Entrevista do Momento: Carole Boyce Davies

Por Milton Pinheiro

O Momento: Professora, quais são as influências de sua origem caribenha-americana em sua trajetória intelectual e em sua postura política radical?

Caroline Davies: Minha origem caribenha tem sido absolutamente fundamental para quem sou, como eu abordo a educação, a vida acadêmica, a família, os colegas e todo o conjunto de experiências que me definem. O aspecto americano dessa identidade foi talvez aditivo inicialmente, mas agora é totalmente constitutivo por algumas razões. Em primeiro lugar, está a compreensão de que, quando penso no que é definido como americano (já consciente do erro colonial na definição da nomenclatura), de uma maneira mais avançada, inclui a América do Norte, Central e do Sul, na qual o Caribe também está localizado ou continuamente em interação com as Américas, conforme o acadêmico cubano José Marti definiu em “Nuestra America”. Como tal, trabalhar através das formas como nos autodenominamos e/ou como eu me denomino em relação aos meus vários lugares de vida, “Caribenho-Americano” oferece uma perspectiva mais ampla do que qualquer um desses termos separadamente. Além disso, aprendemos cada vez mais como os caribenhos influenciaram o que é identificado como América do Norte e de fato a transformaram politicamente, culturalmente e socialmente. Eu nasci em Trinidad e Tobago, e quando eu buscava descrevê-lo do ponto de vista do Brasil, era identificada como a primeira ilha que você encontra quando olha a partir da América do Sul, e o inverso é a descrição do ponto de vista do norte. Na verdade, estamos a aproximadamente onze milhas da Venezuela, e uma vez que pesquisei, foi descrito como zero milhas náuticas. Essa proximidade historicamente significou uma grande interação entre o que agora são as Américas, desde os indígenas Caríbdis ou Kalinago que ainda vivem em Trinidad até os Tainos e vários povos nativos dos EUA.

Quanto à postura política radical, muitas vezes identificada com o Caribe, alguns dizem que é essa mesma proximidade com a América do Sul que criou um povo aberto a diversas correntes, oceânicas, educacionais e políticas. Trinidad foi uma colônia espanhola, embora administrada posteriormente pelos franceses e depois pelos britânicos, e muitas vezes os africanos que viviam lá não tinham gerentes reais de plantação, então constantemente resistíamos à dominação. Assim, para escritores como Earl Lovelace, a resistência está incorporada na identidade de muitos caribenhos, influenciada pela primeira Revolução Haitiana contra a escravidão (1804), que criou o Haiti e várias outras versões em todo o Caribe. Mas, mais particularmente, os projetos políticos como o Pan-Africanismo não ocorreram apenas como movimentos políticos, mas podem ser ouvidos preliminarmente como proto-Pan-Africanismo em canções desejando essas conexões, contos populares de voltar voando para a África e movimentos religiosos como no Brasil, como o candomblé, no qual os orixás africanos fazem sua presença e incorporam realmente sujeitos caribenhos em rituais espirituais; tradições de carnaval que consistentemente resistem aos modos colonialistas e desafiam hierarquias e “ocupam espaço”, reinterpretando tradições africanas de mascarar e música em cada nova localidade, desde a criação da Steelband em Trinidad e até tradições de música e moda na Jamaica; padrões culinários de temperar e condimentar alimentos que se irradiam para fora, como indico em meu livro “Caribbean Spaces” (2013).

OM: Um dos temas de sua extensa pesquisa é “estudos de mulheres e gênero”. Quais são os elementos centrais que nos permitem entender esse tema?

