Por Cheyenne Ayalla
No dia 13 de novembro de 2023 estava eu em uma rotina bastante comum de idas e voltas na cidade soteropolitana. Neste momento estava no bairro do Campo Grande, muito conhecido por suas festividades e momentos históricos, bairro esse que abriga uma parte da classe média da capital baiana. Olhando a janela do ônibus, vi um casal de catadores de recicláveis dividindo o mesmo par de sandálias tentando se desviar dos carros, levando seu imenso carinho com sua imensa força de trabalho e com a invenção de proporcionar alguma renda para sua família. Logicamente, o amor se faz presente, mas a carestia se torna cada vez mais cotidiana. A capital mais rica da região Nordeste também é a campeã em desemprego.
Analisemos aqui, atualmente Salvador encontra-se com quase 3 milhões de habitantes, sendo a capital mais populosa da região nordeste e que possui o maior PIB. Entretanto, desde 2018 o Produto Interno Bruto vem decaindo de forma exponencial. De acordo com IBGE nos anos de 2018/2019 o PIB ultrapassava 22 milhões de reais. Já em 2021/2022, um pouco menos que 20,5 milhões, demonstrando seu rombo na receita. Dessa forma, para entender melhor a situação precisamos analisar os aspectos políticos de nossa amada cidade, desde 2012 nos mandou os Democratas, atualmente União Brasil, uma versão 2.0 do Carlismo, nos marcos das capitanias hereditárias. Dois governos de ACM Neto e um do atual prefeito Bruno Reis têm retrocedido cada vez mais nas políticas públicas, sobretudo, como costumeiramente fazem, na educação e na saúde. No quesito de trabalho e renda, ainda dos do IBGE (2021), apenas 28% da população está em trabalho na forma – regime CLT -, que ganham ao menos 3 salários, já quase 40% população ganham metade de um salário mínimo.
Ademais, a cidade soteropolitana é a capital do desemprego com cerca de 260 mil pessoas desempregadas. Quando expandimos para a Região Metropolitana de Salvador chega-se a quase 300 mil. Nesse sentido, quando falamos dos jovens – 15 a 29 anos – esse perspectiva se agrava, pois a juventude se encontra em um cenário de um futuro e um mercado de trabalho totalmente defasado e precarizado. A mídia burguesa, de forma pejorativa, os apelidaram da geração “Nem Nem”, culpabilizando, por um prisma meritocrático e liberal, os jovens por essa escassez de recursos e oportunidades de emprego. Nesse enredo, à medida que se individualiza as questões que são gerais, econômicas e políticas, mais ausente se faz a leitura de uma solução coletiva e se migra para uma questão de superação individualista, sendo o indivíduo o culpado por todas as suas desgraças e pobreza. Para além da própria percepção, de forma empírica e rasa, que os jovens saem mais tarde de casa, é necessário entender o por quê disso. A moradia custa, em média, 1/3 de um salário, somando com contas de água, luz e gás leva quase metade da renda. Quando chegamos no quesito da alimentação, hoje uma cesta básica está custando um pouco mais de 500 reais. Apenas analisando alimentação e moradia vai quase 70% do salário do trabalhador.
Nesse sentido, a capital tem se expandido tanto horizontalmente, chegando a construção de diversos condomínios de classe média alta na divisa com o município de Lauro de Freitas, ocupando até, de forma criminosa, áreas de Proteção Ambiental (APA) quanto verticalmente com edifícios cada vez mais altos, proporcionando um fenômeno muito conhecido da capital pernambucana, as ilhas de calor, impedindo as brisas marítimas e fazendo com que os centros da cidade cheguem a temperaturas muito acima da média. Consequências à médio prazo da especulação imobiliária afetando de forma agressiva o meio ambiente e a própria dinâmica de vida dos soteropolitanos, pois a medida que os condomínios se expandem, a vida nessas localidades encarecem – mercado, farmácias, transporte – fazendo com que a classe trabalhadora se mude cada vez mais para bairros da periferia da cidade, onde há ausência ou insuficiência de serviços básicos como saúde, educação, mobilidade e saneamento. Embora mais de 95% dos moradores tenham água encanada, apenas um pouco mais da metade possui tratamento de esgoto. Nesse processo, quando adentramos a questão da mobilidade urbana, observamos que nos últimos seis anos houve aumento de R$ 1,60 no preço das passagens de ônibus em Salvador, que se coloca como a capital nordestina com o transporte mais caro. Somada a isso mais de 20 de linhas de ônibus foram extintas. No campo da educação, o governo tem promovido uma política deseducativa e de desmonte, a qual cerca de 19 escolas foram fechadas apenas na capital, alterando de forma profunda a dinâmica de milhares de jovens que passaram a se deslocar para cada vez mais longe para conseguir estudar.
De maneira geral, Salvador passa a ser, mais do que nunca, uma cidade que expulsa seus moradores, tornando-se cada vez mais difícil de se manter na terra da alegria e do carnaval, sobretudo, a juventude. Além de vender sua força de trabalho, os jovens trabalhadores, de forma precarizada e sem garantias, tem que exportar – caso estejam no mundo acadêmico – sua força de trabalho para outros estados ou, até mesmo, outro países do centro do capitalismo. Ademais são obrigados a se inserirem no micro empresariado para entrar em um mundo de falso controle sobre si, quando, na verdade, estão imersos já lógica da produtividade ainda mais arriscada, que é a uberização da vida.
Dessa forma, ampliar as lutas e entender que é necessário coletiviza-las para supera-las é a melhor alternativa que se coloca para a questão de moradia, como a organização dos moradores a partir das Associação de Bairros, da organização da mobilidade urbana com a presença ativa da sociedade civil para as decisões, como a estatização das linhas de ônibus. Além disso, são necessárias campanhas massivas pela defesa das escolas públicas e contra o fechamento das que existem, bem como a busca pelo horizonte maior: o Poder Popular. Entretanto, por hora, a ausência de garantias trabalhistas bem como um futuro nada esperançoso para a juventude trabalhadora se fazem presentes, pois ela (sobre)vive nos amores e dores da terra da alegria.