Resenha – Che Guevara e a luta revolucionária na Bolívia

Por Luiza de Toledo Marques Peccin

Che Guevara e a Luta Revolucionária na Bolívia traz uma pesquisa profunda sobre os últimos momentos do guerrilheiro argentino em território boliviano, assim como também faz uma análise minuciosa de todo o contexto histórico e pessoal que envolve a decisão que levou Che a deixar Cuba e seguir em direção ao que seria seu último projeto revolucionário.

Escrita por Luiz Bernardo Pericás originalmente em 1997 e relançada em junho desse ano pela editora Boitempo – em edição revista e ampliada -, a obra é dividida em duas partes, nas quais o autor trata dos antecedentes, do contexto histórico, do planejamento e da atuação de Ernesto Che Guevara e seus companheiros no cenário boliviano.

Não espere um texto monótono: o livro é rico em detalhes e o leitor vai encontrar facilidade em se inserir nos locais descritos e nas situações vivenciadas pelo guerrilheiro, o que torna a leitura fluida e prazerosa. Em poucas páginas é possível saber que você está com um bom livro em mãos.

A introdução pode ser facilmente lida como uma grande aula sobre o processo revolucionário boliviano que ocorreu em 1952, ponto que mostra ser crucial para a escolha de Che voltar disfarçado ao país 13 anos após a sua primeira visita, levando consigo o passaporte uruguaio com o nome de “Adolfo Mena González” (PERICÁS, 2023, p. 103).

Nas palavras de Che, proferidas em um discurso dez anos após o processo revolucionário de 1952, aquela havia sido “uma revolução burguesa muito tímida, muito debilitada pelas concessões que teve de fazer, (…)” (PERICÁS, 2023, p. 86). A princípio, o plano não era realizar uma revolução na Bolívia em si: o ex-ministro de indústrias de Cuba via aquele país como o território ideal para estabelecer um campo de treinamento internacionalista, com a perspectiva de que insurgentes ali treinados pudessem conduzir guerrilhas em seus próprios países.

A segunda parte do livro levanta questões sobre o Exército de Libertação Nacional, abrangendo características geográficas das regiões percorridas e ocupadas pelo grupo, suas relações com os camponeses locais, a atuação militar e a forma como as Forças Armadas da Bolívia foram uma ferramenta essencial para combater o ELN; e a mitificação, ou até mesmo divinização, da figura de Che Guevara, especialmente na região de Ñancahuazú.

Dando destaque ao quinto capítulo, “Partidos Políticos e Guerrilha”, o autor discorre sobre as relações dos partidos da esquerda boliviana e a maneira como lidavam com a ideia da luta armada, e mostra como a falta de apoio do Partido Comunista da Bolívia (PCB) ao projeto guerrilheiro de Guevara fez com que suas chances de sucesso fossem reduzidas drasticamente.

Ao final, Pericás insere fontes documentais, permitindo o acesso aos registros utilizados na produção do texto, o que para alguns leitores pode ser uma adição valiosa, já que dessa forma permite o estudo da maneira que o autor optou por trabalhar com as fontes em sua pesquisa.

Naturalmente é uma tarefa muito difícil escrever uma resenha em poucas palavras sobre um livro tão abrangente. Um resumo dos capítulos ou comentários sobre passagens específicas do texto não vão oferecer a experiência completa que essa obra literária e historiográfica é capaz alcançar.

Em linhas gerais, a obra é bem-organizada e mesmo com toda a sua complexidade e erudição, é possível extrair muito do texto.

Vale pontuar que essa é uma das poucas obras em anos recentes que joga luz sobre a história do Che – principalmente falando de publicações brasileiras -, o que torna o livro ainda mais relevante. Mesmo lançado originalmente há mais de vinte anos, o texto se mantém atual, é capaz de fomentar discussões no âmbito político/militante e acadêmico e segue sendo uma leitura indispensável a quem se interesse pela biografia de Ernesto Guevara de la Serna ou até mesmo como parte imperativa da história contemporânea da América Latina.

Sobre o autor: Luiz Bernardo Pericás é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo e tem pós-doutorado em Ciência Política pela Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), no México e pelo IEB/USP. Também foi professor visitante em universidades da Austrália e dos Estados Unidos. Atualmente é docente nos cursos de graduação e pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

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