A insegurança nossa de cada dia

Por Gonçalo Alves

Não é de hoje que as notícias acerca do aumento da criminalidade na Bahia têm ocupado um espaço crescente tanto na imprensa burguesa local, quanto no noticiário nacional. Já não surpreende a recorrência – nos jornais, telejornais e sites de notícias – das narrativas sobre a escalada descontrolada da violência, principalmente nas cidades, sobre a atuação de “facções do crime” e infiltração das milícias no estado, além da criminalidade “varejista” nas ruas, locais de comércio e no sistema de transporte coletivo.

Enfatiza-se pouco, porém, os dados acerca do crescimento exponencial do encarceramento nos presídios baianos, o número impressionante de “suspeitos” mortos nas operações policiais, a elevação não menos relevante das denúncias de casos de agressões, arbitrariedades, intimidações e coerções praticados por agentes do estado.

Incomum é a preocupação em identificar, do ponto de vista social e racial, quem são os acusados da prática dos delitos: majoritariamente pessoas negras e periféricas, sem acesso a direitos sociais básicos de educação, moradia e emprego. Raramente são estabelecidas correlações entre o aumento dos índices criminais, as desigualdades sociais (concentração de riqueza e contração da massa salarial) e o incremento dos níveis do desemprego.

A Bahia não está fora do Brasil. Os fatores que determinam a existência e a eventual expansão da chamada criminalidade comum neste estado são os mesmos que operam e determinam estes mesmos fenômenos no restante do Brasil.

Tanto lá quanto aqui, elementos estruturais do capitalismo brasileiro como a pobreza decorrente da superexploração dos trabalhadores e trabalhadoras; a miséria resultante da enorme concentração da riqueza e da propriedade e a ausência de políticas sociais – consequência do comprometimento dos governos com os interesses das classes dirigentes, em detrimento dos trabalhadores – estabelecem as bases materiais para a violência, a insegurança e a criminalidade que grassam em nossa sociedade.

No estado da Bahia, estas mesmas condições têm se apresentado de forma peculiar. Sétimo estado mais rico do Brasil e detentor do maior PIB do nordeste, tem sua economia controlada por um pequeno número de grandes grupos econômicos tanto na cidade como no campo. Destacam-se no setor urbano as indústrias petroquímica, automobilística, de papel e celulose e no setor rural, as atividades do agronegócio voltadas para a pecuária, algodão, sisal e produção de grãos. Todas estas atividades se caracterizam pela grande concentração de capital, pouca incorporação de força de trabalho, condições de trabalho precárias e baixos salários.

Porém, ainda mais significativas são as condições de desemprego e subemprego a que está submetida parcela muito expressiva da população baiana. Neste segundo semestre de 2023, a Bahia apresenta uma taxa de desemprego de 13,4 % da população economicamente ativa, a segunda maior do Brasil, atrás apenas de Pernambuco e mais de cinco pontos percentuais acima da média nacional, que é de 7,9%. Já na região metropolitana de Salvador, atinge 16,9%, a maior entre as capitais brasileiras.

Quanto ao subemprego, o IBGE registrou, no primeiro semestre de 2023, a existência de 3,16 milhões de trabalhadores informais no estado, representando 52,2% do número total de trabalhadores empregados. Com relação aos níveis salariais, o salário médio de um trabalhador baiano é de R$ 2.002,00; abaixo da média salarial brasileira, que é de 2.924,00 no segundo semestre de 2023, o que coloca o estado na 12ª posição no ranking nacional. Constata-se, apenas por estes indicadores econômicos, que a superexploração, o desemprego e o subemprego na Bahia são mais elevados mesmo em relação aos índices brasileiros, que se destacam negativamente no ranking das maiores economias mundiais.

