Lenin – Imperialismo, revolução e poder popular

Por Muniz Ferreira*

Lenin, cujo nome verdadeiro era Vladimir Illytch Ulianov, nasceu na cidade de Simbirsk (rebatizada em sua homenagem Ulianovsky, em 1924) no dia 22 de abril de 1870, portanto, há 150 anos. Foi, provavelmente, o pensador que, após o desaparecimento de Marx e Engels — fundadores da tradição marxista —, mais contribuiu para o desenvolvimento da teoria e da prática revolucionárias até os nossos dias. Esta contribuição possui um caráter multifacetado e inovador. Lenin retomou, continuou e aprofundou formulações, análises e proposições já realizadas pelos expoentes do marxismo clássico, como o estudo dos processos de formação, circulação e reprodução ampliada do capital, a análise da luta de classes e a projeção das perspectivas da revolução proletária. Conduziu também a reflexão marxista a territórios ainda não frequentados, contribuindo de forma fundamental com a resolução de problemas que Marx e Engels não conseguiram ou não tiveram tempo de solucionar. Entre estes temos, por exemplo, o desenvolvimento do capitalismo nas regiões “periféricas” do planeta.

Marx e Engels, com raras e pouco conhecidas exceções, concentraram atenção no estudo do desenvolvimento do capitalismo nas zonas economicamente mais avançadas do ponto de vista da objetivação histórica deste modo de produção, tomando o Reino Unido como referência fundamental para a elaboração de O Capital. Lenin, diferentemente, se dedicou pioneiramente ao estudo do desenvolvimento do capitalismo em uma área considerada “periférica” (ainda que tal expressão ainda não houvesse se imposto nos estudos econômicos), como era o caso de sua terra natal, a Rússia.

Lenin abordou com profundidade singular, para além das indicações indiciais legadas pelos iniciadores da tradição marxista, o tema da organização revolucionária. Interpretando com acuidade as circunstâncias políticas de seu tempo, distintas daquelas vivenciadas por Marx e Engels e das conhecidas pela socialdemocracia ocidental, elaborou e pôs em prática um novo conceito de organização política, o partido operário de novo tipo.

Dando seguimento às investigações marxianas acerca das tendências à concentração e monopolização intrínsecas ao processo de reprodução ampliada do capital em seu estágio de livre concorrência, Lenin produziu a mais complexa e completa interpretação sobre o ingresso do capitalismo em sua fase imperialista e as implicações econômicas, sociais e políticas daí resultantes.

A partir das formulações dos fundadores do marxismo acerca da necessidade da conquista do poder pelo proletariado, da conversão da mudança do caráter de classe do estado e sua utilização para a expropriação da burguesia e transferência dos meios de produção aos trabalhadores na primeira fase da transição ao comunismo, Lenin enriqueceu, tanto de forma teórica quanto prática, a compreensão marxista acerca da forma e das funções do estado proletário no período transicional.

Lenin também desenvolveu, de forma profundamente inovadora, uma teoria sobre a combinação das revoluções proletárias vitoriosas nas metrópoles do capital e aquilo que veio a ser conhecido como as revoluções de libertação nacional dos povos oprimidas da América Latina, África e Ásia como o caminho por excelência para o triunfo da revolução mundial.

Lenin foi, sobretudo, o pensador mais bem sucedido em combinar adequadamente a elaboração teórica e a atividade revolucionária prática, realizando, como nenhum outro, a síntese dialética contida na expressão filosofia da práxis, popularizada por um de seus mais importantes discípulos, Antonio Gramsci. Tal síntese encontra-se expressa de forma precisa na máxima lenineana, segundo a qual “sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”.

Democracia, revolução e poder popular

Para Lenin, o conceito de democracia deveria ser compreendido em sua acepção etimológica original, uma combinação dos conceitos de demo (povo) e cratos (poder). Democracia seria, portanto, um regime político caracterizado pelo exercício do poder pelo povo. Um exercício só realizável se as massas trabalhadoras gozassem das mais amplas liberdades políticas. A livre organização dos trabalhadores e a adoção do sufrágio universal seriam instrumentos para o exercício desta ditadura democrática. Já o conceito de ditadura, tal como fora compreendido pelos fundadores da tradição marxista, partia de seu sentido original, exercício do poder com atribuições excepcionais, por um período limitado de tempo, passando a designar a essência mesma de todas as formas de estados dotados de recursos repressivos e dedicados a sua utilização. Mais do que isto, a compreensão do estado como um instrumento de dominação em uma sociedade dividida em classes também realça a sua essência ditatorial. Ora, nas condições da vigência da luta de classes, o recurso aos instrumentos e práticas repressivas para a conservação do poder e a realização dos objetivos econômicos e sociais das classes à frente do estado são procedimentos absolutamente normais. Daí a lógica complementariedade entre democracia e ditadura na essência dos estados políticos nas sociedades de classe. Além disto, para além de qualquer idealização acerca da possibilidade de um desenvolvimento pacífico do processo revolucionário.

