Por Antony Araújo, militante da UJC FSA e Victor Almeida, militante da UJC SAJ
O presidente Lula, junto ao ministro da educação, Camilo Santana, anunciou, no último dia 06/04, a suspensão da implementação do novo ensino médio. Porém é necessário explicitar que SUSPENSÃO NÃO É REVOGAÇÃO, visto que isto tem gerado confusão entre trabalhadores e estudantes em todo o país.
Essa afirmação é um imperativo, especialmente quando nos encontramos sob a “égide” de um governo cuja base social tem lastro nos trabalhadores, e, supostamente, deveria se comprometer a atender as necessidades destes, no entanto, tais necessidades se chocam com os interesses dos mais ricos e donos dos grandes conglomerados educacionais, que são postos em alta conta pelo governo, o que evidencia mais uma vez como o Estado é o grande balcão de negócios da burguesia.
Segundo as falas do presidente Lula, sua equipe apenas realizou a suspensão por esta já constar do plano da equipe de transição e que se busca meios para que se “deixe todas as pessoas satisfeitas”, no entanto, não é viável a conciliação entre os interesses dos estudantes, professores e as grandes corporações privadas da educação, já que se tratam de interesses, por essência, antagônicos.
Essa impossibilidade se mostra na prática, para além da própria implementação do ensino médio, na fala do presidente, que afirmou: “Nós não vamos revogar, nós suspendemos e vamos discutir com todas as entidades interessadas em discutir como aperfeiçoar o ensino médio neste país”.
Esta postura demonstra que há um compromisso pela não revogação, colocando o Novo Ensino (NEM) como uma possibilidade a ser concretizada pelo governo, e que há apenas alguns retoques a serem feitos, uma maquiagem. A suspensão mascara a problemática e necessidade real de uma ampla mobilização por todos os setores sociais da classe trabalhadora e reforça o mito de que há a possibilidade de aproveitar algo neste projeto, que foi aprovado e posto a cabo por um parlamento e governo golpistas, a partir do golpe de 2016.
É preciso reafirmar que não há o que ser salvo, o que se aproveitar do novo ensino médio, não há o que debater de “aperfeiçoamento” com o que está posto em sua essência: um modelo de ensino burguês, que aprofunda a lógica de alienação do capital e de sua reprodução na realidade, perpetuando a exploração e aprofundando-a, através da permissibilidade de formação para classe trabalhadora apenas de uma educação de segunda ou terceira categoria, tecnicista e que “forma de forma barata, mão de obra barata” (Rita Von Hunty).
Os setores do campo democrático-popular, bem como as maiores entidades estudantis como UNE e UBES, aliados ao governo, apesar de se posicionarem favoráveis à revogação, na prática não despendem suas energias e recursos nesta luta, especialmente com medo de afetar negativamente o governo Lula, e repetir o que foi Junho de 2013, não vendo o processo de mobilização, mesmo em um governo de esquerda, como um fator que favoreça as disputas em favor da classe trabalhadora dentro do governo e do parlamento.
A essência burguesa, capitalista e neoliberal do novo ensino médio priva os filhos e filhas da classe trabalhadora de terem acesso, em um momento fundamental de sua formação, ao máximo possível de conhecimento produzido pela humanidade e que vai ser base da nossa instrução durante toda a nossa vida, tanto no ensino superior, nos mais diversos cursos, bem como para outras dimensões da nossa existência e da nossa presença nesta sociedade capitalista. E, para além de sermos privados do acesso a aprendizagens fundamentais, somos privados de um ensino público e gratuito com qualidade.
O NEM apresenta uma série de problemas em sua constituição e que fora apontado desde a sua apresentação e aprovação, que ocorreu sem qualquer debate com o movimento estudantil, sindicatos de educação, professores e alunos, contando apenas com a representação de ONGs financiadas pelos grandes conglomerados educacionais e outros setores da burguesia nacional.
Essa forma de construir um novo modelo educacional para o ensino médio permitiu que o mesmo pudesse ser ainda mais esvaziado de conteúdo, ao realizar a redução de campos importantes do conhecimento no currículo base, como das áreas de ciências humanas e filosofia.
