Análise Crítica das Olimpíadas

Divulgação: COB

Por Benedito Libório

Análise Crítica das Olimpíadas – O mais forte, o mais ágil, e o mais veloz! Esses princípios nortearam a intencionalidade de todas as atividades que emergiram no legado olímpico. Como costumavam dizer Marx e Engels, o capitalismo se origina das relações entre mercadorias. O esporte não foge a isso.

O esporte é um processo de transição, ele é uma linguagem desse tempo para as atividades corporais dentro da estrutura social capitalista. Nesse sentido, a compreensão da cultura que constrói o esporte é fundamental para entendê-lo e superá-lo.

O senso comum entende que toda atividade corporal é esporte. O esporte possui características próprias, tais como: a universalização da prática, às regras comuns, a busca do rendimento absoluto (rendimento máximo), busca de igualdade de condições para mensurar e definir os ‘melhores’. Os esportes em geral têm origem em atividades que se organizaram para atender outros campos de necessidades, oriundos de movimentos de lutas, ginástica, ou de jogos e brincadeiras.

O esporte, segundo a literatura especializada, surge em um período em que a concentração de pessoas em cidades era crescente e partia de demandas da nova forma de vida (sobrevida), que passa a organizar as relações humanas. Por conta de uma série de enfermidades, surge demandas que constituem a ciência: sob a égide do higienismo, organizam a vida em pequenos espaços, que garantiria a manutenção da produção e colocaria o conhecimento articulado aos interesses organizativos da classe hegemônica. Para tanto, seria necessário estruturas que amparassem as relações de produção e circulação de mercadorias: estradas, hospitais, estruturas de esgoto e tratamento de água, regulação arquitetônica, a escola, entre tantas outras. Destacaremos a escola, pelo fato de ser um espaço onde o esporte se origina, sendo a educação física o ambiente privilegiado para se discutir elementos necessários, e muitas vezes obliterados, da ideia de saúde e do sentido de classe que esse conceito possui.

O higienismo enquanto movimento ideológico constituiu espaço de produção de conhecimento que remanejou locações, e construiu novos hábitos culturais. Higiene corporal e alimentar foram introduzidos na vida do trabalhador comum. Estávamos vivendo uma transição do modelo agrário feudal para o modelo urbano industrial. A escola como espaço que desenvolveria novas técnicas elaboradas pelos trabalhadores, visando a ampliação da produção e outras necessidades da mercadoria, mas, acima de tudo, compreendendo que o corpo do trabalhador precisava funcionar adequada, cotidiana e servilmente. A escola constitui elementos fundantes para a construção de uma humanidade adequada a esses novos tempos. Articulada a outros setores, que compunham o arcabouço ideológico, serviam de esteio para a regulação inerente ao conflito de classes, proveniente de relações desiguais de produção e divisão da riqueza. A ciência burguesa é uma delas, pois é nela que se estrutura uma ideia de saúde que compreende apenas os elementos biológicos para definir o que é saudável. Mais uma vez, recorremos a Engels e Marx: na sua crítica a Feuerbach, explicitam que o ser biológico precisa se humanizar. Nesse sentido, saúde para nossa dupla seria a capacidade plena de realizações das potencialidades individuais do ser social!

A escola prepara as pessoas para se inserirem nas engrenagens produtivas da sociedade regida pela mercadoria. Como diria o velho Marx, a capacidade de transformar qualquer coisa em mercadoria passa a organizar a relação produtiva. Através dos estudos de Marx e Engels, entendemos que o próprio corpo do trabalhador é uma mercadoria e é necessário mantê-lo funcionando.

Nos textos da juventude, em especial, em seus manuscritos econômicos-filosóficos, Marx já apresentava um conhecimento que desdobrava a estrutura da alienação como fundamental à lógica capitalista. Ele foi mais longe discutindo que a raiz de toda a desigualdade se origina da propriedade privada dos meios de produção, sendo eles originados das necessidades “…do estômago, ou da fantasia”. O trabalhador na relação com esporte organiza sua relação como produtor e consumidor do espetáculo esporte.

As aulas de educação física tinham se organizado pelo conhecimento ginástico, sua herança helênica, adequada aos tempos modernos. Foi na Inglaterra que, em lugar exercitação do corpo, as public schools traduzem os elementos dos jogos, sob regras rígidas, visando a organização e universalização dessa manifestação sob uma entidade própria, que traria simultaneamente o exercício necessário ao funcionamento da estrutura biológica adequada, mas também valores caros a subjetividade capitalista: a competição, a mensuração, a orientação para execução do ato e elaboração para fins de interesse de classe. Embora marcado por essa gênese, o esporte carrega contradições que se apresentam nas suas relações históricas, apontando os espaços em disputa histórico do esporte como espetáculo, passando a ser melhor recebido.

Nosso objetivo não é compreender o esporte como aspecto negativo (apenas como negação no sentido dialético), mas compreendê-lo para além da aparência. O esporte carrega em si a contradição entre a cooperação e a competição e, como toda unidade dos contrários, essa relação depende da correlação de forças entre elas, evidenciando valores extremamente contemplados nessa forma social: a individualidade, a comparação, a submissão servil e a total falta de empatia.

Quando um nobre, conhecido por Barão de Cobertin, resgata os jogos helênicos da antiguidade, ele deixa claro o que desejava enquanto objetivo das ações dos atletas: o mais forte, o mais ágil e o mais rápido entrariam em conflito com o discurso de congraçamento, que caracterizariam a ideia que o senso-comum abraça.

O que o Barão acharia das atuais olimpíadas modernas? Nesses espetáculo, os atletas são levados a condições extremas de exaustão, muitas vezes mutilações irreversíveis de várias ordens, assim como conflitos que colocam países em defesa das propagandas de seus progressos, ou em defesas pseudocientíficas, defendendo o desempenho com critérios raciais. Por outro lado, acabam escondendo a mazela da desigual distribuição de recursos, da naturalização da relação de êxito em detrimento ao investimento pessoal. Dessa forma, se desconhece uma série de sujeitos que compõem a equipe e auxiliaram o atleta ao sucesso. Ora, pela própria natureza do esporte, quantos ficaram para trás?

A mídia é responsável pela propaganda dos raros casos de sucesso, negando toda a estrutura excludente, mutiladora e alienante que abriga essa atividade. Para tanto, faremos o exercício que o velho Lenin apresenta sobre a sua compreensão da escola burguesa: devemos criticá-la e transformá-la, compreendendo os seus limites e ressignificando a partir dos interesses históricos dos trabalhadores. O esporte deve ser ressignificado.

Na sua pulsão, deve organizar os proletários, desvelar o seu caráter político, sempre presente em seu exercício, repulsando os valores ligados a classe hegemônica e orientando as massas a sentirem a opressão, ao qual estão sujeitos. O esporte apresenta a condição mais avançada de mercantilização de corpos: os atletas alienam-se de si, tanto objetiva quanto subjetivamente.

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