Se eles não nos deixam sonhar, precisamos não os deixar dormir: revogar o Novo Ensino Médio (NEM), avançar para a educação popular

Por Hélio Messeder

Os alunos voltaram às aulas em 2023 e viram nos seus horários um conjunto de componentes inusitado, para dizer o mínimo, que iriam cursar no ensino médio deste ano na Bahia. Disciplinas como: “Tira o pé do chão”, “Do sol ao sabor”, “Faces de um mistério”, entre outras. Essas disciplinas eletivas ocuparão uma carga horária considerável no currículo enquanto outras, como química, física, sociologia e filosofia, tiveram a sua carga horária bastante reduzida. A ideia prevista no documento do Governo da Bahia, em alinhamento com o Novo Ensino Médio (NEM) em todo o país, é relativamente simples: esses novos componentes de nomes diferentes terão ementas diversas, as quais permitirão ao estudante entender melhor a realidade de forma interdisciplinar em detrimento dos conhecimentos livrescos e ultrapassados das disciplinas básicas.

Na prática, como você já deve imaginar, principalmente se for professor da escola básica, pois está vivendo isso na pele, a escola pública baiana está um verdadeiro caos. Professores aumentaram exaustivamente a sua carga de trabalho e agora precisam se virar para ministrar disciplinas em que não foram formados. Os estudantes não sabem do que se trata a reforma e vagam por entre as salas de aula querendo saber qual a razão em ir à escola debater sobre iniciação científica ou sobre fazer brigadeiro, visto que nem ciência eles tiveram a oportunidade de aprender.

A escola baiana segue sucateada, e os professores com salários defasados, e o currículo pulverizado e a atual Secretária da Educação, Adélia Pinheiro, dizendo em público que qualquer pessoa pode entrar na escola como “professor voluntário” para compartilhar a sua experiência. O Governo da Bahia segue fazendo chacota com o professorado e os filhos da classe trabalhadora. Não oferece condições de trabalho, não reconhece que a docência precisa de especialização, apresenta uma reforma vulgar e, sempre que pode, culpa os professores e a direção dos problemas deste Novo Ensino Médio, os sujeitos resistentes à mudança. A escola pública baiana sangra enquanto o governo petista segue como se estivesse enfrentando problemas pontuais.

Entre as tantas perversidades dessa nova reforma do ensino médio, já bem denunciadas, gostaria de aproveitar estas poucas linhas para apontar uma que me parece grave: trata-se de uma política educacional que impede a juventude de construir novos horizontes de mundo. Sem as ferramentas das ciências da natureza, das artes e das ciências sociais, a burguesia poda na base a possibilidade dos jovens entenderem o mundo em que vivem para além do imediato. O NEM, na sua estrutura, mina a possibilidade dos jovens conhecerem os fundamentos da realidade, forçando-os a aceitar que o mundo “é assim mesmo” e o que resta é “resignação”, “adaptação”. O NEM contribui para que continuemos pensando que outro mundo, melhor do que esse, é impossível.

Mas, você pode se perguntar: a outra escola, antes da reforma, permitia que sonhássemos com o novo mundo? Eu direi que, sem sombra de dúvida, não. Contudo, o NEM aprofunda a desigualdade escolar e mexe no espaço-tempo necessário para que professores possam atuar na construção de uma consciência crítica com seus estudantes. Essa reforma é perversa porque atropela, mata a iniciativa da escola e oferece, no fim das contas, menos possibilidades para o estudante conhecer o mundo e ser autônomo. Faz inversamente aquilo que promete fazer, piorando as condições do professorado.

O NEM nos impede de sonhar com outro mundo, outra escola. Mas, como nos ensina Galeano: se eles não nos deixam sonhar, nós não os deixaremos dormir. Queremos a revogação do NEM, mas não para voltar ao que era antes. Queremos a revogação para construir uma verdadeira educação que interessa ao povo. Mas isso não acontecerá apenas com abaixo-assinados, com cartas contra o NEM ou com apoio legislativo. Precisamos tomar as ruas com a nossa juventude, de modo organizado. Nunca foi tão urgente que alunos e professores caminhem juntos.

Pela revogação do NEM agora! Pela construção de uma educação popular hoje!

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