Brasil e a política proselitista no Afeganistão

Foto: Alan Santos/PR

Foto: Alan Santos/PR

Por Pa. Romi Márcia Bencke – CONIC

“A pessoa imigrante que mora convosco será para vós como uma compatriota, e vós a amareis como a vós mesmos”. (Lv 19:34)

“Felizes as pessoas que promovem a paz, pois elas serão chamadas filhas de Deus (Mt 5.9).

Não é novidade que o atual presidente brasileiro, ao representar nosso país em eventos internacionais, apresenta dados e informações desconectadas e distorcidas da realidade. O atual presidente vive em uma espécie de mundo paralelo, visto somente por ele e por quem o segue.

Na última Assembleia Geral da ONU, em seu discurso de abertura, o atual presidente falou sobre a concessão de vistos humanitários aos afegãos, após a retirada desastrosa e carregada de “não estou nem aí” dos Estados Unidos.

Conceder visto humanitário a pessoas em vulnerabilidade e que correm risco de vida em seu próprio país pode ser considerado um gesto diplomático de grande nobreza. No entanto, no caso do discurso do atual presidente, ele fez uma ressalva, a de que os vistos seriam concedidos a afegãos cristãos. Se brincássemos do jogo dos sete erros, seria muito fácil identificar erros crassos na afirmação do presidente em seu discurso de abertura na ONU. Primeiro erro: nenhum visto humanitário pode ser discriminatório e violar os acordos internacionais assinados pelo Brasil. Segundo erro: o Afeganistão é um país com uma maioria quase absoluta de pessoas muçulmanas. O Islã está para o Afeganistão como o cristianismo está para o Brasil. Logo, a promessa de visto humanitário para cristãos afegãos é mais uma das muitas promessas inconsequentes e sem respaldo com a realidade realizadas pelo presidente.

Este fato poderia passar batido não fossem algumas agências missionárias cristãs que estão se valendo do momento de sofrimento, insegurança e medo do povo afegão para realizar ações proselitistas naquele país. Algumas destas agências apresentando testemunho deste “trabalho de salvação” dos afegãos.
Com a cabeça coberta com hijab, como estratégias de aproximação das mulheres muçulmanas, mulheres que trabalham para estas agências missionárias têm apresentado testemunhos sobre o encontro de muçulmanos com a Bíblia e falam o que mudou na vida de um ex-muculmano.

Existe um dia específico, 18 de novembro, para a realização de uma jornada de 25 horas de oração pelas pessoas ex-muculmanas. No mês de setembro, uma igreja do sul do Brasil recebeu 25 famílias de ex-muculmanos que agora são cristãos.

Poderíamos pensar que ter uma religião ou não é decisão privada, assim como, cada pessoa é livre para escolher a religião com a qual mais se identifica. Desde esta perspectiva, poderíamos afirmar que não há problema em uma pessoa muçulmana virar cristã ou vice-versa. No entanto, ao observar os fatos com atenção, percebe-se que, no caso de afegãos que deixaram de ser muçulmanos, a realidade é mais complexa. Estas “conversões” são resultado de dinheiro investido em agências missionárias, que a partir de um discurso de ajuda humanitária, se aproveitam do atual contexto dos afegãos para colocar em prática a antiga aliança entre colonialismo e religião.

A acolhida a pessoas imigrantes e refugiadas é um preceito bíblico, logo acolher e receber bem uma pessoa migrante e refugiada é exigência da fé. No entanto, não se pode usar a vulnerabilidade e a fragilidade das pessoas para práticas proselitistas. O povo afegão, que há décadas sofre os impactos de uma agenda imperialista deve ter o direito de escolher os rumos do seu país. Cabe a eles e elas dizerem o que precisam. A nós, como consequência da fé, cabe-nos amá-los e exigir que as potências do mundo que muito lucram com o sofrimento daquele povo, assumam as suas responsabilidades e respondam por elas.

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