Bruce-Lee nas telas e nos corações da Bahia

Por Giovani Damico

O ícone da luta anticolonial está de volta na cena cultural brasileira e baiana. Estas foram presenteadas com cópias remasterizadas dos filmes clássicos de Bruce-lee, como “Fist of Fury” (Fúria do Dragão), o Vôo do Dragão e Jogo da Morte. Entre gritos e grunhidos característicos até seus chutes espetaculares, os filmes marcaram toda uma geração, com a mensagem de que a luta pode sim libertar um povo.

Rapidamente a produção de Lee virou representante dos sentimentos dos povos humilhados, mudando o papel não somente do povo chinês, mas de todos os asiáticos, rompendo com estigmas como “povo doente da Ásia”, incutidos pelo colonialismo europeu e japonês. Não à toa, tais produções fizeram sucesso em nosso país e, ainda que não tenham alçado uma cena “mainstream” tais produções ganharam os corações de diversos brasileiros. Em terras baianas, desde os anos 70, as obras inspiraram mestres capoeiristas e facilmente pode-se traçar semelhanças com as representações da capoeira.

O ator e lutador Lee, embora nascido nos EUA, tinha família em Hong Kong, onde foi criado, num contexto em que a cidade era dominada pela Grã-Bretanha, ao passo que a China continental se libertava. Em 1981, nos Cadernos do Terceiro Mundo, o moçambicano Sol Carvalho, ressaltou como os primeiros anos de carreira de Lee Jun-fan (que viria a se tornar Bruce Lee) foram marcados por um apagamento no interior da indústria cinematográfica americana. Lee apesar de ter despontado muito cedo como um exímio lutador e ator, encontrou muitas portas fechadas, sendo aceito apenas como treinador de atores americanos brancos de renome na época.

“Tranquilo e Imbatível como Bruce Lee, virá que eu vi (Caetano Veloso)”

O chamado “Cinema de Kung Fu” certamente teve Lee como figura central. Para além de todas as suas características que o destacavam, suas exímias habilidades marciais e grandes capacidades de ainda muito jovem e sem recursos, inovar e criar um gênero de atuação próprio, através do qual dizia com o corpo, em alto e bom som, que o terceiro mundo existe e não será esmagado tão facilmente! Lee conseguiu, portanto, transcender a fronteira de seu corpo e de suas artes marciais e cênicas, tornando-se um ativo personagem político. Não à toa, sua produção rapidamente chegou até Mao Zedong (ou Mao Tse-tung, então presidente da China), que o exaltou como um Herói do povo chinês e recomendou a difusão de sua obra na China revolucionária.

Isolada da China continental, a ilha de Hong Kong, ainda sob domínio imperialista e neocolonial, funcionava como uma espécie de “ponte” entre a China e o mundo capitalista. Foi nessa Hong Kong dominada, onde Lee trouxe o retrato de uma Xangai dominada, dos povos chineses espalhados pelo mundo, quotidianamente humilhados, e deixou a mensagem aos povos subjugados “o jeito do dragão”, ou melhor dizendo, a realidade a partir dos olhos do terceiro mundo, contra a dominação neocolonial.

Cinco décadas após sua misteriosa morte, Lee retornou às telas das salas de arte baianas. Após rever “A Fúria do Dragão” na Sala de Arte da UFBA, com a luta de libertação de Shangai, alguns questionamentos me ocorreram, um sentimento de que aquele trabalho iniciado por seus esforços ainda teria muitos frutos a serem semeados e terreno fértil a ser ocupado. No Brasil, começamos a observar a existência de obras como “Uma História de Amor e Fúria”, “Bacurau” e mais recentemente “Cangaço Novo” e “Cidade Invisível”, que com todos seus limites, buscam reposicionar as narrativas sobre o Brasil. É latente o espaço de contradições a ser explorado no interior dos meios de cultura, seja ele no cinema, na literatura e nas artes em geral, em nossa sociedade, sobretudo nessa era de radicalização da barbárie capitalista. Povos do Brasil e da China, com sua tradição de luta, têm ainda muitos movimentos de Kung Fu e Capoeira a serem realizados para despertar este espírito de libertação plena em nosso país e no mundo.

Referências:

1. O Cinema Kung-Fu: Alienação ou Anticolonialismo? Cadernos Terceiro Mundo, nr. 32, 1981. Autor: Sol Carvalho – Redator da Revista Tempo de Moçambique.

2. China Daily (Diário do Povo)

3. Autor: Raymond Zhou

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