Mobilizações dos Rodoviários de Salvador e o Descaso do Consórcio Integra com os Trabalhadores

Divulgação: SEMOB

Por Luíza Brandão

Consórcio Integra – A cidade de Salvador, assim como a maior parte dos centros urbanos brasileiros, opera sob a lógica dicotômica de centro e periferia. Ao passo que no centro da cidade se encontra uma grande diversidade de lojas, estabelecimentos comerciais, espaços culturais, universidades, escolas e a maioria das residências das classes médias e da pequena burguesia soteropolitana, nas regiões mais afastadas do centro vivem milhares de trabalhadores e trabalhadoras que necessitam se deslocar diariamente até esses espaços para que possam garantir o pão de cada dia, cada vez mais difícil de obter diante do cenário de carestia no qual nos encontramos.

Para chegarem aos seus postos de trabalho, evidentemente, a maioria da população recorre ao transporte público, sobretudo os ônibus, que operam sob responsabilidade da prefeitura da cidade. Entre promessas de melhorias na qualidade do transporte que nunca são cumpridas e aumentos de passagem, que tornam o direito básico de ir e vir cada vez mais restrito, nos vemos frente a uma crise no transporte público de Salvador, gerada pela completa entrega do sistema rodoviário municipal aos interesses privados, que vem se agravando com a pandemia. Essa crise, como veremos mais detalhadamente adiante, afeta profundamente tanto os trabalhadores que dependem do transporte público para se locomoverem, quanto os rodoviários, principalmente motoristas e cobradores, que atuam na rede.

Para compreendermos de forma qualitativa os últimos acontecimentos no que diz respeito à crise do transporte público em Salvador, que culminou em uma série de greves e manifestações dos trabalhadores rodoviários da cidade, é necessário termos em vista que não se chegou ao atual momento de forma repentina.

Há décadas, o transporte rodoviário da cidade é comandado por grandes oligarquias, considerando que diversas empresas de ônibus são pertencentes a uma mesma família. Desde o ano inicial da primeira gestão de ACM Neto (DEM) na prefeitura de Salvador, em 2012, ouvimos a promessa de ser colocado em vigor o plano que objetivava criar um grande consórcio dessas empresas. Desde então, são prometidos ônibus com ar-condicionado, renovação das frotas, integração dos “amarelinhos” com o Salvador Card, além da automatização da cobrança das passagens, que seria realizada apenas através do cartão, na teoria dispensando, assim o papel dos cobradores. Tais medidas, disfarçadas de modernização, aliadas à mudança de contratos que viria junto com o consórcio, acarretaria na demissão em massa de rodoviários, principalmente de cobradores.

Devido à possibilidade de demissões e mudanças nos contratos que, certamente, resultariam em perdas de direitos e intensificação da precarização do trabalho dos rodoviários, ocorreram, na época, sessões abertas no Ministério Público a fim de discutir os consórcios. As sessões contaram com grande comparecimento da população e de movimentos sociais, mas, ainda assim, sofreram completo descaso dos parlamentares que dirigiam as reuniões, estes que chegavam a ficar mexendo no celular recostados nas cadeiras enquanto o povo falava.

Se o consórcio fosse efetivado, os trabalhadores teriam de ser demitidos das empresas e, em seguida, readmitidos através de um novo contrato, o que os colocaria numa delicada situação de vulnerabilidade. Uma vez se tratando de negociações voltadas principalmente aos interesses privados, a proposta foi recebida com desconfiança pelos rodoviários e pelos movimentos sociais, posto que estes tinham ciência de que a proposta certamente não seria benéfica nem para os próprios rodoviários, nem para os trabalhadores que dependem do transporte público para realizarem a locomoção diária, seja aos espaços de trabalho, estudo ou lazer.

Em 2014, enfim, o consórcio foi consolidado, dando origem à Integra (Associação das Empresas de Transportes de Salvador), a qual aglutina as três concessionárias do transporte coletivo por ônibus da cidade, sendo elas a Plataforma, que opera na área do subúrbio, a OT Trans, que opera na região do chamado “miolo”, e, por fim, a Salvador Norte, atuando na chamada Área Operacional da Orla.

