A Cultura em Tempos de Crise

Reprodução: G1

Pandemia coloca em xeque a sobrevivência de muitas categorias da cadeia produtiva da cultura.

Por Gabriel Galego

O setor cultural é fundamental para a economia brasileira. Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), em 2018 cerca de 5,2 milhões de pessoas se ocupavam dentro do setor cultural – representando 5,7% dos trabalhadores ativos. A cadeia produtiva da cultura é longa: perpassa artistas, técnicos de luz, técnicos de som, produtores culturais, editoras, designers, figurinistas, montadores de palco, entre tantos outros profissionais.

Dentro desse dado, há um elemento que não podemos ignorar: 44% das trabalhadoras e trabalhadores da cultura são autônomos, os chamados “artistas independentes” e/ou os “artistas de rua”, que trabalham na informalidade.

A eclosão da pandemia afetou diretamente o setor da cultura, especialmente os autônomos, pois implicou na parada das atividades presenciais de maneira repentina. Na prática, isso significou o cancelamento de shows musicais, lançamentos de livros, peças de teatro, realização de saraus, apresentações nos ônibus, gravações de filmes e séries etc. Causou um imediato rombo na circulação e distribuição das produções culturais, implicando em prejuízos milionários. Muitas produções, até eventos inteiros, foram transpostas para a modalidade virtual. Entretanto, essa transposição não solucionou o problema do artista e produtor independente (44%!), que viram sua fonte de renda ser minada por completo.

Em Salvador, muitos trabalhadores da cultura se viram sem renda, sem a possibilidade de colocar a comida na mesa e pagar as contas com o trabalho artístico. A paralisação dos teatros e dos espetáculos, por exemplo, afetou diretamente o financiamento a partir da bilheteria – uma das formas principais do setor captar recursos para pagar os profissionais e o espaço.

Em relação à pandemia, a resposta do governo federal foi lenta: aprovaram a disponibilização de 3 bilhões de reais para o setor da cultura, a partir do Fundo Nacional de Cultura. É a chamada Lei Aldir Blanc. Entretanto, esse dinheiro, que está sendo distribuído entre prêmios e auxílios emergenciais, custa a chegar para o trabalhador prejudicado. Estamos em novembro, desamparados desde março. Em Salvador, além da Aldir Blanc, a prefeitura, como medida emergencial, disponibilizou a entrada dos trabalhadores da cultura informais no “Salvador para Todos”, programa que disponibiliza 250 reais para trabalhadores sem contrato e renda fixa. Assim, acabou demonstrando novamente a incapacidade do Estado em continuar negando o problema do trabalhador da cultura, carente de políticas que lhe assegurem bem estar. Especialmente os independentes, que vivem fora da valorização e do nicho da indústria cultural.   

Essas medidas emergenciais estão sendo importantes para auxiliar, de forma mínima, o trabalhador da cultura a sobreviver? Sim, mas nunca contemplará a todos e logo mais acabará. A crise, por outro lado, promete ser duradoura. Além disso, a política cultural do bolsonarismo é de desmonte e descaso sistemático com nosso setor (chegando até a censura explícita). Especialmente quando falamos em financiamento da cultura por parte do Estado. A estratégia do governo federal para a cultura é minar o financiamento público, que já é pouco, apenas 0,21% do orçamento federal. Diante desse cenário, os auxílios pouco vão solucionar o problema político exposto e potencializado pela pandemia.

Dito isso, o resultado dessa conjuntura se torna evidente: será impossível para a classe artística sobreviver em tempos de fascismo e neoliberalismo, sob uma descontrolada pandemia, sem solidariedade de classe e organização. Em Salvador, como exemplo de organização política da classe artística, temos o Movimento Cultura Bahia. Além disso, campanhas de financiamento coletivo têm mostrado seu valor nas redes de solidariedade da internet, especialmente para as atividades independentes.

O fato é que o setor cultural está em um momento de crise e o futuro não é otimista. Apesar de desastrosas, as crises são momentos cruciais para efetuarmos mudanças. Voltar a nos perguntar, coletivamente, enquanto trabalhadores e trabalhadoras da cultura: que mundo queremos? Antes de tudo, o direito ao trabalho digno e o respeito pelas profissões do setor.  

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