Por Vinícius Souza
O Programa de Assistência Estudantil “Mais Futuro”, aprovado no final do ano de 2015, surge em resposta à pressão do Movimento Estudantil (M.E) das Universidades Estaduais da Bahia (UEBA), especialmente durante a greve docente desse ano. Assolados por uma política de bolsas fragmentada e insuficiente — voltadas à questão do transporte, alimentação, moradia etc. —, as e os estudantes pautavam desde 2011 a destinação de uma rubrica específica para criação de políticas amplas que contemplassem a assistência referente às bolsas e à permanência estudantil, que se refere aos espaços de RU’s, creches, residências e outras necessidades fundamentais.
Na contramão dessa demanda, o Governo Estadual da Bahia sob direção do Partido dos Trabalhadores (PT), em acordo firmado a portas fechadas com os Diretórios Centrais das e dos Estudantes (DCE’s) — ligados à época a organizações da base do governo, assim funcionando como correia de transmissão — apresentou um projeto completamente diferente: um projeto de bolsificação meritocrático, produtivista e excludente. Rejeitando essa proposta, as e os estudantes em protesto na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) foram covardemente agredidos pela segurança da casa, impedindo a participação na votação.
O Programa reproduz a lógica da bolsificação, se omitindo diretamente na construção de estruturas reais de permanência, se resumindo a oferecer bolsas de R$300,00 (básico) para estudantes que estudam até 100Km de sua residência e R$600,00 (moradia) para quem mora além dessa distância. Esse valor, já irrisório à realidade de 2017 quando o programa fora implementado, não foi reajustado até o dado momento. Além disso, utiliza um critério incompatível com a diversidade das UEBA e a realidade estudantil. Diante da ausência de um transporte “público” e/ou universitário acessível em suas cidades, as e os estudantes são impelidos a se mudarem com o auxílio básico ou terem uma formação deficitária diante da não presença na Universidade para além do horário de aula.
São vários os problemas ligados ao “Mais Futuro”, aqui destacamos:
- Limitação no número de trancamentos e reprovações de disciplinas. Essa cláusula, além de ferir os direitos estabelecidos nas Universidades, estabelece ainda diferenças em condições para estudantes bolsistas e não bolsistas, funcionando enquanto método coercitivo e excludente;
- Cancelamento da bolsa em casos de trancamento do curso. Ignora que o trancamento — previsto pelas Universidades — está ligado diretamente às condições de permanência, seja financeira, psicológica etc. Portanto o direito ao trancamento precisa ser respeitado/resguardado aos discentes, sem a punição do cancelamento da bolsa, que nesse caso deveria ser apenas suspensa;
- Pagamento de apenas 8 parcelas para auxílio básico. A cobertura incompleta do auxílio, além de não corresponder com os calendários não sincronizados das UEBA, reproduz a lógica de que a permanência do estudante está ligada apenas à sua participação na sala de aula, correspondente ao semestre. Fechando os olhos para realidade de inúmeros estudantes que se mudam nessa condição ou que necessitam do amparo financeiro no restante dos meses;
- Não possibilidade de participação de estudantes já graduados. O programa ignora totalmente a realidade de nossa juventude, as alterações no mundo do trabalho, sendo crucial sobretudo para estudantes de cursos integrais, que não têm a possibilidade de trabalhar;
- Ausência de comunicação. O comitê gestor do programa é centralizado nas secretarias do governo, sem a participação das Universidades e seus órgãos de “amparo” estudantil. Vejam… quantas vezes as e os estudantes se depararam com ausência de respostas e resoluções? Quantas bolsas foram canceladas indevidamente e, mesmo com mediação de Pró-Reitorias/Assessorias, até hoje não foram repostas?;
- Recentemente o governo tenta estabelecer um número mínimo de disciplinas matriculadas pelo estudante no semestre através de uma alteração no último edital lançado. A manobra intencional e silenciosa reforça um caráter produtivista em resposta à alta evasão universitária no estado e da negação da função social da assistência estudantil através de uma lógica de que “o estudante não quer formar, só receber bolsa”. Isso retira o direito de autonomia do discente de organizar sua grade, seguindo as condições e necessidades da realidade estudantil, bem como o das Universidade as quais já tratam desses aspectos sem restrições em seus regimentos
- O Programa contempla apenas 2/3 do curso. Que assistência abandona as e os estudantes no momento mais decisivo de sua graduação, quando já estão minimamente estabelecidos e com compromissos financeiros firmados?
Ressaltamos de forma separada e em referência ao último tópico a questão do “perfil” estágio, uma vez que, apesar de associado, não faz parte do programa. Em tese, completados os 2/3 do curso, as e os estudantes são migrados para realizar estágios em órgãos públicos. Na realidade, as bolsas são cortadas de imediato, enquanto há a espera — bem recorrente para licenciaturas — de três a seis meses para migração, isso quando ela ocorre. Estágios esses que não contemplam a realidade de estudantes de cursos integrais, as e os quais, diante do currículo de seus cursos e da alta carga horária, não têm condições de acessá-lo.