CD: Em meu livro mais recente, “Direitos das Mulheres Negras. Liderança e as Circularidades do Poder” (2022), eu utilizo a lógica de “metade do mundo”, popularizada por Claudia Jones como sua própria formação teórica e usada como título para sua coluna de jornal na década de 1950, antes da Década da Mulher das Nações Unidas popularizá-la. O argumento é que as mulheres constituem metade do mundo e, como tal, têm direito a metade dos recursos do mundo e metade das decisões sobre como esses recursos são gastos e onde são enfatizados. A parcela demográfica mundial em que as mulheres são consistentemente identificadas entre 49,6 e 51% do mundo, de acordo com avaliações das Nações Unidas e outras populações, serve como base legítima para a igualdade e, acima de tudo, para o acesso a pelo menos metade dos recursos e estruturas representativas do mundo. Na formulação de Claudia Jones, conforme descrito em meu livro “À Esquerda de Karl Marx. A Vida Política da Comunista Negra Claudia Jones” (2007), enquanto para Claudia Jones, a lógica de “metade do mundo” carregava a assertiva essencial materialista-feminista de que “as mulheres compõem metade da população mundial e, como tal, precisam ser representadas de forma semelhante em termos de recursos, acesso e identificação”, isso acaba sendo uma questão prática de distribuição e, portanto, da necessidade, no mínimo, de paridade. Em outras palavras, a formulação de “metade do mundo” nos lembra que ainda estamos negociando os direitos da “metade do mundo” serem participantes plenos no mundo em que vivemos. Portanto, em meu trabalho atual, defendo que não podemos nos satisfazer apenas com um ou dois representantes nominais na política, mas devemos estar sempre defendendo a metade como padrão. Os Estudos de Mulheres e Gênero consistentemente argumentam que não podemos reivindicar uma representação democrática plena quando as mulheres não fazem parte das negociações padrão em todos os níveis. Assim como existe a supremacia branca, existe a supremacia masculina. Grande parte do trabalho inicial sobre mulheres negras e estudos de gênero tratava das questões de representação na literatura, na vida social, cultural e política. Grande parte da pesquisa sobre representação é de fato, onde muitos de nós começamos, indo além de afirmar que as mulheres tinham identidades culturais diferentes dos homens, passando pela Teoria da Perspectiva (Standpoint) e uma grande quantidade de trabalho para afirmar, definir e criticar a política feminista. Mais recentemente, questões de sexualidade e afirmações LGBTQ trouxeram à tona outras posições submersas, todas afirmando os direitos de viver no mundo sem medo de perseguição, subordinação ou apagamento. Atualmente, novos trabalhos sobre feminismo negro de esquerda ou trabalhos ativistas negros de esquerda, como os de Charisse Burden Stelly e Jodi Byrd, “Organize, Fight, Win”: Escritos Políticos de Mulheres Comunistas Negras (2022), nos fornecem material adicional para estudo. Eu ministrei um curso de estudo de pós-graduação em Feminismo Negro Decolonial para destacar parte das novas pesquisas e indicar que o trabalho sobre feminismo negro avançou desde sua inserção inicial para incorporar algumas vertentes diferentes.

OM: Na cena internacional, como é a produção intelectual de mulheres negras?

