Por João Pedro Aguiar –
ELEIÇÕES NA VENEZUELA – No dia 6 de dezembro a Venezuela realizou suas eleições parlamentares, a qual o pleito destinava 274 vagas na Assembleia Nacional (AN). O processo eleitoral sucedeu consequentes tentativas de desestabilização e golpes de Estado promovidos pelo imperialismo norte-americano, em associação com a extrema-direita venezuelana, a qual representa a burguesia interna. Desde 2018 os Estados Unidos se empenhou, a partir da política externa de Trump, em produzir sanções econômicas e diplomáticas violentas, retenção do patrimônio nacional depositados em bancos estrangeiros (como U$ 1 bilhão retidos pelo banco da coroa inglesa em toneladas de ouro), incursões militares mercenárias do imperialismo e ações terroristas frustradas, além da tentativa de golpe de Estado nomeando unilateralmente Juan Guaidó como autoproclamado presidente – a qual foi igualmente frustrada.
A segmentação dentro da própria direita, na qual setores que antes apostavam no boicote eleitoral passaram a assumir o processo eleitoral, enfraqueceu o bloco aliado ao imperialismo, permitindo a conformação de maioria absoluta do PSUV na Assembleia Nacional com 3/5 das cadeiras dispostas no parlamento. Contudo, esta eleição também foi um marco na esquerda bolivariana e no bloco antiimperialista. Pela primeira vez, partidos de esquerda se separaram na disputa eleitoral a partir das divergências na condução política e econômica do PSUV. O Partido Comunista da Venezuela (PCV) liderou a conformação da Alternativa Popular Revolucionária (APR), junto a outras organizações revolucionárias como o Corriente Marxista Lucha de Clases, MRB-200, Partido Revolucionário del Trabajo, Red Autonoma de Comuneros, Compromiso País, Somos Lina, Izquierda Unida, setores do Pátria Para Todos (PPT), cuja principal bandeira é o reagrupamento das forças revolucionárias, para aprofundar a revolução bolivariana e a tomar de medidas concretas para superar a crise do capitalismo rentista e dependente da Venezuela, em ruptura no rumo do socialismo.
No entanto, se por um lado o chavismo conseguiu uma imponente vitória eleitoral contra a direita e o imperialismo, as contradições do reformismo do PSUV ficaram mais nítidas. O governo de Nicolás Maduro aposta como saída às sanções e a crise econômica medidas de conciliação com a direita e a burguesia venezuelana, qualificado segundo documento publicado pelo PCV em agosto como “ajuste macroeconômico burguês”. A resposta do PSUV à crise tem gerado perda significativa nos salários e regressões significativas nas conquistas sociais do processo Bolivariano liderado por Hugo Chávez, enquanto os setores da burguesia importadora e monopolista aumentaram suas taxas de lucro.
O PCV e a APR também propõem imediatamente a revisão da Ley Anti-Bloqueo, que qualificam como lei anti-patriótica e anti-bolivariana em pronunciamento realizado em outubro de 2020: “Com esta ação, o governo persegue em fazer a efetiva entrega de nossa indústria petroleira ao capital transnacional, a devolução de terras aos latifundiários e a retomada de empresas nacionalizadas ao setor privado, a abertura ao capital monopolista dos setores econômicos estratégicos reservados pela constituição ao estado venezuelano, a venda de ativos e empresas da República ao menor licitante, oferecer garantias leoninas contrárias aos interesses do país, não contemplados em nossa constituição e leis, aos capitais monopolistas e ceder soberania nacional permitindo que empresas transnacionais possam demandar [judicialmente] nosso país em tribunais internacionais” [link].
As denúncias e movimentações de disputar a liderança da revolução bolivariana, por parte da APR e do PCV, foram recepcionadas com censura e descumprimento das obrigações eleitorais por parte do governo do PSUV, através do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A começar que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) suspendeu a direção nacional do PPT, que estava inicialmente dentro da APR, delegando a uma junta minoritária interna a direção do Partido. Fato que já havia ocorrido com o Tupamaros e o Unión Popular Venezuela, o TSJ instrumentalizou uma medida administrativa judicial, ingerindo na dinâmica interna destes partidos, para inviabilizar a criação da APR e garantir as alianças que o PSUV não conseguiu conformar no terreno da política.
Outra medida de censura foi a exclusão do direito de veicular a propaganda eleitoral nas redes de televisão e emissoras de rádio, públicas e privadas, que segundo o PCV viola “o artigo 80 da lei de processos eleitorais que obriga os meios de comunicação a difundir a propaganda eleitoral das organizações participantes”, a qual o PCV denuncia como “instrução governamental” em sua Carta aos Partidos Comunistas e Operários do Mundo. Enquanto a direita, que participou ativamente dos processos de desestabilização e a tentativa de golpe de estado, dispôs de ampla permissividade para difundir seu programa no período eleitoral.
Mesmo sob duras condições, a APR logrou conquistar 167.000 votos e uma cadeira no parlamento venezuelano. Uma vitória política expressiva que soube contornar todos os reveses desde sua criação no início de agosto. Sinal que a revolução bolivariana ainda pode vencer as agressões do imperialismo e superar limites do reformismo burguês, aprofundando as tarefas revolucionárias que Hugo Chávez no final de sua vida reforçou: a necessidade de construir a economia socialista e pulverizar o Estado Burguês, tomando o poder político para o proletariado, os comuneiros e camponeses da Venezuela. Otro Gallo Cantará.