A influência das religiões de matrizes africanas na música brasileira

Por: João Pedro Oliveira

Pensar na música brasileira sem reconhecer a importância dos ritmos originados nos terreiros, decorrentes do processo da diáspora africana, é descaracterizar a história e, principalmente, subestimar a potência de como esses ritmos conseguiram atravessar diversos períodos até os dias de hoje. A construção da música brasileira, predominantemente pelo ritmo, uma sequência de batidas repetidas que forma uma concepção sonora, provém das manifestações, muitas delas religiosas, que as pessoas negras escravizadas praticavam como forma de saudação e resistência.

Dentro do candomblé, o batuque emerge como regência desde o início até o fim do ritual. Do atabaque emana o primeiro som dentro daquele espaço, e cada batida possui especificações próprias para cada orixá. Nesse contexto, enquanto o sagrado é primário, o profano também encontra espaço nas reuniões, originando as primeiras manifestações musicais, como o samba de roda, originário do recôncavo baiano, nascido através da “Cabula”, uma batida do candomblé de origem bantu (também conhecido como candomblé Angola). Nas festas de terreiros, as letras relatam vivências no período escravagista e relatos ancestrais.

Na virada do século XIX para o XX, quando o Rio de Janeiro se torna a capital do Brasil, ocorre um grande fluxo migratório de pessoas negras da Bahia e Pernambuco para a nova capital. Isso resulta em uma nova roupagem e estruturação do samba, com figuras como João da Baiana, Pixinguinha e Tia Ciata, que faziam parte dos terreiros de candomblé no Rio de Janeiro. Tia Ciata, Ialorixá em seu Ilê axé, tem os primeiros registros de rodas de samba. Ao longo do tempo, o lado profano começa a sair dos terreiros, mas ainda mantém suas raízes. Mesmo com todos os atravessamentos e descaracterizações, o samba permanece vivo como expressão da música negra.

Na Bahia, a religiosidade negra está estritamente ligada às manifestações sociais e culturais. Em Salvador, no final dos anos 70, surge uma cena musical e política significativa, com blocos afros e o samba reggae. O Ilê Ayê, um dos primeiros blocos afro, tem influência do candomblé, tanto na musicalidade quanto nas letras provenientes dos xirês dos terreiros. Muitos blocos, mantendo suas características próprias, contribuíram para efervescer essa cena, marcando a emancipação e movimentação social e política do povo preto baiano, cujos frutos perduram até hoje com uma nova cena musical preta que se volta ao passado como referência pela construção que se fez.

Atualmente, observamos como a influência da sonoridade está presente em vários ritmos, como no pagode baiano, com instrumentos na banda e uma batida com nova roupagem, e no funk, onde o atabaque é utilizado pelos DJs, sampleando a batida para criar novos ritmos. A música brasileira deve muito aos terreiros de candomblé. Mesmo diante de repressões e perseguições, ela se mantém viva. Tudo o que temos em termos de visão sobre a musicalidade brasileira provém desse lugar, que vai muito além da concepção ocidental sobre religião. Pensar nas religiões de matriz africana é abordar a espiritualidade. A música popular brasileira é preta.

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