Por Izadora dos Santos Pires[¹] e Victor Ferreira Dias Santos [²]
150.488 óbitos, malabarismos do ensino remoto, intensificação do ensino, escolas com estruturas precárias: a iminência da volta precisa revoltar, pois não há beleza na precarização do trabalho educativo.
Não é fácil defender que as escolas continuem fechadas, principalmente porque antes de sermos assolados pela pandemia do COVID-19 havia uma luta para que as escolas não fossem fechadas, ou melhor, extintas. Nesta mudança de contexto é necessário defender o não retorno às aulas, pois ainda estamos em um cenário catastrófico no país, são 5.094.979 infectados e 150.488 óbitos provocados pelo vírus, segundo levantamento do Ministério da Saúde.
A iminência de uma retomada escancara uma lógica perversa na qual não é considerada as condições da realidade brasileira diante da pandemia do COVID-19. Neste cenário, o caráter de equidade educativa vai sendo desmascarado, inclusive porque a educação escolar é atravessada por interesses distintos, que se tornam evidentes nas ações adotadas pelas administrações das escolas – públicas e privadas – ao longo desses meses de pandemia.
Um primeiro elemento a ser verificado é o número de escolas da Educação Básica somente na zona urbana de Salvador. São 1.498 estabelecimentos sendo que destes: 2 Federal; 203 Estadual; 421 Municipal; 872 Privadas segundo dados do censo escolar de 2019. Essa quantidade de escolas privadas é um dos fatores que tem contribuído para que os governos de Rui Costa e de ACM Neto se inclinem a manter o calendário anual e liberar as atividades presenciais. Somado a esse dado da realidade, há ainda a influência do calendário das avaliações de larga escala e também as demandas do “mercado de trabalho”.
Nesta lógica, o ano letivo é forçado a caminhar pari passu ao ano vigente, assim, o tempo da aprendizagem e da organização do trabalho educativo vai sendo cada vez mais atropelado por metas e números de aprovação. Além de haver uma submissão aos interesses predatórios do capital, que produz o exército de reserva da força de trabalho para perpetuar a lógica de acumulo de riquezas acima da vida dos trabalhadores e trabalhadoras.
Os discursos da retomada imediata para recuperar o tempo perdido não considera que professores e professoras tentaram aulas remotas, WhatsApp, impressão de material, quadros improvisados e soluções improvisadas. Esses esforços que são enaltecidos com ares de “reinvenção, adaptação, paixão” mascaram o processo de precarização do trabalho docente e validam as condições degradantes físicas e emocionais as quais professores e professoras são submetidos/as. Será o “novo normal”, a desumanização da docência?
Neste contexto, professoras e professores não estão imunes às mazelas da pandemia e também sentem os reflexos e desafios impostos pelo COVID-19 na ordem do capital. Todas e todos estão sofrendo os mesmos medos, angústias, sobrecargas de trabalho em casa, confinamento, perda de entes queridos. Defendemos que o ano escolar pode ser retomado quando as condições sanitárias e estruturais possibilitarem isso, o que não ocorre no momento.
A tabela abaixo expressa a situação das escolas brasileiras. Algumas sequer possuem água filtrada, caracterizando a realidade perversa que se encontram essas instituições.
Tabela 1 – Condições sanitárias das escolas do Brasil em 2018
As condições sanitárias apontadas espelham um país onde prevalece a desigualdade socioeconômica. A iminência de uma retomada das aulas presenciais com vistas a “regularização do calendário” implicará em atividades no contraturno (quando é possível, porque algumas escolas nem comportam essa modalidade), trabalho aos sábados e com suporte remoto. Em ambos os casos desconsidera-se que o ensino não corresponde instantaneamente a aprendizagem: aprender demanda tempo.
Outra característica importante é a própria dinâmica do trabalho docente, que demanda tempo para um planejamento qualificado, principalmente com o desafio atual de se utilizar ferramentas que além de serem inapropriadas para o ensino, “presenteiam” as grandes empresas do capital como Facebook e Google, que têm acesso aos dados de milhares de alunos e professores. A intensificação da jornada de trabalho, com possibilidade de aulas em turnos opostos, desconsidera as condições materiais que impõem aos professores atuar em mais de uma escola e aos jovens, o ingresso precoce em serviços formais e informais como uma forma de obter alguma renda.
Diante dos governos, aliado aos interesses do empresariado da educação, posicionar-se contra a retomada das aulas exige dos/das docentes um enfrentamento coletivo (comunidade escolar, familiares dos alunos, sindicatos e movimentos sociais). A escola não se restringe ao público professor-aluno, há outros trabalhadores e trabalhadoras (merendeiras, porteiros, auxiliar limpeza entre outros) que desempenham funções imprescindíveis ao processo educativo. A organização política exige uma ação coletiva e não segregada desse conjunto. Principalmente porque esses trabalhadores e trabalhadoras possuem vínculos de trabalho que estão organizados na lógica da terceirização e de contratos temporários que não garantem estabilidade.
Somente a resistência não leva a uma mudança. É preciso efetivar a organização desses trabalhadores e trabalhadoras das escolas a partir dos sindicatos e com auxílio dos movimentos sociais. As palavras de ordem devem ser: Contra todas as medidas arbitrárias impostas pelo governo Rui Costa e pelas prefeituras municipais, validados por especialistas que jogam pela manutenção da ordem do capital, que desprezam a realidade das escolas públicas e as vidas que as constroem diuturnamente. O enfrentamento coletivo precisa ser feito por uma frente ampla, na qual, as contradições vivenciadas nos municípios sejam denunciadas para ampliar as mobilizações contra um retorno que só contribuirá para o aumento dos números de mortos e infectados.
“A Coordenação Estadual da Unidade Classista, ao tempo que celebra o dia 15 de outubro como dia de luta das professoras e professores, convoca trabalhadores e trabalhadoras a organizar-se para resistir, enfrentar e derrotar o projeto do capital para a educação.”
EM DEFESA VIDA DA CLASSE TRABALHADORA E CONTRA A REFORMA ADMINISTRATIVA, ORGANIZE-SE NA UNIDADE CLASSISTA!
[1] Professora de Química
[2] Professor de Química e militante do PCB
Obrigado pelos apontamentos certeiros!