Por Rodrigo Cabral e Cheyenne Ayalla Brasil
No dia 07 de agosto moradores organizados do bairro de Mussurunga realizaram uma passeata e panfletagem pelas ruas dos setores do bairro. Faziam uma denúncia ao desmatamento ilegal, que está acontecendo agora na região, e convocavam os moradores a se mobilizarem em torno desse problema, que afeta todos que residem ali. Além da ilegalidade do desmatamento, também estava sendo denunciado a fuga e morte de animais silvestres, que viviam naquela mata, e danos às estruturas das casas.
Em março de 2021, tratores contratados pela empresa ATF Patrimonial, começaram a invadir e desmatar ilegalmente as áreas de Mata Atlântica do setor J do bairro de Mussurunga, em Salvador. Os moradores do lugar, revoltados e preocupados com o avanço acelerado da devastação da mata, que já tinha aterrado as nascentes locais, deram entrada em um processo na Defensoria Pública e chamaram o apoio de políticos e pessoas públicas para que dessem apoio e visibilidade àquele problema. Esse contato e as mobilizações ocorreram, principalmente, a partir da organização de um movimento dos moradores do bairro com o objetivo de denunciar e tentar impedir esse crime socioambiental em andamento, chamado Projeto Mussurunga. Em seguida, entraram em contato com o órgão responsável pela Habitação e Urbanização da Bahia (URBIS), ligado à Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDUR) do Governo da Bahia, e descobriram que o terreno é uma propriedade pública, da URBIS. A ATF Patrimonial detém uma posse provisória do terreno, que foi adquirida a partir de um documento, alegado por eles de serem originais, mas que ainda está sendo averiguada a veracidade do documento de posse. O documento sequer é de Salvador, foi autenticado no cartório de Mata de São João, no município de Camaçari. Porém, apenas a posse provisória não libera a empresa para iniciar um desmatamento na área, que não deveria estar sendo alterada.
Em entrevista para o jornal O Momento, as moradoras do setor J, que estão na organização da mobilização do Projeto Mussurunga, Elisa e Irene, falam um pouco de como foi o histórico de tentativas de desmatamento no local:
“O desmatamento é recente. Ocorreu uma tentativa em 2008 e outra em 2014, mas a obra foi embargada antes de começar. Até o momento, as empresas são ATF Patrimonial, que já teve também o nome, em 2014, de Realeza Patrimonial e de Saraiva Patrimonial. Existem 3 pessoas por trás, três mulheres por trás, mas na verdade a gente descobriu que o dono, que é o Henrique Barata, é sócio do Soarez Empreendimentos. Mas até então, a empresa ATF Patrimonial, nós acreditamos que seja laranja, porque nós tentamos entrar em contato, a URBES, o MP marcou uma audiência e eles também não compareceram, eles não respondem, a imprensa pede nota e eles não respondem. Então, acreditamos ser laranja.”
Como colocado pelas moradoras, a ATF Patrimonial, que está praticando o desmatamento ilegal na área, não responde os moradores, a URBIS e nem a decisão judicial de suspensão imediata do desmatamento da área, que está sendo completamente ignorada pela empresa. Nesse caso, fica bastante evidente o processo de grilagem, em que a empresa “laranja” avança ilegalmente na área de Mata Atlântica, retira toda a vegetação, a fauna, aterra os rios e faz uma “limpa” na área, mesmo apenas com uma posse provisória. Após a área desmatada e devastada, não pode mais ser considerada um local de resquício de Mata Atlântica, facilitando o processo de compra e legalização total da posse de uma área que foi devastada ilegalmente.
