Walter Firmo: no verbo do silêncio, a síntese do grito

Por Rômulo Caires

Desde dezembro do ano passado, Salvador está sendo brindada com uma vasta exposição de obras selecionadas de Walter Firmo. O trabalho do fotógrafo carioca chega ao MAM depois de circular em algumas capitais do Brasil a partir da curadoria e apoio do Instituto Moreira Salles. Quem mora em Salvador não pode deixar de aproveitar o último mês da mostra que reúne diversos momentos da trajetória de um dos maiores artistas brasileiros vivos.

Walter Firmo iniciou-se muito cedo como fotógrafo. Ganhou uma câmera de seu pai, homem negro e nascido de família ribeirinha no Amazonas, região que Firmo retornará posteriormente em expedições por pequenas cidades e povoados no percurso dos rios Amazonas e Solimões. Em 1955 teve seu primeiro vínculo formal ao integrar a equipe do jornal Última Hora e nos anos seguintes irá compor importantes veículos nacionais e internacionais.

Os anos de 1960, marco na cultura popular brasileira, também será uma década fundamental na carreira de Firmo. Em uma espécie de gesto euclidiano, o fotógrafo carioca mergulhará em regiões ainda “esquecidas” pelas autoridades públicas brasileiras. Marcado pela ideia de “fotojornalismo”, Firmo dedicará seus enquadramentos para capturar as paisagens exuberantes, a vida popular local e as violentas disputas políticas no Norte.

É interessante notar como Walter Firmo se dedica a compor suas imagens em preto e branco. Apesar de posteriormente ser muito conhecido pelo trabalho exaustivo e pela vivacidade de suas cores, no preto e branco Firmo parece localizar a possibilidade de expressar dimensões profundas do olhar. Algumas de suas fotos lembram a composição dos surrealistas, como também remontam às imagens do cinema de Bergman. Firmo certamente concordaria com o mestre sueco sobre a força onírica da composição em preto e branco e como tais sonhos podem desvelar os interstícios da própria vida. É também por essas via que ele fixará momentos fundamentais da vida artística brasileira, como em sua famosa fotografia de Clementina de Jesus:

Ainda nos anos 60, Firmo trabalhou na revista Manchete e foi enviado como correspondente para Nova York, onde entrou em contato com toda a efervescência das lutas antirracistas nos EUA. A partir de então o tema da negritude se tornará um eixo fundamental de seu pensamento. Pois Walter Firmo defendia a autonomia estética da fotografia, desenvolvia a capacidade dessa tipo específico de arte de produzir formas próprias, capazes de comunicar pensamentos complexos e transmitir formulações críticas. Poderíamos assim caracterizar Firmo não só como um artista mas como um intelectual que pensava a partir da fotografia.

As décadas seguintes foram riquíssimas na vida do fotógrafo carioca. Ele se aproximou cada vez mais do teatro e do cinema, passando a compor suas imagens enquanto verdadeiras encenações. Valorizava a construção cênica e assim extraía elementos dramáticos de suas fotografias. Se já era exímio no trato com o preto e branco, Firmo se destacou pela maestria no trabalho com as cores. Percorreu inúmeras festas populares e eternizou com seu olhar a riqueza da cultura popular brasileira:

São marcantes suas passagens por Salvador, em que pôde capturar de forma muito sensível a vida cotidiana da cidade, principalmente as formas de lazer e uso da cidade pelas pessoas negras:

Além de grande intérprete da vida cotidiana das classes populares, Firmo se destacou pelas diversas fotografias que fez de importantes figuras públicas brasileiras, como de artistas representativos de nossa música. São marcantes os retratos que ilustraram capas de disco de Dona Ivone Lara, Cartola, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Chico Buarque. Não poderíamos esquecer das famosas fotografias de Pixinguinha, realizadas em companhia do jornalista Muniz Sodré.

Por esses e tantos outros motivos a exposição Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito é imperdível para todos e todas aquelas que desejarem conhecer uma amostra representativa da obra do fotógrafo carioca, além daqueles que se interessam pela riqueza da cultura popular brasileira. Walter Firmo já entrou para a história como um de nossos mais talentosos artistas e ainda nos brinda com a sua jovialidade e presença marcante na cena cultural brasileira e mundial. Seu trabalho continuará vivo não só nas fotografias que nos deixa, mas também no seu labor contínuo de professor de fotografia e cinema e pedagogo do ofício artístico.

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