Apesar das promessas de melhoria e modernização, as mudanças concretas advindas no novo consórcio passaram longe disso: muitos rodoviários foram demitidos, além de haver fragilização dos contratos e extrema burocratização da vida interna das empresas. Além disso, diversas linhas de ônibus foram modificadas ou simplesmente excluídas, e houve o aumento da passagem sem melhoria alguma na qualidade de estrutura e funcionamento dos ônibus de Salvador. Vale ressaltar que, desde então, ainda sob a desculpa de tais promessas, as passagens de ônibus vêm sofrendo aumentos substanciais ano a ano.

Com o passar do tempo, o consórcio vem se tornando cada vez mais insustentável. Um exemplo bastante evidente disso é a declarada falência da Concessionária Salvador Norte (CSN), que acumula uma dívida de mais de meio bilhão de reais e, para se manter em funcionamento, segue demitindo funcionários de forma repentina, sem aviso prévio e nem os devidos direitos trabalhistas. Além disso, é notável o sucateamento da frota da CSN: enquanto o contrato afirma que a empresa deveria disponibilizar 700 veículos, pouco mais de 560 se encontram aptos para circulação.

A auditoria realizada na empresa também encontrou um cenário de extrema precarização das condições de trabalho, além de, segundo reportagem publicada no G1, cerca de 5,1 milhões de reais em apropriação indébita oriunda do INSS dos funcionários, recolhidos na folha de pagamento, que não eram repassados para o Governo Federal. Diante disso, a prefeitura optou por rescindir o contrato com a CSN, assumindo, desde junho de 2020, a operação dos ônibus do consórcio, que operava nas linhas da Orla e da Estação Musssurunga.

Após o rompimento com o consórcio, os trabalhadores da CSN precisaram ser demitidos e readmitidos, desta vez através de contratos temporários via Regime Especial de Direito Administrativo (REDA). Com a intensificação da precarização do trabalho dos rodoviários, desde o início do mês a categoria vem realizando uma série de mobilizações com o objetivo de garantir os seus salários e condições mínimas de trabalho. Após a rescisão com a CSN, os trabalhadores se encontram há mais de 90 dias sem receber seus salários.

Tal situação é de extrema gravidade, uma vez que esse é o dinheiro que coloca comida na mesa dos trabalhadores. Diante disso, no dia 16 de junho os rodoviários realizaram um protesto no qual bloquearam o tráfego na Avenida Antônio Carlos Magalhães. Não surpreendentemente, a concessionária lamentou a postura dos trabalhadores que foram às ruas garantir o mínimo, evidenciando, mais uma vez, o descaso da iniciativa privada para com os interesses e necessidades daqueles sem os quais as engrenagens que movem seus lucros não poderiam funcionar.

Cinco dias depois, no último dia 21, rodoviários de todo o consórcio organizaram uma greve que deixou a cidade sem ônibus das 4h às 8h da manhã, bem como uma manifestação, apontando o descumprimento de uma das cláusulas de acordo fechado com os empresários: um adiantamento do salário deveria ter sido pago até a referida data. Entretanto, segundo o vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários (Fábio Primo), o consórcio informou que só teria condições de pagar o valor no quinto dia útil de julho, rompendo o compromisso assumido com a categoria e prejudicando profundamente os trabalhadores que já haviam se comprometido com a quantia.

Diante dessa crise, podemos observar a quais interesses a gestão neoliberal do prefeito de Salvador Bruno Reis (DEM), que dá seguimento ao projeto político de ACM Neto, está voltada a defender. Ao passo que o empenho para salvar as empresas e suas taxas de lucros são realizados a qualquer custo, o mesmo não se pode dizer quanto à preocupação com a sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras do setor rodoviário. As crescentes mobilizações da categoria evidenciam a necessidade constante de exigir melhores condições de trabalho e garantia de recebimento dos salários, uma vez que o consórcio demonstra total desprezo no cumprimento dos acordos feitos com os trabalhadores, ignorando que os salários são o único meio de subsistência de muitos deles.

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