Tão grave quanto, é chamar de “estágio” algo que na maioria dos casos funciona desvinculado da formação profissional, sendo recorrente a alocação de estudantes de bacharelado em vagas ociosas de secretarias e em outras funções burocráticas nas Universidades, mediante a não realização de concursos públicos para as funções. Ressalto que, no próprio estado da Bahia, possuímos o programa “Partiu Estágio”, geralmente confundido com o “perfil estágio” citado. Além disso, nesse período do curso, as e os estudantes já cumprem atividades como estágios obrigatórios, programas de iniciação à docência, extensão e científica (que não apenas impede o acúmulo por normativa da FAPESB, assinada pela atual Secretária de Educação, como vem cobrando absurdamente a devolução de bolsas). Por esses e outros motivos, há a necessidade de lutarmos pelo FIM DO ESTÁGIO junto à ampliação do auxílio do “Mais Futuro” até o fim do curso.
A lista prolongada desses problemas já é matéria de discussão desde 2015 em incontáveis mesas, plenárias, assembleias e manifestações. Alguns poucos itens, como a suspensão da bolsa para estudantes mães que solicitassem licença maternidade, foram superados com muita pressão. Outras foram rebaixadamente “melhoradas”, como o aumento do limite de trancamentos e reprovações de duas para quatro disciplinas.
O avanço dessas pautas esbarrou na desmobilização, aparelhamento, silêncio e conivência de entidades estudantis, como os DCE’s — e ainda vigora — na União dos Estudantes da Bahia (UEB), dirigidas por juventudes do PT e PCdoB. Assim como na negação do diálogo pelo governo de 2020 até início de 2023 correspondente à mudança nas gestões do DCE UNEB e UESC, considerando que o DCE da UEFS superou o aparelhamento anteriormente, sendo isolado pelo governo, inclusive com o não convite para reuniões anteriores a 2020.
A quase oito anos da aprovação do “Mais Futuro”, temos um cenário pós-retorno das aulas presenciais em que as velhas práticas políticas outrora hegemônicas dão lugar à reconstrução de um M.E. combativo e autônomo. Isso vem sendo demonstrado por meio das últimas manifestações, plenárias e mobilizações unificadas/individuais que tanto não podem ser ignoradas pelo governo, como conquistaram no último mês a primeira reunião entre os quatro DCE’s e a Secretaria de Educação (SEC), amparada por uma discussão prévia e posterior com as bases, abrindo a possibilidade de avançarmos na reformulação do programa.
Nesse momento, urge a necessidade de dar força às pautas deliberadas na Plenária Unificada das e dos estudantes da UEBA — que ocorreu também no dia 06 de março deste ano — elevando o sentido do “Mais Futuro” ao tamanho das necessidades de cada estudante. Mobilizar através de um grito único e ensurdecedor as nossas demandas, retirando o conforto do Governo Estadual, das forças retrógradas ainda presentes no M.E. e daqueles/as que utilizam do aparato de nosso estado enquanto trampolim político para seus projetos individuais, sem um real compromisso com a Universidade Pública e a comunidade estudantil.
Entendemos que, apesar do programa “Mais Futuro” precisar ser superado em função dos seus problemas estruturais (sua forma meritocrática e punitiva a estudantes), é preciso que haja melhorias imediatas no mesmo para garantir a mínima permanência estudantil enquanto sua superação não acontece. Não podendo perder de vista um projeto totalizante de assistência e permanência estudantil que construa RU’s, creches e residências; que contemple serviços de atendimento biopsicossocial, de transporte, de xerox, de viagens para eventos estudantis e científicos… não apenas para os principais campis, mas para cada unidade da UESB e UNEB, interiorizadas e a serviço da produção de conhecimento, ciência e tecnologia para o povo baiano.
Pela revogação do Inciso X, Art 13. Edital 016/2022!
Pelo reajuste das bolsas do “Mais Futuro”!
Pela reformulação ampla e democrática do Programa “Mais Futuro”!
Sugestões de outros textos sobre o “Mais Futuro”:
https://ujc.org.br/por-uma-assistencia-e-permanencia-estudantil-que-seja-ampla-irrestrita-democratica-e-popular/
https://omomento.org/mais-futuro-e-ensino-remoto-os-estudantes-estao-abandonados/
https://ujc.org.br/o-mais-ou-menos-futuro-na-bahia-o-abandono-aos-estudantes-na-pandemia/
https://omomento.org/a-continua-luta-pela-permanencia-estudantil-nas-uebas/