Por Giovani Damico
O último dia 07 de setembro foi palco de mais um dos grandes embates que entrecruzam nossa quadra histórica. De um lado, movimentos populares organizados contra as escaladas golpistas de inspiração fascista promovidas por Bolsonaro, Mourão e seus aliados. Do outro lado, igualmente mobilizada, uma horda de manifestantes em torno de uma agenda anti-povo, de cunho ultra-conservador, focada na restrição das liberdades democráticas e em defesa irrestrita do recrudescimento dos aparatos de repressão.
O momento de extrema tensão, dividiu opiniões desde bem antes de seu acontecimento. No seio do campo de “esquerda” ou “progressista” pairavam amplos debates em torno de uma questão: ocupar as ruas no dia Sete de Setembro ou não? As respostas notadamente eram das mais variadas. No campo classista de matiz revolucionária, a grande maioria das vozes apontava de forma uníssona para a necessidade incontornável de ocupar as ruas, como ferramenta de resistência contra os arroubos golpistas e como parte de uma agenda de avanço das lutas políticas no Brasil. Do outro lado, no campo reformista, de inspiração social-liberal e social-democrata, o fio condutor das argumentações caminhava em sentido oposto, ocupar as ruas seria um ato irresponsável, que colocaria em risco a população. Portanto, a solução seria aguardar em casa, torcer para as instituições resistirem até a chegada da aludida solução: as Eleições de 2022. Assim se desenhava uma forte divergência entre os que apostavam na luta, com enfrentamento quotidiano e frontal, e aqueles que se debruçam nas instituições e na crença da solução eleitoral.
O bloco bolsonarista, movimentando suas bases em tons golpistas, passou a atacar sistematicamente diversas instituições, em especial o STF – ao passo em que visava mobilizar setores da pequena-burguesia, em especial àquela situada no interior dos aparelhos de repressão, sobretudo as forças policiais. Estava assim constituído um chamamento para militares e forças retrógradas em todo o país, a tomar as ruas no dia 07 de setembro. As estratégias de enfrentamento visavam setores da institucionalidade que se opõem, sobretudo, à forma de condução do poder executivo sob Bolsonaro e Mourão, mas que guardam diversos acordos no que tange à sua agenda econômica, de caráter abertamente liberal e antinacional. De outro lado, as estratégias de mobilização guardavam um cunho anticomunista, que centra fogo nos movimentos populares, e nos projetos sociais de emancipação e, de maneira genérica, no campo da “esquerda”.
O embate do dia 07 de Setembro gerou diversas repercussões que até hoje estão tendo efeitos, levando a uma visível reconfiguração no modus operandi colocado em prática pelo Governo Bolsonaro. Essa condição abriu um flanco de dissidência no interior das fileiras bolsonaristas: esses passaram a ver no seu líder uma figura vacilante, que deixou de cumprir boa parte de suas propostas e arroubos golpistas. A tragédia, com fortes ares de farsa, teve um resultado prático muito diferente daquele esperado pelos setores da extrema-direita. As mobilizações terminaram por articular um número muito menor do que o esperado de manifestantes e contaram com resistência, ainda que tímida, de diversos setores da burguesia brasileira. Uma nota da Febraban e alguns setores da FIESP chegaram a se pronunciar em um tom de chamada para a estabilização das relações entre os três poderes, em uma desaprovação da escalada golpista. O fato mostrou um enfraquecimento do modus operandi bolsonarista e uma desagregação crescente no bloco que lhe dá sustentação, seja nas suas bases econômicas sustentadas pela classe dominante brasileira, seja nas suas bases sociais da pequena burguesia e setores das camadas populares, encapsulados na ideologia conservadora, liberal e de inspiração fascista.
A desarticulação do projeto de poder Bolsonarista, não pode ser encarada nem como uma desarticulação do projeto liberal e antinacional em andamento e nem como uma vitória das instituições e da pressão promovida por dentro dos marcos burocrático-legais. Não à toa o ex-presidente Temer e seus aliados foram ao socorro de Bolsonaro, pondo freio em parte de seus desmandos e ajustando o terreno comum da agenda amiga da burguesia. No entanto, a verdadeira pressão, que vem forçando o recuo do projeto bolsonarista, é sobretudo uma pressão advinda dos movimentos populares, que se colocam em marcha ao longo dos últimos meses deste ano, mas que desde o início da pandemia tem articulado diversos flancos de enfrentamento. Assim, a agenda bolsonarista e a agenda liberal antinacional enfrentam a resistência popular, que lhes vem causando crescentes dificuldades.
Se no campo bolsonarista a fragmentação vem se mostrando cada vez mais flagrante, no campo das esquerdas a construção de agendas unitárias esbarra também em diversos entraves. Pode-se com facilidade afirmar que o Sete de Setembro, em sua expressão popular conhecida nas últimas décadas como “Grito dos Excluídos e das Excluídas”, teve um papel determinante na articulação de uma agenda unitária em torno da defesa das liberdades democráticas, da seguridade social, das empresas públicas e de sua função social, bem como na defesa da vacina, do emprego e das medidas de enfrentamento da crise. No entanto, a construção de tal agenda unitária, embora tendo possibilitado atos massivos da oposição, enfrentou a todo momento dificuldades. A priorização de uma agenda eleitoral e de aposta nas instituições, somada a uma narrativa derrotista por parte expressiva das esquerdas, levou tais segmentos a boicotar, ou ao menos enfraquecer os espaços de mobilização. Tal fenômeno esvaziou as agendas de lutas unitárias e apenas o esforço dos setores mais consequentes dos movimentos populares e classistas pode garantir que diversas manifestações tomassem lugar em todo território nacional.