NÓS SEMPRE SOUBEMOS QUEM MATOU PIXOTE

PIXOTE: O FILME

Por Arthur Santos

Pixote – A Lei do Mais Fraco é um filme clássico do cinema nacional. Daqueles que marcam toda a produção audiovisual do país. Este filme retrata a precarização e violência que as pessoas são expostas, em um momento fundamental para o seu desenvolvimento enquanto Ser. O filme se passa em São Paulo no final da década de 70, período em que, como aponta o diretor do filme Hector Babenco, este estado concentrava algo entre 60% e 70% do PIB brasileiro. Nesta conjuntura, a concentração de riquezas nas mãos dos oligarcas paulistas estava em um patamar altíssimo. O que significa que a miserabilidade dos operários era de igual proporção.

O filme conta a história de um jovem garoto de apenas 11 anos de idade, Pixote. Que estava preso em um reformatório, local em que ele convive com constante agressão dos diretores da instituição, da polícia, e dos outros jovens (de maioria preta) que viviam junto com ele. Pixote presencia, ao longo do filme, estupros, agressões – físicas e verbais – assassinatos, tráfico e diversas formas de violência. Curioso é que ele, por qualquer motivo que seja, nunca demonstra grande sensibilidade ao que vê. Pelo contrário, age com uma naturalidade que causa estranheza ao telespectador, provavelmente adulto, que se mostra muito mais incomodado com os acontecimentos do que ele, uma criança de 11 anos.

O ponto de inflexão deste filme é quando Pixote e seus colegas decidem fugir do reformatório e viver nas ruas. Sustentando-se através de pequenos furtos e golpes. Até que, em um processo de escalonamento constante, o filme leva a outros rumos. Tráfico de drogas, cafetinagem (Proxeneta), e etc. Dentro das ruas de São Paulo, é retratado as moradias precárias, abuso de álcool e outros entorpecentes (o próprio Pixote, ao longo do filme fuma cigarros de maconha e inala “cola de sapateiro”, uma espécie de solvente similar ao “Lança-perfume”), desumanização das crianças, transfobia, homofobia e etc. que a classe trabalhadora brasileira estava exposta.

O filme é denso, triste, lento e tenso. E, com certeza, causará desconforto em quem assisti-lo. Por ser uma obra muito conhecida do cinema nacional, é possível que muitos já tenham o assistido ou ao menos ouvido falar. Mas há uma reflexão para além do filme que devemos fazer.

PIXOTE: A REALIDADE

A direção do filme, ao selecionar os atores, contou com alguns atores já consolidados no Brasil. Marília Pêra no papel de Sueli, Tony Tornado no papel de cristal, e etc.. Já o protagonista, Pixote, foi um ator selecionado de uma das favelas da periferia de São Paulo. Esta que é exposta pelo diretor Hector Babenco em uma espécie de prólogo do filme, em que ele mesmo fala sobre a situação de miséria das pessoas faveladas. Pixote foi atuado, brilhantemente, por Fernando Ramos da Silva. Jovem pobre, semianalfabeto, da periferia, que teve o protagonismo de um dos filmes brasileiros mais reverenciados de todos os tempos. Posição importante que ele sustentou com firmeza durante as filmagens, rendendo uma entrega irretocável. 

O problema surge quando se percebe que, após o papel de Pixote, Fernando Ramos não teve mais grandes oportunidades para atuar e desenvolver sua carreira. Participou de algumas produções como ‘Eles não usam Black-Tie’ (1981), também reverenciado, e ‘Gabriela: Cravo e Canela’ (1982). Posteriormente, foi chamado para atuar em novelas da Globo, sendo demitido em pouco tempo já que ele era semianalfabeto e possuía grandes dificuldades em decorar os textos. Ao retornar à sua vida “antes da fama” Fernando Ramos entrou para a criminalidade, tendo sido preso duas vezes ainda enquanto menor de idade. Uma infeliz ironia.

Após sua segunda prisão, Fernando Ramos disse em entrevista: “Eu só quero que o povo esqueça minha imagem enquanto Pixote […] Eu quero a chance de viver como um homem, sem ser perseguido. Eles criaram Pixote, mas eles não sabiam como prepará-lo para a vida”. Uma declaração que causa um grande desconforto. Mas, ao refletir sobre, podemos lembrar de como Alexandre Rodrigues, também de periferia, ator de Buscapé, protagonista do filme Cidade de Deus (filme brasileiro mais premiado internacionalmente), trabalhava de motorista de aplicativo para se sustentar. O comportamento da indústria cinematográfica brasileira funciona da mesma forma que toda a estrutura produtiva brasileira: de maneira excludente, racista, misógina e elitista. 

Fernando Ramos retornou à vida na favela, continuava fazendo teatro. Havia acabado de retornar de uma viagem de trabalho quando, em 25 de agosto de 1987, aos 19 anos de idade, foi brutalmente assassinado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. A versão atestada pelos 3 policiais que o executaram, foi de que Fernando Ramos participou de uma troca de tiros com ela após participar de um assalto junto de um amigo seu. Em entrevista, uma moradora da mesma favela que o ator afirma que ele estava desarmado, correndo da polícia com medo de ser morto. Fernando Ramos da Silva foi assassinado com 8 tiros, 3 no braço direito e 5 no peito

Na entrevista referenciada, nas falas de pessoas que trabalharam com ele, tais como Walmor Chagas e Marília Pêra, Fernando Ramos é descrito como uma pessoa de temperamento difícil e que não era esforçado o suficiente. Uma visão que reitera a perspectiva meritocrática e liberal da sociedade, incapaz de entender as dificuldades que um jovem semianalfabeto possuía em trabalhar com textos longos e complexos.

Fernando Ramos foi assassinado brutalmente pela PM-SP, mas as causas de sua morte se antecedem e muito ao fato. Fernando foi morto pela falta de oportunidades para despontar sua carreira. Fernando foi morto pela falta de uma estrutura escolar nas favelas. Fernando foi morto pela falta de Assistência Social. Fernando foi morto, como muitos outros são, diariamente, por ser pobre e favelado. Fernando foi morto pelo sistema que gere este país. Por isso, muito antes do Laudo Médico sair, nós já sabíamos quem matou Pixote.

 

1. Fernando Ramos da Silva, 19, Star of Brazil’s ‘Pixote,’ Dies – The New York Times (nytimes.com)
2. Alexandre Rodrigues: Ator de ‘Cidade de Deus’ sobre dirigir Uber: Preciso sustentar minha casa | VEJA (abril.com.br)
3. (28) DON KPONE VIDA E A MORTE DE PIXOTE NO FANTÁSTICO DE 1987. – YouTube
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