Por Guilherme Corona
O golpe de Estado no Níger, em 26 de julho de 2023, consolidou uma onda de movimentações militares com caráter anti-Ocidente no Sahel.
A região do Sahel, termo que além de designar um cinturão ecológico, também se refere a um conjunto de países situados ao sul do Saara e ao norte das savanas, presenciou desde 2021 um conjunto de movimentações militares que levaram a frente golpes de Estado, sob a justificativa da deterioração da condição humana e de segurança sob os regimes favoráveis ao Ocidente, em especial EUA e França.
Se a história do colonialismo francês na região é mais conhecida, sendo ela uma das principais potências colonialistas dos séculos XIX e XX, o domínio imperialista dos EUA na região é mais recente, se consolidando principalmente ao cabo das independências dos países africanos e seu atrelamento a política estadunidense, muitas vezes em detrimento da aproximação à URSS, em plena Guerra Fria.
Fosse quem fosse a potência imperialista mais proeminente em África, a ascensão da Otan no continente já vem se consolidando desde os anos 1950, por meio da instalação de governos pró-Ocidente na região. Contudo, a primeira grande operação da Otan em África foi o bombardeio na Líbia, um elemento importante para consolidar a visão de uma Otan global. Mas, desde tempos anteriores já era comum que as potências imperialistas fizessem destacamentos militares para atuar no continente, seja em nome da democracia liberal ou do combate ao terrorismo.
A atuação militar na região do Sahel, principalmente francesa, longe de obter avanços na situação de segurança dos países africanos, deixou uma grande trilha de mortos, combinados com a fome e o subdesenvolvimento econômico. Enquanto o grande capital imperialista penetra e sangra as economias africanas, há pouco ou nenhum retorno social e programas de desenvolvimento planejados para o continente.
E as recentes movimentações militares no Sahel devem muito a esse cenário. Com países devastados pela miséria (o Níger figura reiteradamente entre os países mais pobres do mundo) e pela guerra civil contra os jihadistas, os governos de Mali, Burkina Faso e Níger tiveram a retirada das tropas francesas na região como pauta. E até o fim deste ano o governo francês deve retirar integralmente as tropas do Sahel.
Não é de se estranhar, então, que as demonstrações de rua nesses países tenham apresentado uma rejeição aos países ocidentais, destruindo seus símbolos e atacando suas representações, como as embaixadas francesas. Enquanto por outro lado conclamam o apoio russo, e do grupo Wagner, para estabilizar a situação de segurança e garantir certa independência na política internacional.
E mesmo com a retirada voluntária das tropas francesas do Níger, o governo não deixou de encontrar resistência militar, se não real, pelo menos proclamada. Como se vê nas declarações da ECOWAS (grupo econômico de países do Oeste africano) de intervenção militar no Níger, que ficaram em suspenso após o estacionamento de tropas de Burkina Faso no país, por meios de aviões Super Tucano (de fabricação brasileira).
Se definitivamente ainda é cedo para dizer as potencialidades e limites dos novos governos militares do Sahel (ainda mais com a pequena quantidade de informação disponível), é possível afirmar que eles dificultam a hegemonia da Otan da região, modificando o tabuleiro militar e econômico da África e colocando mais uma fratura no domínio estadunidense. Ainda assim, nem todo inimigo do meu inimigo é meu amigo.