CD: Uma bibliteca substancial de materiais foi adicionada em todos os campos, marcando o início na década de 1980 com o surgimento dos Estudos de Mulheres Negras e da atividade feminista negra nos Estados Unidos. No entanto, a linha do tempo precisa ser ajustada, pois movimentos semelhantes estavam ocorrendo em países africanos durante os movimentos de independência, muitas vezes com grande participação das mulheres, na década de 1960, com o envolvimento das mulheres nas lutas de libertação. Assim, no Quênia, Gana, Nigéria, escritoras como Micere Mugo, Molara Ogundipe, Ama Ata Aidoo, duas das quais perdemos em 2023, eram jovens mulheres na década de 1960, de uma geração que consistentemente esclareceu o papel das mulheres na formação desses países. Elas escreveram poesia, peças, artigos; criaram organizações como AAWORD no Senegal, WIN na Nigéria, para promover um discurso sobre as mulheres. Na África do Sul, as mulheres foram fundamentais para as lutas de libertação, incluindo o ativismo heroico de Winnie Mandela e as mulheres que lutaram contra o apartheid quando os homens estavam no exílio ou detidos. Muito trabalho novo esclareceu que a influência não veio apenas da Europa ou dos Estados Unidos, mas foi gerada pelo fato de que as mulheres estavam envolvidas em movimentos de libertação em todo o continente. Eu documento parte desse trabalho em meu livro mais recente “Direitos das Mulheres Negras” (2022), especialmente nos Capítulos 2, 3 e 4. Revistas como Feminist Africa têm sido locais intelectuais para a publicação de trabalhos nas áreas de ciências sociais que documentam os papéis das mulheres em suas sociedades. Novos livros sobre liderança feminina, como os da historiadora Nwando Achebe “Monarcas e Rainhas Comerciantes Femininas na África” (2020), reexaminam o papel das mulheres historicamente como monarcas, sacerdotisas, líderes em geral. O recente surgimento de filmes sobre mulheres-reinas captura parte desse trabalho intelectual. Mas, significativamente, os escritores criativos têm avançado muito dessa discussão consistentemente em um quadro que chamo de liderança literária feminista. A Africa World Press, sediada em Nova Jersey, África do Sul e Etiópia, publicou uma variedade de coletâneas editadas que fornecem perspectivas emergentes sobre várias escritoras. A pesquisa nos Estados Unidos tem sido substancial, com pelo menos três gerações de estudos em diversas áreas, reexaminando o feminismo a partir de uma lente decolonial, avançando questões do radicalismo negro no que diz respeito às mulheres, como Charlene Carruthers em “Inapologética: Um Mandato Negro, Queer e Feminista para Movimentos Radicais” (2018), fornecendo nova linguagem teórica como misogynoir (algo como misoginia negra), misoginia manifestada na experiência das mulheres negras, que inclui as combinações de racismo e sexismo em relação à forma como as mulheres negras são tratadas em culturas sobrepostas, e, é claro, o trabalho de Kimberly Crenshaw no campo jurídico e seu avanço da teoria da interseccionalidade, agora aceita como linguagem conceitual em diversos contextos. O Caribe também viu um aumento significativo em uma geração de novos escritores criativos, ganhando importantes prêmios por meio de estruturas organizacionais como o Prêmio Literário BOCAS, sediado em Trinidad, e o festival de escritores Calabash na Jamaica. A Associação de Escritoras e Acadêmicas Caribenhas, da qual fui uma das fundadoras, realizou recentemente sua conferência na Costa Rica e homenageou uma escritora/ativista política chamada Eulalia Bernard (1935-2021), que estava no mesmo patamar de ativistas afro-brasileiras como Lélia Gonzalez. Em Londres, “Filhas da África” de Margaret Busby tem sido formidável em suas versões inicial e revisada (1994/2019).

OM: Quais são as principais questões dos estudos da diáspora africana na literatura e cultura?

CD: Preencher consistentemente as lacunas em nosso conhecimento permanece primordial, especialmente porque lidamos com a compreensão de que a Diáspora Africana é global. De forma relacional, entender nossas conexões, similaridades e diferenças continua sendo uma tarefa crucial. A Associação para o Estudo da Diáspora Africana Mundial (ASWAD), que se reúne bienalmente, tem como tarefa o avanço desse conhecimento. E definitivamente, resistir contra as tentativas de apagamentos e distorções provenientes de vários governos de Estado nos mantém consistentemente cientes de que esses ganhos de conhecimento não devem ser dados como garantidos. Quando editei uma coletânea intitulada “Enciclopédia da Diáspora Africana” (2008), só nos foi permitido ter 3 volumes. Claramente, há uma possibilidade para um alcance mais extenso do que se pode imaginar, e, na verdade, isso exige o trabalho de uma comunidade global intelectualmente diversa. As novas tecnologias virtuais online nos permitem ter uma visão mais abrangente para uma nova geração de conhecimento. A UNESCO recentemente publicou seu volume sobre a Diáspora Africana editado pela historiadora brasileira Vanicleia Silva Santos. Dado que a produção é multilíngue, isso será uma fonte de novas informações com impacto extensivo em espanhol, francês, português e inglês.

