Por Rodrigo Cabral
Resistência Pataxó contém mais um ataque a Terra Indígena de Ponta Grande
“Não. FUNAI hoje ela é… dizendo pra você. FUNAI hoje ela criou o genocídio dos indígenas brasileiros. Eu fiz um vídeo que ta circulando por aí ainda, eu creio que ta na internet por ai, repudiando essa nota da FUNAI. A FUNAI hoje pra nois ela não existe, né. Pra direitos dos povos indígenas ela não existe. Existe FUNAI, a gente sabe que existe FUNAI. Mas a FUNAI mesmo não ta fazendo nada pros povos indígenas.“
Esse foi o relato do Cacique da Aldeia Novos Guerreiros, o Antônio José, quando perguntado acerca das críticas relativas à atuação da FUNAI em detrimento dos indígenas e citando uma nota da FUNAI isentando-se da responsabilidade diante da solicitação de reintegração de posse no território da Aldeia. Os Pataxós da aldeia Novos Guerreiros, no mês de agosto, passaram por uma situação de sufoco e perigo para as famílias. Foram, novamente (já receberam mais de 4 liminares de reintegração de posse do período que ocupam a área), submetidos a uma liminar de reintegração de posse, que foi viabilizada também por conta da irresponsabilidade da FUNAI em dar celeridade aos processos de demarcação de terra. Em entrevista com o Cacique Antônio, foi possível ter uma leitura mais interna da atual conjuntura na qual os indígenas se encontram e soube o ocorrido na Aldeia Novos Guerreiros.
No dia 27 de agosto, uma quinta-feira, a polícia federal surge na aldeia Pataxó Novos Guerreiros, localizada na Terra Indígena (TI) Ponta Grande, município de Porto Seguro, tendo em mãos uma liminar de reintegração de posse que solicitava uma área de 401,09 m², onde vivem 24 famílias indígenas. Com a chegada da polícia e a ordem de despejo justificada no documento, as lideranças locais foram imediatamente dialogar com as autoridades em busca de uma melhor compreensão da reivindicação e também pensando na proteção das famílias durante a época de pandemia em que vivemos.
Após algum tempo de diálogo e tensionamentos, as lideranças indígenas que estavam no local notaram que a própria fotografia aérea que estavam sendo usada como base de identificação do local não correspondia a área da aldeia, o que resultou em uma retirada temporária das autoridades policiais do local naquele momento. Segundo o Cacique: “nem eles mesmo sabiam onde era a localidade da reintegração de posse, aonde era a área, que nós estávamos em outra área. A área que que eles (os policiais) pleiteavam eram uma e nós estávamos em outra área. Os 401 m² eram na cabeceira da pista e nós tava na lateral da pista.”
A liminar foi concedida pelo juiz federal Pablo Baldivieso, do município de Eunápolis, no dia 20 de agosto, com um prazo de 5 dias para a saída voluntária dos que estão no terreno. Na área de litígio vivem 24 famílias, mas que totalizam mais de 2.500 famílias que vivem nas aldeias do TI Ponta Grande e TI Coroa Vermelha, dois territórios indígenas do município de Porto Seguro. Os autores da reivindicação são os donos da Escola de Pilotagem Sky Dream, uma área adjacente ao território da aldeia onde são realizadas formações de piloto e também faz alguns pequenos “passeios” aéreos, já que comporta aeronaves de pequeno porte. Depois da primeira reivindicação, os autores alegaram erro no material e ampliação da área para 134.000 m², o que irá atingir todo o TI Ponta Grande. Dessa forma, fica evidente o interesse econômico dos donos da escola em ampliar a pista de pouso em detrimento da própria vida das famílias indígenas, que podem estar em uma situação de alta vulnerabilidade caso sejam despejadas de suas casas. O município é uma área onde há de grande especulação imobiliária em virtude do turismo e também pressão da agroindústria local.
Tendo em vista a grave crise sanitária e civilizatória que estamos vivendo com o COVID-19, o Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou em 6 de maio de 2020 que fossem suspensos os processos contra terra indígena. Dessa forma, além da própria garantia constitucional de demarcação que os indígenas têm sobre a terra que tradicionalmente ocupam, colocada no artigo 231, durante esse período atípico de pandemia que vivemos, o despejo de famílias indígenas de suas terras está especialmente suprimido.
A COVID-19 já matou 837 indígenas no Brasil, com 34.816 casos confirmados e 158 povos atingidos, segundo dados da APIB do início de outubro. Além disso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), solicitou desde 17 de março de 2020 ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) providências para a suspensão, em todo o país, do cumprimento de mandados coletivos de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais, seja em áreas urbanas ou rurais. A intenção é atuar preventivamente para coibir a propagação da infecção pelo novo coronavírus. Essas medidas tem o objetivo de buscar garantir minimamente o direito ao isolamento social e quarentena, que é impossível de ocorrer em caso de um despejo de 24 famílias de uma terra historicamente ocupada, e que vão estar exponencialmente mais vulneráveis no contexto de crise sanitária em que vivemos.
Outro agravante é que o TI de Ponta Grande já se encontra sobre processo de demarcação, acompanhado pela FUNAI, onde existe, desde 2017, um Grupo de Trabalho realizando um relatório de estudo multidisciplinar para demarcação. Na base de dados da FUNAI, a região de Ponta Grande aparece como “Em estudo” e é classificada como “Tradicionalmente ocupada”. Observa-se o papel bastante problemático da FUNAI na relação com as comunidades indígenas, onde a instituição não consegue garantir a celeridade dos processos de demarcação, o que agrava a vulnerabilidade das famílias que vivem naquele território, assim como não consegue impedir os processos de despejo e reintegração de posse que periodicamente ocorrem, como foi omissa com o caso da Aldeia Novos Guerreios. Além disso, o Cacique também apontou sobre a forma como a FUNAI tem agido em benefício dos latifundiários e ruralistas, inclusive apontando o presidente da FUNAI, Marcelo Augusto Xavier da Silva, um delegado da polícia federal, enquanto um dos responsáveis pela atual situação.
Relativo ao processo de demarcação e o extremo atraso o Cacique colou que:
“Isso, a FUNAI não tomou nenhuma providencia nisso, né. Hoje são muitos territórios indígenas que estão ai sem demarcação, por culpa da FUNAI. Eu vou dizer assim, por culpa da FUNAI, né. FUNAI, quer dizer, é um órgão, mas as pessoas que trabalham lá é que são verdadeiramente irresponsáveis e que não faz por onde acontecer. Só tão lá pra ganhar somente o salário deles e pronto, né. Mas que ela faz o que tem que fazer ela nunca fez e não vai fazer agora também. Com esse governo que ta ai não né. A gente espera que se haver uma mudança que a FUNAI também mude, mas mude pra melhor. Porque agora também ela não… Piormente nesse governo. Se ela já não tava fazendo nada, imagina nesse governo agora. Agora que ela não ta fazendo mesmo.”
No dia 2 de setembro, a liminar foi suspensa pela Desembargadora Federal Daniela Maranhão Costa, com base nos argumentos apresentados acima e também irregularidades nos documentos de posse apresentados pelos representantes da escola de pilotagem. Porém, a suspensão da liminar não é nenhuma garantia de proteção, pois trata-se de uma resolução temporária. Em declaração final, o cacique também apontou a posição extremamente omissa e problemática da prefeitura de Porto Seguro e também do Governo da Bahia com a atual situação dos indígenas relativos a demarcação de terra e garantia de condições mínimas de dignidade para a população indígena.