Nos zoneamentos de ordenamento e uso do solo urbanos, a Legislação de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (LOUOS) e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), a área de Mussurunga está delimitada enquanto uma Macrozona de Consolidação Urbana do tipo ZPR-3, que são as Zonas Predominantemente Residenciais. Porém, o zoneamento do LOUOS de Salvador já identifica áreas de resquícios de Mata Atlântica no bairro, justamente nas áreas que estão sendo desmatadas. Isso significa que já há, dentro do mapeamento institucional da prefeitura, o reconhecimento daquela área enquanto uma área de resquício de Mata Atlântica e que merece uma atenção especial para sua preservação. Porém, mesmo sendo identificados os resquícios de mata, essas áreas não estão incluídas enquanto parte da Macroárea de Proteção e Recuperação Ambiental presentes no PDDU. Ou seja, há brechas legais para o desmatamento da área, e se faz necessária também a luta para a delimitação da área enquanto uma Unidade de Conservação (UC), instrumento legal de preservação importante dentro dos limites do Estado.
Além dos danos ecológicos e morais, o avanço dos tratores também está causando danos à infraestrutura de saneamento do bairro. Ocorreu a destruição da tubulação de água e esgoto dos moradores, prejudicados diretamente. Nesse meio, recorreram à Embasa e foram informados que o pedido de restauração da tubulação deve ser feito pelo site. Porém, até o momento, não houve nenhuma resposta ou posição efetiva para a recuperação da rede de esgoto e água e esses moradores já se encontram a mais de um mês sem acesso a água e rede de esgoto em suas casas. Nesse processo, as maiores queixas da comunidade foram pelo descaso em relação às pessoas que já residiam no local, tanto por parte da prefeitura quanto do governo do Estado, bem como os animais que permaneciam no seu habitat natural até serem expulsos, quando não mortos pelos tratores da ATF Patrimonial. Essa Instituição se intitula nos sites oficiais como uma empresa de condôminos e residenciais privados, inaugurada em 1996 (vide site).
Em entrevista com as moradoras, elas também relataram:
“Nós perdemos a área de reserva ambiental, algumas nascentes foram aterradas, alguns moradores tiveram prejuízos com suas casas e quintais, com rachaduras, muitos perderam suas hortas onde plantavam. Cercas foram derrubadas, os animais foram mortos. A paz também, questão imaterial, questão material e imaterial. Eles têm seguranças armados, funcionários armados que se dizem seguranças, defendendo os tratores. Eles se dizem segurança dos tratores, são jagunços, e eles ameaçam a população que vai lá para perguntar. É uma grilagem clássica. Porque até a documentação ela foi autenticada no cartório de Mata de São João, que é Camaçari. E é um documento que tem a sua veracidade duvidosa. Tem esses funcionários armados que eles ameaçam, ninguém pode chegar perto, nenhum morador pode reclamar nem nada, eles atiram pra cima, inclusive.”.
É possível perceber, pelo relato das moradoras, que o processo é trágico e tem sido bastante violento para a população. Os seguranças dos tratores, por meio de ameaças e tiros, conseguem garantir o avanço dos tratores dia após dia no restante de mata que ainda existe no bairro. Há um processo de intimidação e violência contra a população, mesmo após denúncias terem sidos feitas a Polícia Militar, não houve nenhuma mobilização de interromper esse processo de desmatamento ilegal ou garantir a segurança da população de Mussurunga. Somado a isso, mesmo os moradores se mobilizando para atos e manifestações em defesa dessa pouco de Mata Atlântica que ainda resta na região da Paralela, os órgãos públicos não têm manifestado nenhum interesse em ouvir os cidadãos. Nesse momento, os moradores entraram em contato com a URBIS para um pedido de indenização aos moradores prejudicados, entretanto ainda se encontra em tramitação entre as partes.
Dito isso, se colocam como fundamentais as mobilizações em conjunto, bem como a conscientização da comunidade do lugar para as consequências a curto prazo e a longo prazo – como a especulação imobiliária, encarecimento dos aluguéis, gentrificação, isto é, a expulsão dos moradores pelo aumento do custo de vida. A organização e fortalecimento da comunidade para a criação de uma Associação de moradores é imprescindível para alcançar os desejos coletivos do bairro e pela luta contra as construtoras, que agem como predadores do espaço habitável, verde e com desrespeito e violência aos moradores. Só é possível avançar na defesa dos interesses dos moradores do bairro com a ação coletiva e organizada. Pela criação do poder popular, a comunidade de Mussurunga resiste! Viva o Projeto Mussurunga!