Espaço Cultural – O anticapitalismo em Round 6 e os limites de uma obra burguesa

Round 6 - Imagem: divulgação / Netflix

Por Célula de Comunicação e Cultura Jacinta Passos

Round 6 se tornou a primeira série produzida pela Netflix a bater a marca de 100 milhões de espectadores com apenas um mês de lançamento. A trama é protagonizada por Lee Jung-jae, que interpreta Seong Gi-Hun, um viciado em apostas que é ameaçado por agiotas, e conta com muitas cenas de violência e reviravoltas emocionantes. Como não ter empatia com os personagens que arriscam suas vidas em jogos que eles nem sabem quem são os organizadores? 

Todos os participantes vivem em situação de extrema vulnerabilidade no sul da Coreia, mas de repente recebem a proposta de competir por um prêmio milionário que seria a solução para os seus problemas. A derrota na competição, que envolve brincadeiras infantis como estátua e cabo de guerra, significa a morte. Não abordarei mais a história em si, para não dar spoilers, mas sim o que enxergo como limites de Round 6 enquanto instrumento de conscientização coletiva. 

A maioria das matérias em sites, revistas e jornais sobre a série destacavam a sua crítica ao capitalismo, como por exemplo a Jacobin Brasil (“Round 6 é uma alegoria do inferno capitalista”) e a Lavrapalavra (“Round 6 – A distopia do capital e a saúde mental impossível”). A série e a classe trabalhadora pareciam estar conectadas, pois poucos dias após o seu lançamento houve uma greve no sul da Coreia e alguns trabalhadores protestaram com fantasias alusivas à obra. 

Porém duas coisas jamais devem ser esquecidas: que o imperialismo não tira férias e que nem toda postura aparentemente anticapitalista tem o compromisso com a transformação da realidade concreta, o que é contextualizado com excelência no artigo “Militância real e a performance ‘revolucionária’”, dos camaradas da UJC do núcleo Ruy Mauro Marini de Londrina.

Manifestantes do sul da Coreia usaram trajes alusivos à série em Seul, no dia 20 de outubro I CHRIS JUNG/NURPHOTO/GETTY

A Netflix é uma empresa que dificilmente dará munição para um trabalho de construção do poder popular. A própria arte tem os seus limites na luta pela emancipação da classe trabalhadora. No campo da comunicação não é diferente: um jornal popular, como O Momento, tem o dever de levar um ponto de vista contra a ordem burguesa. É uma tarefa árdua, tendo em vista a falta de recursos do jornal e de tempo dos militantes. 

Já a burguesia, por sua vez, emplaca com facilidade, através da Radio Free Asia, um veículo de baixa credibilidade financiado pelo governo dos Estados Unidos, a notícia de que um homem foi condenado à morte por distribuir Round 6 na Coreia Popular. A RFA, vale lembrar, costuma noticiar mortes falsas de pessoas na Coreia Popular e em seguida corrigir a informação, quando a “pessoa morta” faz aparição pública.

Ao mesmo tempo em que a excelente página do Instagram História Cabeluda, do camarada Gustavo Nassar Gaiofato, trouxe uma thread em que explica por que Round 6 é uma série sobre o capitalismo, marcas como a Heineken aproveitaram o sucesso da produção coreana para lançar em sua propaganda um anúncio que faz alusão a um dos seis jogos disputados pelos personagens. Infelizmente, a postagem de Gustavo foi menos vista do que o anúncio da marca de cerveja holandesa, que não demonstrou ter tanta preocupação em promover uma “série anticapitalista”.

Imagem: Divulgação/Heineken

Termino este texto, camaradas, sem deixar de sugerir Round 6, afinal de contas, é um trabalho muito bem feito, com uma história emocionante. No entanto, deixo as emoções com a própria trama, sem qualquer expectativa de que a produção possa colaborar para uma conscientização coletiva, se é que há entre nós muita gente com esta expectativa. Não por desacreditar no poder da arte, mas por entender que a burguesia não dorme no ponto e não cria munição para a luta e criação do poder popular. Quando muito, a burguesia transmite resignação diante da dura realidade que ela mesma sustenta. Quem cria o poder popular somos nós. Na arte, na comunicação e, principalmente, nas ruas!

 

Referências:

CLARK, Caitlyn. Round 6 é uma alegoria do inferno capitalista. Jacobin Brasil, 2021. Disponível em: <https://jacobin.com.br/2021/10/round-6-e-uma-alegoria-do-inferno-capitalista/>. Acesso em 26 de janeiro de 2022.

ESTEVÃO, Carol; OLIVEIRA, João; QUINA; Guilherme. Militância real e a performance “revolucionária”. UJC, 2021. Disponível em <https://ujc.org.br/militancia-real-e-a-performance-revolucionaria/>. Acesso em 26 de janeiro de 2022.

MELO, Cristino. Round 6 é a série de maior sucesso da história da Netflix. Mundo Conectado, 2021. Disponível em: <https://mundoconectado.com.br/noticias/v/20998/round-6-e-a-serie-de-maior-sucesso-da-historia-da-netflix>. Acesso em 26 de janeiro de 2022.

OLIVEIRA MARTINS, Karina. Round 6 – A distopia do capital e a saúde mental impossível. Lavrapalavra, 2021. Disponível em: <https://lavrapalavra.com/2021/12/03/round-6-a-distopia-do-capital-e-a-saude-mental-impossivel/>. Acesso em 26 de janeiro de 2022. 

QUEIROGA, Louise. Manifestantes com roupas de ‘Round 6’ na Coreia do Sul expõem os ‘problemas reais’ do país, diz especialista. O Globo, 2021. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/manifestantes-com-roupas-de-round-6-na-coreia-do-sul-expoem-os-problemas-reais-do-pais-diz-especialista-1-25246665>. Acesso em 26 de janeiro de 2022.

SANDER, Debora. Coreia do Norte condena homem à morte por distribuir série “Round 6” no país. CNN Brasil, 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/coreia-do-norte-condena-homem-a-morte-por-distribuir-serie-round-6-no-pais/>. Acesso em 26 de janeiro de 2022. 

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