Para este Volume 10 da série História Geral da África da UNESCO, tive o prazer de editar uma seção sobre “Negritude Global”, que incluiu os seguintes temas:

Finalmente, em termos de cultura popular, as comemorações deste ano do aniversário do movimento Hip Hop também têm impacto na produção cultural oral desse movimento cultural, com seu alcance criativo e político internacional, tornando-se claramente um fenômeno diaspórico africano com criatividade em toda a Europa, África, Caribe, América Latina e Brasil.

A Diáspora do Oceano Índico é uma área menos conhecida e discutida, mas digna de uma incorporação substancial no pensamento geral sobre comunidades mundiais além das diásporas atlânticas (norte e sul). De fato, toda a costa leste da África, Tanzânia, Quênia, Etiópia e os países do norte da África precisam de mais trabalho, assim como as comunidades em todo o Oriente Médio. Sim, existem afro-palestinos.

OM: Como você observa, diante do crescimento da participação feminina na política, o avanço das lutas de gênero e como essas liderança tem se comportado?

CD: Embora meu estudo tenha se concentrado em mulheres negras e liderança política, existem várias áreas adjacentes por meio das quais também se pode estudar as trajetórias de liderança das mulheres negras. Perfis de mulheres negras e de lideranças estão disponíveis na religião, entretenimento, especialmente nas indústrias de cinema e música, instituições acadêmicas e, definitivamente, no ativismo ao nível de base nas comunidades, ou ao nível local e nacional. Cada uma dessas áreas merece e, eventualmente, terá seus próprios estudos ao longo do tempo. Várias autobiografias de mulheres negras no entretenimento, como Grace Jones, “I’ll Never Write My Memoirs” [Eu nunca escreverei minhas memórias] (2016), ou a subsequente de Cecily Tyson, “Just As I Am: A Memoir” [Simplesmente como eu sou: uma memória] (2021), também merecem estudos mais aprofundados.

Minha própria experiência pessoal como mulher negra lidando com algumas dessas mesmas questões de desigualdade na academia de certa forma estimulou meu estudo. Isso foi documentado em meu artigo disponível online sobre “A Persistência do Sexismo nos Estudos Africanos”, que, de muitas maneiras, incluiu que os contextos institucionais mais amplos, com suas estruturas e expectativas racializadas e de gênero, de fato facilitaram ou continuam a apoiar esses processos dominados por homens, mesmo às vezes com mulheres brancas no comando dessas instituições acadêmicas. Mulheres negras no corpo docente de várias universidades que levantam questões de misoginia ou misogynoir muitas vezes são vistas como não agindo como colegas e, portanto, sendo elas mesmas o problema, em oposição à liderança masculina recalcitrante e às vezes incompetente. Minha posição é que, da mesma forma que as pessoas brancas se beneficiam da supremacia branca mesmo quando não estão praticando diretamente, mas têm ancestrais que se beneficiaram e transmitiram, os homens negros adquirem liderança e os benefícios da supremacia masculina de maneiras semelhantes. Homens negros na África e na Diáspora Africana são, portanto, culpados se não estão ativamente, assim como em suas acusações contra o racismo, resistindo e desafiando essas formas de opressão de gênero. A misoginia e o sexismo, ou no termo de Moya Bailey, misogynoir, estão embutidos nessas instituições em que trabalhamos e às vezes são intensificados ou praticados, mais ou menos, de várias maneiras em departamentos acadêmicos, governos, empresas, indústrias, dependendo das histórias institucionais.

OM: Você é autora de vários livros, poderia falar sobre seu último livro “Black Women’s Rights” [Direitos das Mulheres Negras]?