A inserção dos chamados “itinerários formativos”, removem o caráter universal que o ensino público deveria ter, pois não permite aos estudantes a possibilidade de alteração após a escolha, além de não ser uma garantia que todos os estados, municípios ou mesmo escolas dentro de um mesmo município conseguirão oferecer sempre os mesmos itinerários formativos, limitando assim, de várias formas, o acesso ao conhecimento de forma ampla.
Para além disso, os itinerários formativos materializam, na prática, o esvaziamento ainda maior da escola enquanto local de apreensão de conhecimento, visto que, substituindo disciplinas essenciais, coloca em seu lugar tópicos que não deveriam estar na formação escolar, ainda mais em detrimento de conhecimentos basilares das ciências, a exemplo do “Projeto de Vida” (que mais uma vez encarrega a escola de questões que estão além de sua alçada ou mesmo da alçada do próprio professor em sala de aula, sendo problemas e deveres do Estado brasileiro) que institui uma série de disciplinas como “O que rola por aí”, “RPG”, “Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA” e “Arte de morar”.
“A classe dominante possui uma educação completa enquanto, para as e os trabalhadores, resta aprender a ler e escrever. A ampla oferta de Itinerários e disciplinas eletivas, de um farto quadro de profissionais e boa infraestrutura estará disponível apenas aos secundaristas cuja renda permitir. Para os mais empobrecidos, fica a obrigação de conciliar trabalho e estudo, a evasão como necessidade à sobrevivência, e o horizonte de expectativas reduzido à formação técnica e profissional. Aos ricos, a garantia da educação integral do sujeito humano; aos pobres, a sobrecarga da formação em tempo integral, mas unilateral.” (Nota Política da UJC – Pela Revogação da Contrarreforma do Ensino Médio [4])
Todas essas questões específicas da Lei nº 13.415/2017 (Lei do NEM, que sanciona a nova BNCC – Base Nacional Comum Curricular), além de reforçarem um ensino tecnicista (já que aprende-se o estritamente necessário para atuar em funções que demandam mão de obra barata e conhecimentos mínimos, como os postos no NEM) e aprofundar com isso a alienação e reprodução de ideologia liberal, precariza enormemente o trabalho docente, realiza o desmonte das licenciaturas, bem como, promove uma enorme sobrecarga de trabalho especialmente devido aos itinerários formativos.
Todos esses problemas são atravessados pelo histórico projeto de desmonte e crise da educação brasileira, que a sucateia, além em seu conteúdo, mas na sua forma física, na falta de investimentos concretos nas escolas, de permanência adequada aos estudantes, na falta de valorização da carreira docente, de uma maior liberdade de organização estudantil e tantas outras coisas.
Na Bahia isso se apresenta de forma extremamente clara, seguimos tendo um grande quantitativo de alunos por sala de aula, a ainda insuficiente quantidade de professores e poucos concursos, aliado à péssima valorização da carreira docente, a falta de infraestrutura, onde não há o básico, de piloto para as aulas, carteiras, até mesmo a gritante falta de alimentação e alimentação de qualidade, ambas essenciais, dado o cenário de insegurança alimentar que vivenciamos no país mas também ao desenvolvimento saudável (que impacta diretamente no aprendizado) da juventude baiana que depende dessa alimentação. Não bastando todas essas problemáticas, o governo da Bahia ainda investe em mais escolas militares, e investe mais em escolas militares, que contrastam em muito, especialmente em qualidade, com as escolas públicas estaduais não-militares, dado o valor de investimento posto nestas e aponta a militarização do ensino como uma saída possível em um estado tristemente marcado pela violência, sobretudo nas periferias.
O governo do estado da Bahia, e sua política militarizada, não perdoa nem a educação, e além de ser um dos estados que mais mata e encarcera a juventude preta, pobre e periférica, segue fomentando um projeto fadado ao fracasso, tanto no plano da segurança pública, quanto no campo da educação, especialmente visto que neste último não são as escolas militares que figuram entre os índices de melhores escolas, e contrastam com as escolas estaduais não-militares dado o não-investimento e precarização contínua destas, o mesmo não se observa com o ensino básico federal, por exemplo.
