Copa América e o Genocídio em Curso

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Por Por David Rehem

Copa América e o Genocídio em Curso – A ditadura militar que destruiu o país entre os anos de 1964 e 1985 construiu uma tradição de se apropriar do futebol para melhoria de sua imagem. O ano referência foi 1970, o ditador era o Médici, responsável por implantar a fase mais cruel e repressiva desse período tenebroso de nossa história. A primeira intervenção na seleção foi tencionar a relação entre o melhor técnico brasileiro daquela época, João Saldanha, com a torcida, já que o ditador Médici desejava que Dadá Maravilha fosse convocado. Saldanha era visto como uma pedra no sapato dos projetos da ditadura, já que ele era um militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ao afastar Saldanha, a ditadura civil-militar brasileira pôde militarizar a equipe técnica da seleção. O capitão do exército Cláudio Coutinho, futuro técnico da seleção, foi alçado a preparador físico da equipe. Outros militares foram incorporados. O jingle “Pra frente Brasil” foi usado tanto para mobilizar a seleção como para reforçar o discurso do regime de progresso, hoje sabidamente às custas do endividamento do país junto às organizações financeiras como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Brasil, 2021. A Copa América é rejeitada por dois países sedes: Colômbia e Argentina. No primeiro país, devido às mobilizações populares contrárias às mazelas do governo títere colombiano que implementa uma política de Estado que massacra e assassina seu próprio povo. No caso argentino, a razão da rejeição foi a pandemia e o país justificou querer focar no combate ao vírus. No dia 31 de maio, o presidente do Brasil recebe e responde quase que de imediato à Confederação Sul-americana de Futebol (CONMEBOL). Ao mesmo tempo, a CPI da COVID realizada pelo senado federal confirmava o que já era de conhecimento público: o governo brasileiro havia se recusado a investir em vacinas que estavam em fase de desenvolvimento. Ou seja, o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro e aliados do centrão (DEM, PSD, PP e cia) foi rápido em responder a um evento esportivo num período de grande mortandade. No dia 31, já eram 462 mil mortos pela pandemia. Enquanto isso, governo e centrão diziam que não havia nenhum problema em ocorrer o evento, posicionamento que depois foi respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Hoje, sabemos que a Copa América foi uma tentativa de reeditar o evento em que o presidente do desgoverno atual tentou vincular sua imagem à imagem vitoriosa da seleção. Os jogadores da seleção brasileira e da comissão técnica chegaram a insinuar uma oposição à participação da Copa, mas após o afastamento do cartola Rogério Caboclo e a condução do coronel do exército Antônio Carlos Nunes de Lima à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) os membros da seleção aceitaram participar da competição. Mas será que as medidas de segurança sugeridas garantiram uma Copa América sem grandes intercorrências relacionadas à pandemia? Vamos ao número.

A primeira coisa a ser salientada é que a CONMEBOL tem se recusado a passar dados precisos sobre a taxa de infecção de pessoas envolvidas na Copa América. O Ministério da Saúde informou, dia 07/06/2021, que 1.100 pessoas estariam envolvidas no evento. No dia 25 do mesmo mês, a CONMEBOL, que vem destacando o grande número de testagens, informou que havia 166 casos positivos, o que nos leva a um percentual de infectados de 15% até o dia 21. Se comparado com o número de casos dos países, a taxa de infecção por covid-19 seria a 6.ª maior taxa do mundo. Aos que disseram que as competições nacionais do ano passado e deste ano eram a comprovação da segurança do evento, 14,7% dos atletas de todos os torneios de futebol masculino e profissional realizados no ano passado foram infectados, o que comprova que tais competições não conseguiram garantir a segurança dos seus profissionais.

Levando a discussão para outro patamar, vivemos em uma realidade em que o próprio governo federal tem defendido a volta de uma normalidade pré-pandemia. Somado a isso, os governos estaduais têm realizado o mínimo para evitar aglomerações, mas mantém transportes públicos lotados e não fiscalizam locais de trabalho sobre as medidas sanitárias necessárias em ambientes fechados. Foi dentro desse contexto, de total descaso dos governos e de empresários frente a população, que o governo aprovou a realização de um evento esportivo que estimula a naturalização da situação. Enquanto isso, ultrapassamos mais de 500 mil mortos pela pandemia. Famílias que perderam pais, mães, irmãos e irmãs, filhos e filhas, desestruturadas e desamparadas pelo governo genocida que joga contra a vida.

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