Volta às Aulas: a volta dos que não foram

Por Giovani Damico

Um mês atrás nos debruçamos sobre a questão: Aulas para que te quero? Pergunta que segue atual e de difícil resposta. A pandemia mostrou alguns sinais de desaceleração em boa parte do território nacional, entretanto, tal tendência ainda está longe de se mostrar como algo constante. Afinal hoje ainda se registraram 1075 mortes diárias, após uma semana com números bem menores.

O processo de reabertura do comércio, shoppings, espaços de lazer, com ou sem acordo com as normas locais vem se pondo como fator indubitável para aumento da instabilidade. E é neste cenário se intensifica ainda mais um debate sobre a volta às aulas. Na Bahia municípios como Brumado se propõem a serem “pilotos no retorno” e até ensaiaram tal medida sem êxito, enquanto em linhas mais gerais ainda segue o tom de incerteza expresso pelo governo.

Em diversos Estados a questão da volta às aulas segue latente e na Bahia não é diferente. Em São Paulo o Governo Estadual colocara um plano de retomada para setembro, agora adiado para outubro, pretendendo englobar rede pública e privada. Desta vez o plano parece vir com mais força. E a partir de sete de outubro haveria uma retomada com rodízios entre alunos, divididos em três grupos.

Na Bahia o Governo do Estado, ainda oscilante em seus posicionamentos, sustenta provisoriamente a suspensão das aulas. Tendo esta semana falado pela primeira vez num possível cancelamento do ano, numa comitiva com Governador e Prefeito da Capital. Embora aponte para uma “melhora no cenário em quase todo o estado” o que poderia novamente apontar para a retomada das aulas presenciais.

Na contramão das incertezas, o estado do Rio Grande do Norte se antecipa e toma decisão de retomar aulas presenciais apenas no ano de 2021. Mantendo o neste ano atividades complementares, mas sem definição exata dos rumos do ano letivo vigente. Questões sanitárias foram colocadas como as razões da decisão.

Apontavamos aqui como os debates nacionais carecem ainda de formulações sobre a readequação do ano letivo 2020, e uma possível junção dos anos letivos 20 e 21. Tal debate seque ainda extremamente frágil, e embora planos de retomada sejam pautados, as condições ainda seguem extremamente incertas, tal qual a curva pandêmica.

Esta semana a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) liberou um relatório importante sobre as condições das escolas, trazendo uma série de dados que ajudam a pensar a situação atual e futura do cenário das escolas no Brasil e no mundo, nos trazendo mais elementos para uma comparação atual. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação destaca (CNTE) munida de tais dados destaca as salas cheias e falta de professores jovens. Problemas estruturais já conhecidos, mas reforçados pelo relatório.

As Escolas brasileiras são assim destacadas pelos números acima da média de alunos tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Professores com salários 50% menores do que a média da OCDE, um perfil mais envelhecido em seu quadro docente. Soma-se a isso todo o déficit estrutural já conhecido, com falta de banheiros, pias e equipamentos de higiene. Salas pequenas mal acondicionadas, falta de ventiladores, e espaços amplos para socialização dos estudantes. Uma conta que custa a fechar.

A retomada do comércio e setores que estavam paralisados por si só já vem colocando um incremento de circulação de pessoas nas grandes cidades, o que impacta diretamente no transporte público. Salvador já coloca seu transporte público com quase toda a frota nos horários de pico. No entanto o problema crônico da superlotação dos transportes urbanos invariavelmente vai esbarrar na retomada da circulação. Afinal como colocar as pessoas na rua, em garantindo distanciamento, em um sistema de transporte completamente saturado? A volta às aulas certamente traria uma demanda extra incompatível com a atual capacidade de transportes ofertadas nas grandes cidades brasileiras, representando de facto o fim do distanciamento social.

Se não é apontada uma alternativa no quesito dos transportes, das infraestruturas das escolas, da necessidade de testagem e controle regular da circulação do vírus nas escolas, tampouco é debatido minimamente o propósito da retomada das aulas em meados de outubro. Se tomarmos novamente o exemplo de São Paulo, um retorno que colocaria as turmas em rodizio, possibilitando no máximo um mês de aulas por turma até o final do ano. Um mês esse que dificilmente daria conta de retomar os conteúdos iniciados em fevereiro.

A própria rede particular que conseguiu estabelecer algum grau de aulas remotas dificilmente passaria o ano letivo 2020 por um ano minimamente concluído. Reforça-se assim a questão do interesse social em assegurar a todo custo a manutenção do ano letivo vigente. Afinal os problemas não se foram, o vírus tampouco, as escolas seguem lamentavelmente as mesmas. Voltam os que não foram.

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