No dia 28 de março, a creche da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que fica em Salvador, teve seus serviços interrompidos sem nenhum aviso prévio. A creche existe desde 1983 e atende crianças de 4 meses a 3 anos e 11 meses dependentes de servidores técnico administrativos, docentes, e estudantes da UFBA. A seleção das vagas é feita levando em consideração a vulnerabilidade socioeconômica das famílias.
A interrupção desse serviço prejudica a educação e os direitos dessas crianças de acesso ao seu ambiente de formação. Vale ressaltar que a creche conta com uma equipe de profissionais qualificados e de qualidade para prover a educação pública de qualidade às crianças.
Ainda, sabemos que o cuidado parental historicamente pesa sob os ombros das mulheres de forma desproporcional. Em pesquisa realizada pelo IBGE em 2018 foi mostrado que as mulheres gastavam 21,3 horas em média com afazeres domésticos por semana, enquanto os homens gastavam 10,9 horas, ou seja, as mulheres passam o dobro do tempo mesmo quando estão empregadas no mercado de trabalho. Ainda a mesma pesquisa aponta que a taxa de ocupação é menor entre mulheres com filhos de até 3 anos. Essa realidade se dá devido aos cuidados exigidos da mulher para os filhos nessa faixa etária e a dificuldade de locais que contratem mulheres com filhos nessa faixa etária.
Na carreira acadêmica não é diferente, mesmo passando por concurso público a porcentagem de mulheres ocupando cargos de docência ou como pesquisadoras de alta produtividade da CAPES é inferior a de homens. Alguns dados levantados pelo movimento “parent in science” (pais na ciência) aponta que das quase 3.000 mães entrevistadas, metade são as únicas responsáveis pelas crianças, 52% não conseguiram cumprir prazos de submissão para editais de fomento e 82% consideram negativo ou bastante negativo o impacto da maternidade na progressão de sua carreira. Ainda comparando a publicação de artigos entre homens e mulheres com filhos a taxa de aprovação de artigos foi de 68,7% e 49,8%, respectivamente. O impacto para a graduação e a pós ainda leva a desistência de mães de seus cursos e carreiras quando ocorre a maternidade. Essa disparidade faz com que, embora a taxa de entrada na universidade entre homens e mulheres seja semelhante e em alguns cursos superiores para mulheres, a taxa de progressão na carreira para ocupação de cargos como professores titulares é muito inferior à de homens. Para as servidoras técnicas administrativas vemos o mesmo padrão entre o número de mulheres nos diferentes estágios da carreira.
Esses dados apontam a realidade do trabalho reprodutivo no capitalismo. A exploração das mulheres em carga de trabalho exaustivas que se combinam com a jornada de trabalho doméstico faz parte da engrenagem do sistema de exploração da mulher trabalhadora que cumpre o serviço não remunerado de garantir a sobrevivência dos filhos e filhas da classe trabalhadora e também dos homens e ainda ocupam a linha de frente no trabalho produtivo muitas vezes recebendo menos pelo mesmo serviço.
A interrupção de um serviço como a creche está diretamente ligada com o ataque à permanência dessas mulheres no ambiente universitário. As creches possibilitam uma diminuição da sobrecarga de trabalho reprodutivo dessas mulheres e garantem a possibilidade dessas mulheres seguirem em suas carreiras e estudo. Ainda que a condição de trabalho continuado e de exploração não se altere a possibilidade de acesso ao ensino superior e de manutenção de uma carreira com sua própria renda é um avanço para a condição das mulheres que muitas vezes ficam dependentes financeiramente de seus parceiros e mais expostas à violência patrimonial e moral.
O direito a creches públicas e gratuitas é essencial para o avanço das mulheres trabalhadoras tanto em se libertar cada vez mais do trabalho reprodutivo exaustivo, quanto na possibilidade de tempo para sua organização.
Ainda para as crianças, o acesso a um ambiente qualificado de formação é fundamental no seu desenvolvimento. A luta por ambientes de educação desde os primeiros meses de vida é uma luta histórica do movimento das mulheres trabalhadoras.
Foi informado que o fechamento da creche se deu devido a mudança de contrato com as empresas responsáveis pelos funcionários terceirizados que atuam na creche. Esse cenário faz parte de um problema recorrente na UFBA, visto que os restaurantes universitários que é essencial para a permanência dos estudantes na universidade está fechado desde o ano passado após romper contrato com a empresa terceirizada que serviu comida imprópria para o consumo levando a intoxicação alimentar de vários estudantes. A gestão dessas empresas é sinal de precarização da universidade e do trabalho. Muitas vezes essas empresas não entregam o serviço adequado a universidade e deixam seus trabalhadores e trabalhadoras sem receber salários e sem condições mínimas de qualidade para trabalhar, as denúncias de trabalhadores sem acesso a água, salário, alimentação vem se amontoando em diversas áreas da prestação de serviços dessas empresas. É urgente que a universidade absorva esses trabalhadores em seu quadro de servidores e passe a ter autonomia na gestão dos serviços internos.
Em reunião ocorrida em 05/04/2023 (por força da pressão das mães e pais da creche), a reitoria ou sua representação sequer se fizeram presentes, enquanto a coordenação da creche afirmou ser uma leviandade prever uma data de restabelecimento do funcionamento da creche, demonstrando o descaso com que a situação tem sido tratada e o desamparo em que estão as trabalhadoras terceirizadas, as crianças e suas famílias.
As crianças têm direito a 200 dias na escola, e a forma de atenuar o problema pela universidade, além de altamente insuficiente, pois consiste em um pagamento de 250 reais para os estudantes e abono de faltas aos servidores, conquistados pela pressão das mães e pais das crianças da creche UFBA, não prevê formas pelas quais o problema poderia ser resolvido, ao menos para os estudantes em situação de maior vulnerabilidade (uma vez que há toda uma equipe de concursados na creche que poderia acolher parte da demanda), tampouco a reposição dos dias letivos perdidos. Tão grave quanto essa violação é o fato de que todo esse processo tem sido feito sem transparência nas informações e ferindo a garantia da gestão democrática nas unidades educacionais (também previsto na LDB), pois exclui a comunidade de mães, pais e responsáveis por crianças da creche UFBA da possibilidade de construir formas coletivas de lidar com o problema.
O movimento de mães, pais e responsáveis por criança na creche UFBA tem se organizado e lutado:
Pelo cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pelo cumprimento de no mínimo 200 dias letivos.
Por uma gestão democrática e participativa.
Pelo retorno imediato das atividades da creche UFBA
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
CFCAM – Núcleo Salvador