Por Rosa Menezes
O Rádio é Revolucionário – Um instrumento que difunde conhecimento e informações através do ar e chega nos locais mais longínquos, onde a televisão e a internet são apenas anseios distantes de um mundo “globalizado”, é de fato revolucionário.
Ao longo dos últimos anos, nos apegamos às inúmeras plataformas de streaming que surgiram prometendo inovação, rapidez, conteúdo e todas aquelas outras coisas atrativas que nos fazem pensar que o rádio é só um tio avô distante, velho, meio caduco da televisão, que ninguém lembra da existência e só visita em datas comemorativas. No entanto, não é bem assim.
Quando Guglielmo Marconi (e aqui cito ele pelo senso comum, sem esquecer que antes dele, o rádio já era gestado por outras barrigas científicas) deu vida ao primeiro aparelho do mundo, houve um rebuliço na comunicação. O que levava dias e meses para ser respondido, agora estava a apenas uma transmissão de distância.
Muitas vidas foram salvas com esse advento. Estima-se que cerca 1,5 mil pessoas escaparam vivas de um naufrágio em 1909, graças ao equipamento que possibilitou o envio de pedidos de socorro.
Porém, quando falamos do rádio como salvador de vidas, não precisamos nem voltar tanto assim no tempo. Em meio à pandemia de coronavírus em 2020 – e que segue em curso ainda neste ano, sem previsão de melhora -, o rádio alcançou aquelas pessoas isoladas, sem internet e televisão, levando dicas de cuidados e explicações sobre a nova doença onde a informação não chegaria de outra forma.
A rapidez com que a informação circula nos passa uma falsa ideia de que todos estão conectados 24 horas por dia; no entanto, ainda hoje, 46 milhões de brasileiros vivem sem o acesso à internet. Isso quer dizer que, a cada quatro pessoas, uma não tem acesso à conexão no país. Essa dura realidade ignorada no Brasil foi escancarada pela pandemia.
Neste momento de crise sanitária e social, o rádio se colocou, em parte, como um instrumento popular e de grande valia. Com o acesso digital longe de ser uma realidade para boa parte da população, o rádio é o meio mais acessível de espalhar conhecimento durante esse período [que deveria ser] de isolamento.
Foi o que aconteceu na Zona Rural do Rio Grande do Norte, onde a estação Princesa da Serra passou a transmitir conteúdos de segunda a sexta com uma hora de duração, a partir de lições envolvendo matemática, história e até mesmo inglês.
Na zona rural de Pernambuco não foi diferente: Residentes da área da Saúde no Campo buscaram fazer um projeto de disseminação de conteúdo sobre saúde logo no início de 2020, para manter a população informada.
Essas são apenas algumas das muitas potências do rádio, desperdiçadas, muitas vezes, pela ganância inescrupulosa do nosso sistema. Ao mesmo tempo que se coloca como um aparato revolucionário, nas mãos daqueles que acreditam na comunicação como um instrumento de poder do povo, o rádio pode se tornar (e acaba sendo) um vilão, que difunde pensamentos neoliberais e contribui para a desmobilização da população em tempos tão difíceis.
Quando falamos de comunicação, não podemos esquecer de que ela é um instrumento de dominação ideológica, o que torna as mídias formas de manutenção do poder da burguesia. A disseminação de propagandas das classes dominantes é essencial para que elas possam se manter no poder.
No Brasil, a colonização e a implantação da mídia eletrônica estão em paralelo. Assim como nossas terras foram divididas em lotes e cedidas a famílias específicas, a mídia (escrita, falada e televisionada) está loteada hoje entre as poucas famílias ricas do país. A partir disso, o coronelismo ganha uma nova face, o poder político-social que antes era exercido exclusivamente pelos proprietários de terras, hoje passa a ser também daqueles que monopolizam os meios de comunicação.
Diante dessas questões, aqueles que vendem sua força de trabalho através da escrita e da fala, exercendo assim o papel de comunicadores, não podem ser esquecidos, muito menos negligenciados.
A exploração é inerente ao capitalismo. É a partir do suor e do esforço do proletariado que esse sistema se mantém e nenhum setor trabalhista está isento disso. O avanço tecnológico diz muito pouco sobre desenvolvimento nesse cenário, e se coloca, na maioria das vezes, apenas como mais uma forma de precarizar e mercantilizar a vida dos trabalhadores.
Quando pensamos no trabalho da radiodifusão neste momento onde os streamings estão em ascensão, passamos a elucubrar, mesmo que de forma inconsciente, sobre a longevidade e a obsolescência do rádio. No entanto, esse meio de comunicação já se mostrou capaz de se adaptar a inovações. Foi assim com a televisão, está sendo assim com os streamings.
Uma pesquisa realizada em 2019 por uma empresa de consultoria, revelou que cerca de 3 bilhões de pessoas, em todo o mundo, consumiram conteúdos através da radiodifusão. O alcance semanal do rádio se mantém no topo, com cerca de 85% da população adulta. O rádio permanece, ainda hoje, como uma das mídias mais populares e importantes do mundo, e o streaming se coloca como braço de apoio para que isso aconteça.
Com o avanço tecnológico, o rádio também se modificou, e hoje, grande parte das emissoras transmitem através das rádios web, canais de youtube e facebook. Isso torna o rádio um dos meios de comunicação mais democráticos, alcançando não só aqueles que aderiram de vez às redes sociais, como também aqueles que possuem no rádio a única esperança de informação.
Todavia, apesar dessa adaptação “tranquila” do rádio aos meios de streaming, esse processo sobrecarregou ainda mais uma categoria que vem sendo precarizada há muito tempo.
Para além de receber um dos salários mais baixos quando se trata de meios de comunicação, a grande maioria dos radialistas (assim como boa parte dos trabalhadores brasileiros hoje), trabalham na informalidade e não possuem suas carteiras assinadas. Isso, somado às duplas e triplas jornadas de trabalho, tornam o ato de comunicar um fardo.
Afora essas questões, existe um embate ideológico entre a necessidade de informar a população e a comercialização do espaço midiático. O rádio tem o seu sustento a partir das propagandas comerciais e dos patrocinadores, que bancam programas inteiros e chegam até a opinar sobre a programação. Isso faz com que boa parte do que vai ao ar passe por um filtro que atenda às demandas mercadológicas daqueles que investem financeiramente no espaço.
Sendo assim, o rádio – assim como todas as outras mídias no sistema capitalista – tem o seu potencial social (e por que não revolucionário?) tolhido pelas ideias e ideais daqueles que detém o poder econômico no país, e justamente por isso que se torna indispensável a disputa daqueles que tem como incumbência o trabalho dentro deste espaço.
Pensar um novo projeto de sociedade é pensar também no papel dos meios de comunicação que já existem e qual o papel deles nesse processo de construção. Essas reflexões precisam ser feitas hoje. Comunicar é revolucionário. Precisamos nos debruçar sobre os instrumentos que nos permitem chegar mais próximo da população, e o rádio se coloca como um desses meios.