Pela revogação do Novo Ensino Médio

Por Camila Fernandes de Oliveira Costa

Criada em 2013, durante o Governo Dilma, resgatada em 2016, sob aprovação do Governo Golpista de Michel Temer e em vigor desde o ano passado (2021), a Contrarreforma do Ensino Médio caracteriza-se como um processo pensado, investido e desenvolvido pelos setores privados a fim de instaurar ainda mais firmemente o conservadorismo na educação brasileira. No ano de 2022, passa a ser implementado amplamente nas escolas, nomeado Novo Ensino Médio.

Sendo uma tragédia para a educação do país, o Novo Ensino Médio existe graças ao investimento de capital de empresas privadas, a exemplo do Grupo Volkswagen, Fundação Roberto Marinho, Itaú, dentre muitas outras instituições privadas detentoras de muita riqueza e que vislumbram benefícios próprios causados pela Contrarreforma.

Ou seja, na prática o objetivo atingido pelo Novo Ensino Médio, bem como todas essas empresas almejam, é eliminar e desarticular completamente a possibilidade de construção de um horizonte crítico na classe estudantil e trabalhadora, a fim de formar uma geração de trabalhadores muito mais afastados das lutas sociais e da organização classista, fator que age como facilitador das condições de exploração.

A defesa dessa iniciativa neoliberal e antipedagógica foi apresentada em seu início como uma possível solução sobretudo para a “Crise do Ensino Médio”. Coloca-se também como melhor alternativa diante das altas taxas de evasão escolar. Isso parte de uma visão simplista e até mesmo desonesta acerca dos problemas enfrentados pelos estudantes brasileiros e dos motivos que impedem a permanência dos mesmos nos espaços educação da educação básica e técnica.

Baseando-se em uma construção elitista de pensamento, que desconsidera elementos de raça, classe, gênero e ainda os recortes geoespaciais que determinam completamente a possibilidade do alunado conseguir concluir sua formação estudantil ou precisar deixar a escola, a justificativa do Novo Ensino Médio define como causa da evasão escolar o desinteresse dos estudantes pelas disciplinas tradicionais, considerando-as ultrapassadas.

A partir disso, aponta como solução a maior autonomia dos alunos no processo de escolha das disciplinas. Portanto, estes podem, em teoria, delinearem a grade curricular    que seguirão, de acordo com a “aptidão” que possuem por determinadas áreas.  Essa proposta desconsidera completamente a infraestrutura das escolas, que na grande maioria das vezes não contam com laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas e demais ambientes apropriados para realização das atividades oferecidas, bem como ludibria uma classe de estudantes que recebe uma grade curricular extremamente limitada e incompleta sob uma falsa premissa de maior profissionalização e independência durante sua formação básica.

As problemáticas percebidas já nessa interpretação inicial são inúmeras. É importante pontuar o que o Novo Ensino Médio causa na Base Nacional Comum Curricular: possibilita a supressão de disciplinas, a exemplo do ensino da filosofia e sociologia, bem como diminui a densidade da presença de outras disciplinas, como história e geografia, da grade curricular.

A ausência ou a presença superficial de componentes responsáveis por trabalhar a concepção crítica de análise da realidade brasileira, assim como iniciar o processo de produção científica nas áreas das ciências filosóficas, humanas e sociais, não é nada senão um projeto de desmonte da educação; é a perversidade capitalista atuando vorazmente pela destruição dos veículos de organização do proletariado brasileiro e se posicionando contra qualquer mínima ferramenta de elevação intelectual de seu povo.

 

Cabe ainda situar o caráter das novas disciplinas implementadas na grade curricular. Chamados de “Itinerários Formativos”, definem-se como conjuntos de disciplinas, projetos e oficinas elaboradas a partir da difusão e modificação das disciplinas tradicionais. Esses itinerários são ofertados de acordo com o porte e as possibilidades materiais de cada instituição. Em alguns casos, uma única disciplina é ofertada.

Isso significa dizer que enquanto instituições particulares passam a ter ainda mais opções de qualificação, dispondo de toda a estrutura e investimento possíveis e imagináveis, os espaços públicos precarizados passam a possuir um ensino ainda mais limitado, aumentando a disparidade de ensino no país, que já é abissal.

Esse processo é a materialização da elitização ainda mais acentuada dos espaços acadêmicos, distanciando ainda mais a universidade da população e a inserindo mais cedo e em condições ainda mais desumanas na lógica de mercado de trabalho.

É ainda precursor de uma máxima na desvalorização dos profissionais da educação, deslocados de suas áreas de domínio e, em uma política desrespeitosa para os professores e irresponsáveis para os estudantes, põe a condição do “notório saber” em vigor: quaisquer profissionais da educação se tornam aptos a lecionar os itinerários, ainda que não possuam formação específica que garanta a qualidade e o domínio sobre essas matérias.

 

Por fim, vale mencionar que os Itinerários Formativos possuem um perfil extremamente tecnicista e conservador. Escolhidos ao início do ensino médio e sem possibilidade de mudança dos secundaristas no decorrer dele, apresentam-se enquanto disciplinas que visam a formação moral da juventude, moldando seus comportamentos, além de um perfil puramente profissionalizante, que desconsidera as dimensões críticas e o exercício de reflexão.

Agem, portanto, a fim de construir uma geração que atenda aos interesses da burguesia, em um exercício de alienação que resulta na formação de uma atual e futura classe trabalhadora que naturaliza a ausência de direitos, bem como as situações abusivas de exploração de sua força de trabalho.

O Novo ensino médio é um ultraje a qualquer vislumbre minimamente progressista para a educação brasileira. É necessário pautar e defender a educação popular, de produção de ciência, avanço nas lutas sociais e de um ambiente que forme sujeitos pensantes e conscientes da posição social que ocupam no país. A ideia de enxergar cidadãos como mero produto de mão de obra barata, como a utilização do sistema educacional como ferramenta para cumprimento dos interesses dos grandes capitalistas precisa ser rechaçada e destruída em todas as suas tentativas.

O horizonte dos movimentos dos estudantes e trabalhadores é a construção de uma educação como parte do projeto de emancipação humana. Pelo fim do Novo Ensino Médio! Pelo fim dos processos seletivos nas universidades! Por uma educação democrática e verdadeiramente popular!

 

 

Referências:

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Brasília: Ministério da Educação, 2022. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 24 mar 2023.

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Brasília: Ministério da Educação, 2022. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 24 mar 2023.

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