brasileiro que chega à Europa é portador do selo FSC. Entretanto, o mercado interno corresponde a 65% de todo o consumo de madeira da Amazônia. No ano de 2007 foi iniciado o processo de certificação FSC da empresa baiana Veracel Celulose S/A. A instituição certificadora foi a SGS, líder no mercado de certificações, que concedeu o selo em 2008 para a Veracel. Entre as práticas em não conformidade com o FSC, a Veracel coleciona diversas em seus monocultivos, como utilização de agrotóxico a base de glifosato (RoundUp), multas por desmatamento ilegal e descumprimento de metas de regeneração florestal, centenas de violações trabalhistas e invasão de terras indígenas para cultivo de eucalipto. Essas práticas davam forma às vistas grossas da SGS. Todos esses fatos sucederam-se após a FSC ter revisado suas práticas de certificação de monoculturas, duramente criticadas por diversas ONGs e movimentos ambientalistas, a partir de 2004. O que deveria ser um processo que demonstraria a mudança nas práticas da FSC, tornou-se um movimento que ignorou todos os protestos e manifestações contrárias e ratificou o caráter meramente financeiro dos processos de certificação da líder no setor. O resultado foram toneladas de celulose forjadas em práticas antagônicas a todos os princípios do Desenvolvimento Sustentável.
Movimentos de entidades ambientais e publicações em grandes revistas do setor ambiental causaram grandes impactos posteriormente nas relações entre a Veracel¹ e o FSC. Entretanto, revela-se claramente a fragilidade no processo de certificação onde empresas privadas são atores relevantes, e deslocam o objetivo de uma certificação ambiental para longe da preservação do Meio Ambiente, dando lugar ao mesmo lucro que trouxe a sociedade ao ponto crítico de crises ambientais que deram origem a este artigo, e que dialogam de forma crescente com a destruição do planeta, em direção à sexta extinção em massa da biodiversidade (COWIE et al, 2022).
O marketing ambiental, especialmente através do “greenwashing”², é comum e crescente no mercado, e é fator preponderante na fragilidade supracitada das certificações ambientais. O “greenwashing” se expressa nos custos ambientais camuflados de produtos ou serviços, falta de evidências da conformidade com a sustentabilidade, declarações vazias e amplas como “100% reciclável”, “100% natural”, “amigo da floresta”, dentre diversas frases de efeito que não se sustentam na realidade de quem vende essas ideias. Em meio a diversas outras características que não cabem citar neste artigo, forma-se o Capitalismo Verde, onde o lucro escora-se na exploração do Meio Ambiente, e revela os limites do sistema capitalista, trazendo à luz questões se estes são intransponíveis ou remediáveis.
Para superar as questões aqui levantadas, faz-se necessária uma maior participação do Estado, para além de políticas públicas de incentivo, atuando de forma mais direta nos processos de certificação ambiental, e através de maiores investimentos em Educação Ambiental. Conscientização e desalienação da sociedade são condições sine qua non para o ser humano novamente enxergar-se como parte integrante do Meio Ambiente e definitvamente afastar-se do caminho da autodestruição em nome do lucro de alguns.
“O meio ambiente está comprometido há muito tempo. Nossa espécie será capaz de superar essa barreira?” – Fidel Castro
¹ A Veracel é uma multinacional que detém 100 mil hectares de mono- cultura de eucalipto para produção e exportação de celulose, em um território pelo menos duas vezes maior.
² Em português conhecido como “Maquiagem Verde”, consiste no ato de enganar os consumidores sobre práticas ambientais de uma orga- nização ou benefícios ambientais de um determinado produto/serviço.
REFERÊNCIAS
AYRES, W. D.; Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Paraná, 2019. Apresentação de slides. Disponível em: https://studeo.unicesumar.edu.br/#!/app/studeo/aluno/ambiente/disciplina/2019_EGRAD_GPUB2G-52_EGRAD_NGER100_004/2019_EGRAD_GPUB2G-52_EGRAD_NGER100_004. Acesso em: 20 nov. 2022.
CASTRO, Fidel; La injustificable destrucción del medio ambiente. Disponível em: http://www.fidelcastro.cu/es/articulos/la-injustificable-destruccion-del-medio-ambiente. Acesso em: 20 nov. 2022.
COWIE, R.H., BOUCHET, P.; FONTAINE, B.; The Sixth Mass Extinction: fact, fiction or speculation?. Biol Rev, 97: 640-663 (2022). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/brv.12816. Acesso em: 20 nov. 2022.
SQUEFF, Tatiana de A. F. R. Cardoso; Certificações Ambientais: Alcances e limites da certificação ambiental. Rio Grande do Sul: 2022.Disponível em: https://fmp.instructure.com/courses/729/files/84107/download?download_frd=1. Acesso em: 20 nov. 2022.
MOVIMENTO MUNDIAL PELAS FLORESTAS VERDES. FSC e Veracel Celulose: Certificação não confiável e não independente. Boletím WRM 163. Disponível em: https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/fsc-e-veracel-celulose-certificacao-nao-confiavel-e-nao-independente. Acesso em: 20 nov. 2022.