CD: “Direitos das Mulheres Negras e as Circularidades do Poder” é estimulado, em parte, pelo título, por uma conversa que tive a sorte de ter com a ex-presidente liberiana Ellen Johnson Sirleaf em 2018, na qual, quando perguntei a ela sobre mulheres e liderança, ela respondeu: “Sim, queremos o Poder e, se pudermos conseguir, a liderança.” Ela sentiu que as mulheres não deveriam recusar nunca se lhes for oferecida uma opção de liderança, já que os homens raramente recusam essas oportunidades, estejam ou não credenciados, ou preparados. Embutida nessa declaração, no entanto, está uma sutil distinção entre liderança e poder. Mas há também a coletânea editada de Eudine Barriteau, “Love and Power: Caribbean Discourses on Gender” (2012), que aborda a questão do poder também em seu título, articulando ao mesmo tempo, um conceito de poder mitigado pelo amor. Meu trabalho examina as articulações dos discursos de “Metade do Mundo” em textos de caráter legal, políticos, sociais e criativos em uma variedade de localidades africanas e da diáspora africana selecionadas, orientado pelos locais que visivelmente promoveram mulheres em posições de liderança e organizações comparáveis de direitos das mulheres. Era importante ser afirmativa e buscar essas compreensões do que acontece quando as mulheres são capacitadas, em vez de justificar inclusões de menor importância ou como “tokens”, meramente simbólicos, de uma ou duas mulheres em posições de liderança, em representações em organizações, conselhos, tribunais supremos e outras posições que impactam, mas muitas vezes não proporcionam o avanço de uma variedade de processos sociais. No que se refere aos direitos das mulheres negras, o objetivo era examinar a natureza dessas implementações de políticas avançadas por organizações internacionais em vários locais.

Meu livro “Direitos das Mulheres Negras. Liderança e as Circularidades do Poder”, de certa forma, foi gerado por uma série de perguntas desenvolvidas no contexto do ensino de um curso sobre esse tema, no qual os alunos fizeram pesquisas identificando mulheres líderes em seus países ou comunidades. Criamos em conjunto um repositório de podcasts de entrevistas com mulheres em muitos locais. Em outras palavras, o que acontece depois que as mulheres alcançam a liderança ainda é material para discussão e estudo contínuos, à medida que avançamos nesse campo em desenvolvimento. Muitas vezes, as qualidades idealizadas afirmadas tendem a desafiar as maneiras como as mulheres continuam sendo representadas. Assim, mantemos uma série de perguntas abertas para mulheres líderes:

O processo de desenvolvimento deste trabalho inclui examinar as histórias de vida de mulheres negras que alcançaram liderança política, assim como as questões circunstanciais que as tornaram visíveis. Isso incluiu o estudo da trajetória da primeira mulher a concorrer à presidência nos EUA pela chapa democrata, Shirley Chisholm, e suas duas autobiografias políticas, “Unbought and Unbossed” (1970) e “The Good Fight” (1973). O livro é organizado em capítulos que exploram diversas facetas da liderança feminina em diferentes contextos geográficos.

Enquanto “Unbought and Unbossed” [Não comprada e Não chefiada] se tornou sua marca registrada e, portanto, seja mais conhecida, o segundo livro, “The Good Fight”, no qual ela aborda sua campanha política, fornece detalhes adicionais sobre a natureza intrincada de seu próprio processo, pensamento, realizações e inclui textos de seus discursos. O exemplo de Chisholm, à medida que este estudo avançava, claramente teve um papel crucial nas campanhas de mulheres em localidades mais amplas do que os Estados Unidos, impactando o Caribe e a Europa, como evidenciado por Diane Abbott no Reino Unido, que em sua Biografia Autorizada (2020) descreve sua vinda aos Estados Unidos como convidada do Congressional Black Caucus e sendo consistentemente energizada pelo que aconteceu no que diz respeito à posse de funcionários eleitos negros nos Estados Unidos e, sem dúvida, sendo inspirada pela ousadia de Shirley Chisholm. No entanto, ainda há relativamente poucos relatos, seja por elas mesmas ou por outros, de mulheres negras em cargos políticos. Precisamos de muitos mais destes.