Não bastando o caos e o cenário extremamente precarizado da educação baiana, a secretária de educação, defende abertamente o projeto de “professor voluntário”, um mecanismo que afeta diretamente a qualidade do ensino, que só é possível graças ao novo ensino médio, que permite a atuação dos profissionais com “notório saber”, ou seja, sem necessariamente ter alguma preparação para lecionar.
Além de precarizar o ensino, a proposta aliada do novo ensino médio piora as condições de trabalho dos professores, visto que mostra um total descaso com a realização de concursos públicos, a valorização docente com melhores planos de cargos e salários, pagamento dos precatórios, GEAP, e outras melhorias trabalhistas.
Infelizmente constatamos que na Bahia as diretrizes educacionais também seguem a cartilha e a lógica neoliberal, é ainda os grandes grupos educacionais (seja no ensino superior, ou mesmo no ensino básico – por vezes é o mesmo grupo que atua em ambas) que vêem na educação uma mercadoria e não um direito conquistado a duras penas por nossa classe. É ainda a cartilha neoliberal que limita os investimentos do estado na educação, desde a infraestrutura, em melhores condições de permanência aos jovens, ou mesmo no reajuste e pagamento de salários dignos aos professores, que são os trabalhadores na linha de frente da educação – e que, por muitas vezes são abarrotados de funções e obrigações além do seu real trabalho, cumprindo um papel que o Estado se exime de cumprir.
O aprofundamento do desmonte no investimento público, e principalmente, na educação pública, se dá desde o golpe de 2016, o qual colocou Temer no poder e que marcou as ofensivas neoliberais, entre elas o novo ensino médio e o teto de gastos (EC Nº95). E no governo Bolsonaro essas ofensivas tornaram-se ainda mais intensas, sucateando o sistema público de educação em prol dos grupos privados da educação em benefício aos oligopólios de educação privada, e que levou adiante o projeto criado no governo Temer entrando em vigor no ano passado.
Apesar da vitória obtida nas últimas eleições contra o protótipo fascista do bolsonarismo, é necessário que façamos crítica a conciliação proposta pela esquerda reformista, pois é fundamental exigirmos a revogação imediata do NEM, já que enquanto está sancionado o novo ensino médio, a classe trabalhadora sofre com o desmonte e precarização do ensino público, deixando evidente o sucateamento de planejamento, investimento, infraestrutura, com o objetivo de formar mão de obra acrítica e barata bem como a precarização da docência.
Obviamente que o antigo ensino médio também não atendia as necessidades da nossa classe, e estava totalmente aquém do que de fato é uma necessidade urgente ao Brasil: uma educação emancipatória, que atenda as necessidades e anseios da nossa classe enquanto projeto educacional, uma educação popular! Por essa razão seguimos apontando a necessidade de uma outra educação, no Brasil e na Bahia.
Por uma educação popular na Bahia e no Brasil ou estaremos fadados a precária educação do capital.
PELA REVOGAÇÃO IMEDIATA DA CONTRARREFORMA DO ENSINO MÉDIO!
ORGANIZAR A LUTA DE MASSAS CONTRA OS ATAQUES NEOLIBERAIS!
OUSAR LUTAR, OUSAR CRIAR, UMA ESCOLA POPULAR!
Referências
[1] https://www.poder360.com.br/governo/lula-diz-que-nao-vai-revogar-reforma-do-ensino-medio/
[2] https://omomento.org/o-novo-ensino-medio-na-bahia-precarizacao-disfarcada-de-protagonismo-estudantil/
[4] https://ujc.org.br/pela-a-revogacao-da-contrarreforma-do-ensino-medio/
[6] “Professor Voluntário”: Novo Ensino Médio E A Precarização Do Ensino Público Na Bahia https://www.instagram.com/p/Co_JwOsri2K/?utm_source=ig_web_copy_link