Por Hadassa Freire –
O Caso Mariana Ferrer – O Direito é uma forma de subjetividade jurídica, significando dizer que é um fenômeno de interação cuja qualidade é corresponde à forma mercantil. Portanto, se a mercadoria é exploratória, individualista e patriarcal, o Direito também será, pois o sistema jurídico vigente traz impresso em si os interesses daquela classe que o realizou: uma classe dominante que é patriarcal, racista e burguesa.
O retrato do Judiciário brasileiro está ligado de modo indissociável à moralidade da prática social, refletindo apenas um lado do mundo real, sendo justamente aquele no qual a relação entre as pessoas está subordinada à lei do valor. Nos crimes sexuais, é comum o questionamento a mulher, colocando a reputação da vítima antes da violência que ela sofreu e demonstrando a construção jurídico-moral que engloba a exclusão do dolo por parte do agressor.
No caso Mariana Ferrer, apesar dos depoimentos que afirmam a embriaguez da assistida no momento do abuso sexual, o Ministério Público entendeu que o acusado não sabia que a vítima estava em estado de vulnerabilidade, isto é, incapaz de oferecer qualquer tipo de resistência. Assim, em sentença foi admitido que houve conjunção carnal; mas como foi alegado que o acusado não tinha consciência da incapacidade da vítima e por não haver a previsão legal de estupro culposo, o agente foi absolvido.
O advogado de André Aranha assumiu uma postura misógina e hostil quando, em audiência virtual, insistiu em mostrar fotos sensuais da vítima, acompanhadas de diversas falas violentas sobre Mariana Ferrer. Atitudes como essa fortalecem o argumento de que o patriarcalismo no qual vivemos contaminou também o judiciário brasileiro, afinal, constantemente mulheres são humilhadas e silenciadas diante de figuras que deveriam protegê-las.
No Brasil, o plano de traçar a sociedade através da política de branqueamento, propósito este que envolvia a eugenização e a higienização social enquanto política pública, reflete nitidamente a estrturação da cultura de estupro no país. Esse projeto racista e misógino se estende até os dias atuais, considerando que a cada 8 minutos mulheres e crianças são estupradas em território brasileiro.
A cultura do estupro está diretamente ligada à luta anticapitalista, fundada pela violação sexual de mulheres não-brancas que se relaciona com a ideia de que o corpo da mulher é propriedade do homem. Com o desenvolvimento do capitalismo, essa vigilância sobre a liberdade e corpo feminino eleva ao máximo o problema em questão. A hiperssexualização das mulheres, sobretudo das mulheres negras, em comerciais de grandes empresas serve de exemplo.
Destarte, a lógica machista em conjunto com o patriarcalismo fomentam a ideia em que o homem cisgênero se vê no direito de objetificar e avançar sobre o corpo de outrem tendo como baliza apenas seu próprio querer. Além do mais, conta com aval do Direito para se livrar da responsabilização por suas ações, principalmente se o acusado pertencer à classe burguesa, como é o caso do estuprador André Aranha.
Ainda nessa perspectiva, cumpre dizer que a análise excessivamente técnica é limitante e leva ao exame da sociedade de maneira formal. Fazer a separação da norma jurídica dos fenômenos sociais é ignorar a complexidade do mundo, caminhando para um estudo normativo, no mínimo, incompleto.
Em um contexto de extrema violência para as mulheres, ultrapassar o silêncio e procurar o sistema de justiça é um desafio árduo, afinal é comum o tratamento hostil por parte dos órgãos do Estado e seus agentes. Esse processo de revitimização corrobora com a manutenção do status quo e aparece como um grande obstáculo para sua sobrelevação.
Não podemos perder de vista que, apesar de o caso de Mariana Ferrer ter tido repercussão nacional, o Brasil ainda está entre os países mais violentos para as mulheres. Constatamos, então, que não há espaço para ceder na luta contra essas opressões que insistem em matar e violar os grupos historicamente oprimidos. Da mesma forma, não há lugar para ilusões com o Direito, este que é forjado pela lógica capitalista, patriarcal e racista. O sistema jurídico burguês deve ser disputado com o intuito de promover rupturas internas, até que alcancemos sua superação.
Nos solidarizamos com Mariana Ferrer e com aquelas que ainda se mantém omissas em razão do desamparo social e jurídico. Nos mantemos firmes na luta contra qualquer tipo de violências às mulheres.