Se a situação geral da classe trabalhadora baiana chama a atenção por sua precariedade, o cenário se mostra ainda mais desfavorável quando se observa as condições vivenciadas por sua população afrodescendente. Segundo os dados do IBGE, o índice de subutilização (desemprego e subemprego) da força de trabalho negra baiana atingiu 40,2% no primeiro semestre de 2020. A baixa média salarial na Bahia, em comparação à nacional mencionada no parágrafo anterior, é ainda mais rebaixada quando se refere à população negra, particularmente seu segmento feminino: a dos trabalhadores brancos alcança R$ 2.488,00, enquanto a das mulheres negras é de apenas R$ 1.286,00. Superexplorado economicamente e vulnerabilizado socialmente, o povo preto da Bahia tem sido aquele mais profundamente atingido pelo aumento da violência e da criminalidade no estado. De acordo com os dados da própria Secretaria Estadual de Saúde, entre 2012 e 2018, a taxa de homicídios por mil habitantes no estado foi 14,6 para a população branca e 45,9 para o contingente afro-baiano.

Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, a Bahia, em outubro de 2023, contou com 12.320 presidiários e um volume de superlotação de 964 presos. Além disto, há 1843 pessoas sob monitoramento e 1875 utilizando tornozeleiras eletrônicas. De acordo com alguns estudos, o perfil geral do presidiário baiano é de um jovem negro, com idade entre 18 e 24 anos, ensino fundamental incompleto, preso por tráfico de drogas e mantido em regime fechado. Observe-se que, conforme dados da própria Seap, a população carcerária da Bahia aumentou de 8.887 detentos, em 2010, para 15.632, em 2019, tendo conhecido um tímido recuo nos últimos três anos. Não obstante, a curva ascendente constatada nestes dados não deixa dúvida de que as autoridades baianas têm investido no encarceramento massivo em sua política de segurança pública. Mais uma vez, segundo dados da própria Seap, 80% dos presidiários baianos são negros, contra uma média nacional de 65%.

Além do que foi dito anteriormente, o aspecto mais deplorável e sombrio da política de (in) segurança pública posta em prática pelos governos baianos desde 2007, governos estes encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), é a violência policial. De acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Polícia da Bahia suplantou a do Rio de Janeiro, tornando-se aquela que mais mata no Brasil. No ano de 2022, 1.464 pessoas morreram em consequência das intervenções policiais no estado. Este número representa 22,7% das 6.430 vítimas das ações policiais em todo o Brasil. Ainda mais chocante é a revelação que, segundo dados da Rede e do Núcleo de Estudos da Violência da USP, das 299 pessoas mortas pela polícia em Salvador apenas uma não é negra, isto significa que uma pessoa negra é morta pela polícia a cada 24 horas, no estado da Bahia.

Não obstante a escalada da violência policial na Bahia, a situação da segurança pública segue de mal a pior. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado, entre julho de 2022 e junho de 2023, nas 13 cidades que compõe a Grande Salvador, foram registrados 1545 tiroteios com 1422 pessoas atingidas e 1097 mortes. Em média, 39 pessoas são baleadas mensalmente durante as operações policiais. Das 20 cidades com maior índice de homicídios no país, 11 encontram-se na Bahia.

CONCLUSÃO

Governada há 16 anos por uma coalisão política encabeçada pelo PT, que inclui em seu seio desde dissidências do carlismo a grupos considerados “de esquerda”, a Bahia apresenta, no âmbito da segurança pública, um panorama dos mais desalentadores em um país que se notabiliza negativamente nesta área. Uma análise objetiva e radical, como a que se pretende aqui, ultrapassa as explicações e abordagens moralistas, subjetivas e culturalistas recorrentes. Subproduto de uma orientação econômica e social voltada para o aprofundamento da concentração de riquezas e reprodução do status quo social através da intensificação da exploração da força de trabalho e da disponibilização dos recursos públicos para os donos da propriedade e do capital, a situação da (in) segurança pública na Bahia expõe as opções dos governantes do estado. Descomprometidos com qualquer política de enfrentamento minimamente efetivo das agudas desigualdades econômicas, sociais e raciais na Boa Terra, resta aos “gestores” petistas aplicar as mesmas receitas usadas em outras partes do Brasil e do mundo para tratar problemas sociais: repressão, encarceramento e extermínio. Profissionais do embuste, mestres da prestidigitação política e social aguardam pelo dia em que, como todos os mentirosos e farsantes, constatarão a perda de efeito de seus encantamentos fraudulentos e se reunirão a outros de sua mesma estirpe no banco dos réus do tribunal da história.

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