O retrato da violência classista: Bahia ocupa primeiro lugar no ranking de mortes violentas do Brasil no primeiro trimestre de 2021

Por Manuella Logrado

A pandemia trouxe a população baiana uma nova preocupação com as altas taxas de mortalidade oriundas da COVID-19, aliadas ao grande descaso com a vida humana através dos esquemas de compra de vacina, ausência de políticas públicas efetivas de distanciamento social e implementação de medidas sanitárias de maneira isonômica a população. Porém, um outro número alarma os baianos e este diz respeito ao avanço da violência no Estado, que encontra na política de segurança pública da gestão burgo-petista de Rui Costa um braço violentamente punitivista congregado ao cenário de violência em todo o Estado da Bahia.

A violência no Estado da Bahia é uma velha conhecida da classe trabalhadora. Ela a encontra nos coletivos, nos locais de trabalho e até mesmo nos locais de moradia, porém, conforme os números extraídos da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP/BA) e Monitor da Violência (G1), o primeiro semestre do ano de 2021 teve um aumento 7,1% no número de assassinatos, sendo registrada 2.931 mortes violentas no período em questão.
Outro dado que chama atenção corresponde à queda em 8% de mortes violentas no Brasil inteiro. Entretanto, na extrema contramão deste dado, o Estado da Bahia teve um aumento percentual considerável de assassinatos no primeiro semestre do ano corrente, evidenciando uma gestão pautada na violência e na insegurança por parte do Governo Estadual.

Com isso, a Bahia passou a concentrar 13,5% das mortes violentas de todo o Brasil no primeiro trimestre do ano de 2021. Sendo assim, a Bahia foi o Estado que mais contribuiu para os números de assassinatos no Brasil, ultrapassando o Rio De Janeiro – que ocupa a segunda posição no monitor da violência, com a marca de 9% das mortes violentas do país para o mesmo período.

Estes números apenas ilustram o cenário de caos de uma gestão que, além de ter reduzido em 7,6% a verba da segurança pública no ano de 2021, promove diversos cortes na educação e aplaude com louvor a atuação de uma polícia totalmente militarizada e coisificada, que tem como prognóstico uma atuação violenta. Essa atuação apenas alimenta uma guerra fascistizada no seio da classe trabalhadora, onde a grande classe beneficiada assiste ao terror sem que o seu dedo sequer alcance o gatilho que ceifou a vida de 2.931 baianos no primeiro semestre de 2021.

Concentrando esta análise dos índices de violência do Estado, mais precisamente na capital soteropolitana e região metropolitana (RMS), se torna claro o caráter classista dessa violência, que segue num avanço assustador. Em 10 anos (2011 a 2021), Salvador e RMS atingiram a triste marca de 20 mil mortes violentas, conforme dados extraídos da SSP/BA.

Em uma análise de tratamento dos dados da SSP/BA, realizado pelo site Correio 24 horas, destas 20 mil mortes quem mais morreu foram jovens da faixa etária de 17 a 26 anos, sendo que no ano de 2021 foram assassinadas 29 pessoas da faixa etária de 19 anos. Esses dados evidenciam o perfil destas vítimas.

Outro componente que chama bastante atenção é a distribuição das mortes nestes 10 anos por Bairros de Salvador e RMS. Nas seis primeiras colocações, nenhum bairro considerado de classe média/classe média alta ocupa posição no ranking. Em 2021, São Marcos está liderando a quantidade mortes violentas, seguido por São Caetano, Valéria, Fazenda Grande do Retiro, conforme gráfico extraído do site Correio 24 horas, cuja matéria você pode conferir na íntegra aqui:

Fonte: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/em-uma-decada-salvador-e-rms-perderam-20-mil-vidas-para-a-violencia/

Neste contexto, é importante ressaltar que, conforme dados do IBGE, a população destes bairros é majoritariamente preta. O bairro de São Marcos, que ocupa a primeira posição no ranking, recentemente foi alvo de operações policiais contra o tráfico sob a alegação de que o território possui uma forte disputa entre facções. A localidade em questão possui lugar recorrente nos noticiários municipais, de modo que há poucos meses havia sido noticiado que o bairro teve três mortes violentas seguidas em menos de duas horas.

Sendo assim, mais operações policiais são despendidas para o controle das facções locais que disputam território do tráfico, retroalimentando um sistema de violências, mas possuindo amparo em uma legislação repressiva e ineficaz de suposto combate às drogas. Esse “combate” serve, na verdade, para atuar como um grande mantedor de opressões e catalisador do genocídio da população preta e pobre.

Assim, está traçado o perfil das pessoas que mais morreram violentamente em Salvador e na RMS nos últimos 10 anos: homens, jovens de 17 à 26 anos, moradores de bairros periféricos, em sua grande maioria pretos, desvelando assim o caráter classista dessa violência que avança justamente em um momento de forte acirramento da luta de classes na conjuntura nacional e ganha o apoio do braço forte repressivo da PM de Rui Costa. O governador fomenta o ciclo violento em todo o Estado, mas principalmente nas periferias soteropolitanas.

Neste sentido, nunca é demais destacar o caráter dessa violência e o perfil dos que seguem sendo assassinados e compondo a dita “população perigosa”. Essa população nada mais é do que um produto social das relações de opressão estabelecidas e sedimentadas através de mecanismo legislativos, da violência policial e do manto punitivista do poder estatal, como bem enuncia a historiadora Cecília Coimbra em seu estudo sobre as classes perigosas do Rio de Janeiro:

Ao longo do último século, as subjetividades que sedimentaram e continuam sedimentando a relação entre pobreza e criminalidade a relação, não são apenas os discursos do capital, mas fundamentalmente suas ações bem concretas, suas práticas às vezes microscópicas que excluem, estigmatizam e pretendem a destruir os pobres na cidade (COIMBRA, 2001, p. 132)

É neste contexto que a violência no Estado da Bahia avança, exterminando a população preta e pobre, gerando insegurança para o trabalhador em uma roda cíclica de violência e encontrando total suporte na gestão de Rui Costa para se alastrar. E assim seguimos na terra das arbitrariedades, na terra da Chacina do Cabula, das operações policiais que alimentam o genocídio da população periférica. A classe trabalhadora soteropolitana se vê amedrontada nos seus deslocamentos de trabalho, no seu cotidiano e não encontra sossego nem mesmo nos bairros onde residem, vivendo no meio de conflitos entre facções forjadas pelo próprio Estado, incapaz de ceifar o monstro que nutriu e segue nutrindo. Afinal, é justamente esse monstro que financia e mantém intactos os privilégios de uma classe dominante completamente descomprometida com o valor da vida humana.

Sair da versão mobile