Por Gabriel Galego
O chamado “setor da economia criativa” é uma área fundamental para o desenvolvimento econômico e para a consolidação subjetiva de uma coletividade ou nação. Essa indústria emprega, sob regime formal, mais de 800 mil pessoas. Em 2017, por exemplo, foi responsável por 2,6% do PIB, mobilizando cerca de 171 bilhões de reais. Se pensamos na multidão de grupos e projetos independentes e sem nenhuma formalização, o número aumenta. Dentro desse setor, encontramos os trabalhadores da cultura – sobretudo artistas, agentes culturais e profissionais técnicos.
Atualmente, o setor cultural tem duas políticas culturais, que permitem o financiamento e fomento aos trabalhadores: os Fundos de Cultura e as Leis de Incentivo. Grosso modo, esses dois programas representam o financiamento público e o financiamento privado, respectivamente. Desde o golpe de 2016, com a queda do governo petista e o avanço da política neoliberal, a tensão entre o financiamento público e privado para a cultura tem estado em evidência. Entretanto, essa evidência não é por uma questão positiva. Pelo contrário, o avanço do conservadorismo e do fascismo impôs limites ao financiamento público da cultura. Para os conservadores, a cultura não é assunto do Estado, mas da iniciativa privada. Ou seja, há uma constante sabotagem do Fundo de Cultura e um ataque sistemático aos mecanismos de fomento da cultura.
A Bahia não foge à regra da organização nacional das políticas culturais. Em nosso estado, temos o Fundo de Cultura da Bahia (Lei Nº 9.431/2005) e o FazCultura (Lei Nº 12.365/2011). São essas duas políticas que organizam e remuneram os trabalhadores da do setor cultural baiano. O Fundo de Cultura da Bahia foi uma vitória da classe artística e cultural baiana, possibilitando o financiamento de diversos projetos como o Festival Internacional de Artes Cênicas (FIAC), o CachoeiraDoc e o Panorama Coisa de Cinema, três festivais fundamentais para o teatro e o audiovisual da Bahia. Embora seja uma vitória para os trabalhadores da cultura, também existem problemas que desvalorizam o trabalho dos artistas e agentes culturais, dificultando a democratização e descentralização dos bens culturais.
Por exemplo, há uma dificuldade burocrática na escrita e habilitação nos editais, impedindo o financiamento de chegar nos interiores e em grupos menos formalizados. Ou mesmo o simples atraso do pagamento dos editais, que desorganiza o nosso trabalho. Embora haja esse financiamento público, o trabalhador da cultura não é visto como trabalhador, mas como empreendedor. O que isso significa? Que a perspectiva do trabalho é a pejotização, sobretudo com a criação dos Microempreendedores Individuais (MEI). Ou mesmo a criação de um CNPJ para micro ou pequena empresa. Uma forma bonita de dizer que não teremos férias, 13º salário e outros direitos garantidos pela CLT. Isso implica que, do ponto de vista do financiamento público, ficamos reféns de políticas de editais, competindo com muitos agentes culturais e artistas – inevitavelmente fomentando a desigualdade no setor, porque nem todos podem ser contemplados.
A Lei de Incentivo, conhecida na Bahia como FazCultura, é ainda mais burocrática e inacessível. Isso porque é um mecanismo do Estado para transmitir os impostos das empresas para o financiamento de projetos culturais. Esse mecanismo é muito benéfico para as empresas, mas dificultoso para o artista ou agente cultural, sobretudo aqueles advindos de realidades adversas, como a periferia ou cidades do interior. Que empresa privada vai ser interesse em financiar um projeto de arte independente de profissionais desconhecidos de uma cidade interiorana distante ou alguma zona rural? Obter patrocínio e captar recursos para projetos culturais não é uma tarefa fácil, demanda muito estudo e especialização – excluindo uma grande parcela dos artistas e agentes culturais independentes e nos mantendo refém da iniciativa privada. Curiosamente, o governo Bolsonaro nunca deu uma palavra sobre as Leis de Incentivo, que, diga-se de passagem, foi um mecanismo criado no governo FHC, outro governo neoliberal. Por que essa falta de interesse? A Lei de Incentivo não beneficia o trabalhador da cultura diretamente, apesar de nos remunerar e garantir nosso trabalho. Entretanto, quem ganha, efetivamente, são as empresas privadas. Não podemos normalizar uma política cultural que deixa o setor cultural refém do capital.
É necessário um esforço de formular novas políticas culturais para o Brasil, assim como garantir a crítica às Leis de Incentivo como práticas neoliberais. Não apenas porque o bolsonarismo está destruindo o Fundo Nacional de Cultura, ação deplorável e papel nosso lutar contra. Mas sobretudo porque o setor cultural tem normalizado as Leis de Incentivo, inclusive durante os governos petistas, que nada fizeram além de aprimorar essas políticas. É mais do que nunca essencial relembrarmos que os artistas, agentes culturais e técnicos não são empreendedores, somos trabalhadores. Não podemos deixar o trabalho da cultura e seus meios de produção nas mãos da iniciativa privada, nem tampouco podemos deixar o Fundo de Cultura na mão do Estado burguês. Os tempos, mais do que nunca, exigem a organização do setor cultural – e a investigação de novas políticas culturais que realmente nos favoreça.