Por Ágatha Luz
Figuras como José Roberto Marinho e Armínio Fraga planejam ocupar nada menos que um quinto da ilha de Boipeba com seu ambicioso projeto turístico-imobiliário Fazenda Ponta dos Castelhanos, um complexo de empreendimentos de luxo com o potencial de prejudicar imensa e irreparavelmente ecossistemas únicos à região. Acontece que, para esses bilionários, a enorme destruição ambiental e profunda nocividade às comunidades tradicionais que ali habitam há séculos são um preço minúsculo a pagar em troca da manutenção do seu estilo de vida cerimonial e exclusivo. Apenas um inconveniente sem maior relevância.
O litoral da Bahia não desconhece grandes e danosas intervenções do mercado imobiliário e turístico, a exemplo das transformações históricas e socioambientais que moradores do município de Mata de São João vivenciam paulatinamente desde 1970. Houve uma larga expansão da atividade imobiliária no litoral baiano ao norte Salvador a partir das décadas de 1950 e 1960, que alcançou a região de Mata na década seguinte após a aquisição de grandes propriedades locais pelo empresário paulista Klaus Peter e a chegada da BR-099.
Com a construção da BR-099 (ou “Estrada do Coco”) na década de 1980, uma área antes apenas acessada por balsa agora sai da condição de isolamento e é, aos poucos, tomada por uma atividade turística cada vez mais bem-sucedida. Tal prosperidade eventualmente atrai megaempreendimentos hoteleiros e visitantes internacionais em peso e, logo, a infraestrutura do local se aperfeiçoa numa rapidez inacreditável. A simples e isolada vila de pescadores, que há pouco abrigava ruas de barro, transforma quase que completamente sua fisionomia para os olhos de investidores e turistas abastados. Em contrapartida, os grandes hotéis e estabelecimentos comerciais de elite passam a sediar com proeza um cenário de segregação explícita.
Assim, propicia-se uma dinâmica curiosa, em que muitos descendentes dos trabalhadores que serviram aos grandes latifundiários — que dominavam a produção rural no território durante os séculos anteriores — veem-se agora encurralados nos arredores da vila graças ao aumento do custo de vida, e passam a vender sua mão de obra aos grupos empresariais que dominam a principal atividade econômica local atual, a turística. Gerações e gerações de trabalhadores se encontram numa posição contínua de desigualdade e servidão.
Além de afastar em abundância antigos moradores das comunidades de pescadores tradicionais do município, as quais se viram praticamente desassistidas durante o todo esse crescimento econômico frenético, a especulação imobiliária também traz consigo uma sequela imaterial violenta e degradante: o apagamento da identidade local em favor da homogeneização da oferta de produtos e serviços de alto padrão. Enquanto o comércio da arte local se concentra no chamado Centro de Artesanato, por exemplo, marcas internacionais ocupam a Alameda do Sol, principal via de circulação da Praia do Forte.
Ao longo da orla marítima baiana, pedaços inteiros de Mata Atlântica, paraíso natural de valor inestimável, são derrubados para se erguer ali condomínios de luxo, clubes de golfe e afins. Tradições centenárias são forçadamente apagadas do rico imaginário cultural e cotidiano das comunidades locais em favor do estilo de vida requintado e excludente da classe dominante. Os acontecimentos que ilustram história e fisionomia do litoral baiano desde a Linha Verde a Trancoso, Morro de São Paulo e possivelmente em breve Boipeba, nos fazem indagar: a Bahia é, realmente, dos baianos? Quem se beneficia do progresso econômico estabelecido pela atividade hoteleira? Quem desfruta as comodidades e os serviços luxuosos que se ofertam ali? Questões essenciais como essas precisam ser postas em pauta com urgência, agora que mais um paraíso baiano arrisca se reduzir a um reduto de multimilionários.