O livro, cujo subtítulo define o poder como não estático, mas circular, está organizado da seguinte forma:

OM: Você tem uma presença importante no Brasil, como você avalia as lutas das mulheres negras em nosso país?

CD: Primeiramente, quando cheguei ao Brasil como parte de um grupo de pesquisa no meio dos anos 1990, havia tantos gestos culturais e políticos que eram reconhecíveis para mim, mesmo que eu não falasse português inicialmente. A comida, as pessoas, a vida nas ruas, o carnaval, a sensualidade. Como caribenha, parecia uma extensão de casa para mim, com tantos ecos. Na infância, tenho memórias de ouvir rádio à noite com músicas que vinham do Brasil, então tudo isso era reconhecível, e me apaixonei por um lugar e um povo. Se eu tiver que escolher um segundo lugar para viver, seria o Brasil.

Quanto aos estudos sobre mulheres no Brasil, por muito tempo, “Benedita da Silva: An Afro-Brazilian Woman’s Story of Politics and Love” (1997) foi o único texto do gênero no campo do estudo da história política das mulheres afro-brasileiras, assim como “Carolina Maria de Jesus: Child of the Dark” para a literatura. Desde então, impulsionado pelo trabalho de estudiosos como Sueli Carneiro, há mais trabalhos, como alguns livros futuros sobre Lélia Gonzalez e muitas obras literárias com amigos que fiz durante minha primeira visita, como Conceição Evaristo, que agora é um ícone literário brasileiro. Durante minha primeira visita, enquanto procurava escritoras negras, continuavam me dizendo para procurar Toni Morrison, até que comecei a conhecer as escritoras afro-brasileiras pessoalmente, começando com Miriam Alves. Posteriormente, estendi meu ciclo de pesquisa no Brasil para examinar a questão das mulheres, criatividade e poder, e até mesmo examinei um afoxé composto apenas por mulheres em Salvador (Filhas d’Oxum) para pesquisa e escrevi um capítulo de livro sobre isso. Também entrevistei mães de santo no Rio de Janeiro e Salvador, pois as via como portadoras de criatividade e poder em sua expressão religiosa. Uma das entrevistas mais memoráveis foi com Iyá Mãe Beata De Iemanjá, uma praticante querida do sistema de crenças espirituais/culturais afro-brasileiros do Candomblé, que havia escrito um livro intitulado “Caroço de Dendê. A Sabertoda dos Terreiros” (1997), além de contos e poemas. Acompanhada pela poetisa e ativista Lia Viera, visitei seu terreiro, o Ilê Axé Omiojuaro em Miguel Couto, Nova Iguaçu, que funcionava como um local de desenvolvimento comunitário e bem-estar juvenil e sustentabilidade. Mãe Beata incorporava de muitas maneiras essa conjunção de criatividade e poder, e a visita incluiu sua leitura de suas obras criativas.

Meu capítulo sobre mulheres e política no Brasil começa afirmando que uma das representações e articulações contemporâneas mais visíveis da liderança feminista negra de esquerda existia na pessoa de Marielle Francisco da Silva, conhecida popularmente como Marielle Franco. Esta ativista política afro-brasileira foi assassinada em 14 de março de 2018, claramente por suas posições políticas avançadas sobre a necessidade de plenos direitos humanos para comunidades historicamente desfavorecidas no Brasil: mulheres negras, os habitantes pobres dos centros urbanos, em grande parte combinações de afrodescendentes e indígenas, as comunidades LGBTQ e trans. Como de costume, o assassinato teve o efeito oposto, pois eliminou sua presença física, mas, em vez disso, avançou, consagrou e estendeu o reconhecimento específico de suas contribuições, e sua presença icônica na história brasileira foi tornada permanente. Em todos os relatórios de notícias, ensaios e análises visuais, seu assassinato a transformou em um ícone formidável. “Marielle Presente!” ou “Marielle Vive!” tornou-se o grito em vários eventos comemorativos no Brasil e ao redor do mundo após sua morte. De fato, o significado da vida e da morte de Marielle tornou-se uma presença tangível em uma variedade de projetos em todo o Brasil e em todo o mundo, desde grandes murais até o nome de instituições e projetos e, acima de tudo, a influência.