Cabe lembrar que, quando Lenin desenvolveu suas elaborações nem o mais liberal dos estados ocidentais praticava o sufrágio universal. Mesmo nas sociedades consideradas mais livres, existiam restrições às atividades de sindicatos e partidos operários, leis repressivas contra greves, censura a publicações, para não falar da completa privação dos direitos políticos das mulheres.

Ao defender que a revolução burguesa russa deveria ser dirigida pela aliança operário-camponesa, instituindo uma ditadura democrático-revolucionária do proletariado e dos camponeses pobres, Lenin realizava o aprofundamento de uma tese apenas esboçada por Marx, a da transformação de uma revolução burguesa em revolução proletária em um processo ininterrupto, que teria como estação de chegada a revolução proletária.

A teoria do imperialismo

Lenin foi também aquele que levou o estudo dos processos de monopolização do capital a suas consequências mais elevadas, apesar de não ter sido o único e nem mesmo o primeiro a realizar este segundo tipo de investigação.

O conceito de imperialismo foi utilizado, pela primeira vez, em sua acepção corrente, por um economista inglês de formação liberal chamado J. A. Hobson. Sendo um liberal, viu no imperialismo um desvio de percurso em relação aos valores considerados sagrados das livre iniciativa e livre concorrência. Interessado em salvar a economia de mercado desta suposta distorção, preconizou a elaboração pelos parlamentos e a adoção pelos governos de leis antimonopolistas, capazes de restaurar os princípios liberais vilipendiados no processo. Outros autores, inclusive marxistas como Rosa Luxemburg, Hilferding, Kautsky e Bukharin, também analisaram o fenômeno, produzindo obras que foram utilizadas por Lenin por ocasião da elaboração de seu estudo. O diferencial da obra de Lenin, porém, decorre da consistência lógico-conceitual impressa em sua interpretação ao identificar, no advento do imperialismo, um processo orgânico e estrutural do desenvolvimento do modo de produção capitalista com consequências históricas de alcance excepcional. Ela foi, e muito provavelmente ainda é, a mais completa e penetrante análise marxista da economia capitalista mundial. Sua influência alcançou um nível extremamente elevado dentro e fora da tradição marxista a ponto de eclipsar, em grande medida, os escritos de seus antecessores.

Em sua interpretação, Lenin também aprofundava uma nova perspectiva, já enunciada pelo Marx maduro, segundo a qual o início do processo de ruptura da ordem capitalista no plano internacional não precisaria, forçosamente, ocorrer em seu polo mais avançado de desenvolvimento econômico, mas poderia se dar a partir de uma área periférica, onde suas contradições se mostrassem mais agudas, onde se encontrasse o seu “elo mais fraco” e onde a atuação das vanguardas revolucionárias possuísse um nível de desenvolvimento, organização e capacidade de mobilização das massas trabalhadoras em condições de dirigir a revolução.

A contribuição de Lenin às lutas dos povos, nações e nacionalidades oprimidas

Antes das formulações de Lenin, subsistiam ambiguidades no seio do socialismo internacional acerca do posicionamento a ser adotado em face do colonialismo e daquilo que chamamos hoje de lutas de libertação nacional. Lenin, ao formular a tese do caráter eminentemente internacional do capitalismo em sua fase monopolista e associar a existência do sistema colonial ao exercício do poder da burguesia imperialista mundial, lançou as bases teórico-políticas para o estabelecimento de uma sólida conexão entre as lutas proletárias e as revoluções de libertação nacional. Foi o primeiro a sustentar de forma programática e sem qualquer ambiguidade o princípio do direito dos povos, nações e nacionalidades oprimidas à autodeterminação. Sendo o capitalismo em sua fase imperialista um ente histórico parasitário, destituído de qualquer caráter “civilizatório” ou progressista, a luta contra todos os imperialismos e, prioritariamente, o da própria nação dos revolucionários envolvidos passou a ser vista como um dever fundamental. Foi sob a inspiração destas concepções, que a III Internacional, organizada sob a direção de Lenin, inscreveu no programa do comunismo internacional o dever de apoiar ativamente as lutas de libertação dos povos oprimidos. Por iniciativa do próprio Lenin, a Internacional, já no início de sua trajetória, instituiu organismos destinados a analisar, formular programas e pôr em prática ações concretas de apoio às lutas dos povos “coloniais” e “semicoloniais” das áreas “periféricas” do globo (América Latina, África e Ásia).

Conclusão

Intérprete do imperialismo, estrategista da revolução mundial, 100 anos após o seu falecimento, Lenin vem sendo uma referência incontornável para boa parte daqueles que, tanto nas metrópoles do capital quanto nas zonas periféricas do mundo globalizado, dedicam seus esforços à conquista da emancipação nacional e social dos trabalhadores e povos explorados e oprimidos do mundo.

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* Professor Titular do Departamento de História da Universidade federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), campus Seropédica. Membro do CC do PCB.

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