Um número mágico: COVID-19 na Bahia

Por Rômulo Caires

Filas cheias e aglomeração marcam a reabertura dos shoppings e comércio de rua em Salvador. Durante quatro meses eles se mantiveram fechados, seguindo decreto municipal. Um observador desavisado poderia acreditar que a medida foi tomada após nítida melhora da situação pandêmica na cidade e na Bahia. Porém, boletins divulgados pela Secretaria de Saúde da Bahia contrariam o nosso hipotético observador. Já são mais de 130 mil casos confirmados, além de 3000 óbitos e uma curva de crescimento que resiste a ser achatada. Salvador, e antes dela cidades como Ilhéus e Feira de Santana, seguem a tendência nacional de flexibilização das medidas de isolamento social. Para dar apoio a tais medidas, surgem malabarismos estatísticos de todos os lados, porém a classe trabalhadora não há que se enganar: são os lucros falando mais alto que a vida ou como diria o prefeito de Salvador ACM Neto “cedemos a apelos dos comerciantes e empresários”.

Em entrevista recente ao Jornal da Manhã, o secretário estadual de saúde Fábio Vilas Boas começa sua fala em tom positivo “estamos entrando em uma fase de estabilização do crescimento da doença”. O horizonte de expectativas do nosso secretário não parece muito elevado. Ele não comemora a interrupção dos óbitos por covid-19 como em alguns lugares do mundo nem tampouco que a incidência está diminuindo. No final, surge o número mágico: estamos chegando aos 75% de ocupação dos leitos de UTI adulto. Uma situação tão complexa como a pandemia que vivemos não pode se resumir apenas ao número de leitos de UTI disponíveis. Devemos lembrar que esse número é bastante dinâmico. Mais importante ainda é uma constatação básica: a incidência de covid-19 tem aumentado intensamente nos locais em que o comércio foi reaberto. Basta verificar o crescimento ocorrido em Ilhéus após o dia 03 de junho (data de reabertura) ou em Feira de Santana nas sucessivas reaberturas ocorridas.

O que o discurso hegemônico quer impor é a naturalização do genocídio da classe trabalhadora brasileira. Diversas frações da burguesia não mediram esforços para pressionar às autoridades à afrouxar medidas de controle da pandemia. Em um país no qual aqueles que não possuem caros planos de saúde e vagas garantidas em hospitais privados têm maiores chances de morrer, a pressão por afrouxamento significa que tais frações burguesas não ocultam sua vontade: “deixa morrer”, eles gritam.

Nesse sentido, quem tem um senso mínimo de responsabilidade perante a população baiana não pode se ater apenas ao número de leitos de UTI, enquanto ignora a situação dos trabalhadores  nos hospitais de campanha, com vínculos empregatícios extremamente precários, além da carência de insumos nesses locais. Lembremos que o número de profissionais de saúde acometidos por covid-19 é altíssimo, especialmente as profissionais de enfermagem, que no Brasil são as que mais morrem em comparação com qualquer país do mundo. Não se pode ignorar ainda a imensa desigualdade no acesso à saúde – que aqui deve ser tomada em seu sentido mais amplo, as diversas condições que permitem uma vida digna – e nem ao menos criar uma fila única entre sistema público e privado para acesso equitativo aos leitos de UTI. A produção local não foi direcionada para suprir as demandas de EPIs e insumos A atenção primária à saúde não foi organizada, a qual poderia dar importante contribuição no controle da disseminação da doença. Para sairmos dessa catástrofe, serão necessárias medidas muito mais concretas do que um plano de retomada que se baseie nos tais 75%. 


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