Reconectar os pontos na liderança feminista negra entre as afro-brasileiras reposiciona necessariamente a importância de Lélia Gonzalez em um momento crítico (especialmente nas décadas de 1960 e 1980) na história do Brasil, mas também como uma importante contribuinte para o pensamento feminista negro em suas dimensões internacionais. Como talvez a única intelectual negra feminista importante da geração de ativistas intelectuais negras dos EUA, Angela Y. Davis, entre seu grupo de intelectuais negras ativistas, Lélia Gonzalez foi citada pela socióloga Flavia Rios como conselheira de Benedita da Silva em seu primeiro mandato legislativo no Rio de Janeiro, mas consistentemente ativada como uma intelectual negra feminista e ativista política. Mas meu capítulo detalha que houve mulheres negras consistentemente envolvidas na vida política no Brasil.

Recentemente, recebi um livro sobre Beatriz Nascimento, uma ativista contemporânea de Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez, intitulado “A Dialética Está no Mar” (2023).

Bio

Carole Boyce-Davies preside o departamento de Inglês na Universidade Howard e é Professora H.T. Rhodes de Humanidades e Letras (título de professorado concedido e nomeado em homenagem ao 9º presidente de Cornell) e Professora de Estudos Africanos e Literatura anglófona na Universidade Cornell. É autora do premiado “À esquerda de Karl Marx: A vida política da Comunista Negra Claudia Jones (2008)”; A escrita e identidade clássica da Mulher Negra: Migrações do Sujeito (1994): Espaços Caribenhos. Rotas de escape de zonas de crepúsculo (2013) sobre a internacionalização da cultura caribenha: e a história de uma criança bilíngue Caminhando/An Avan (2016/2017) em Kreyol haitiano e inglês. Em adição a centenas de ensaios, artigos publicados e grandes periódicos profissionais. A Dra. Boyce-Davies também publicou quinze edições críticas sobre Africanos, Diáspora Africana e Literatura Caribenha e cultura, como a coleção de dois volumes de escrita crítica e criativa “Movendo-se além das fronteiras” (1995): Dimensões internacionais da escrita da Mulher Negra (volume I), Diásporas da Mulher Negra (volume 2): o terceiro volume Enciclopédia da Diáspora Africana (Oxford: ABC-CLIO, 2008 e Claudia Jones para além do Confinamento: Referências autobiográficas, Poesia, ensaios (2011) e Conexões Pan-africanas (2019). É membra do Comitê científico da UNESCO para a atualização da História Geral da África. Editou o fórum epistemológico sobre “Negritude Global” para o volume da Diáspora Africana e é membra do Comitê Científico do Fórum de Humanidades Africano (baseado em Mali). Sua publicação mais recente “Direitos da Mulher Negra. Liderança e as Circularidades do Poder (2022/2023). Ex-presidente da Associação de Estudos Caribenha que organizou sob sua liderança a primeira Conferência CSA no Haiti em 2016.. Seus ensaios e avaliações populares têm sido publicados no The Guardian (Londres), The Washington Post, The Crisis, Ms. Magazine Jornal Ithaca, The Black Scholar, Miami Herald, Trinidad Express, Trinidad Guardian, Caribbean Today, Caribbean Contact, Newswee.

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