Baleia Rossi e Arthur Lira: há uma alternativa não-bolsonarista para a presidência da Câmara dos Deputados?

Baleia Rossi à esquerda e Arthur Lira à direita

Por David Rehem

Arthur Lira e Baleia Rossi: há uma alternativa não-bolsonarista para a presidência da Câmara dos Deputados? – As últimas semanas foram recheadas de notícias sobre as eleições que acontecem em 2021 para a escolha do nome que presidirá uma das duas casas do Congresso Nacional nos próximos dois anos – a Câmara Federal dos Deputados. Mas, apesar de tal rebuliço público, a maior parte da população se apresenta alheia ao processo: a decepção com os governos petistas, bem como a burocratização dos sindicatos e a enraizada cultura de a política ser “coisa para políticos profissionais” – ideia esta alienante e interessantíssima para a classe dominante -, são fatores que vêm intensificando o afastamento popular de debates que estão além dos períodos eleitorais.

Após a instância máxima de nosso Poder Judiciário, o Superior Tribunal Federal (STF) decidir que parlamentares não poderiam mais se reeleger para presidência das casas se ainda estivessem na mesma legislatura (ou seja, dentro do período de 4 anos de mandato), o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), buscou outro nome do famigerado centrão[1] para substituí-lo, apresentando então uma alternativa à candidatura apoiada por Bolsonaro (Arthur Lira, do PP[2]). O nome escolhido por Maia? Baleia Rossi. Mas, antes de analisarmos este fato, vamos relembrar brevemente alguns episódios da atuação de Rodrigo Maia e seu partido nos correntes dois anos do governo Bolsonaro.

Em que pese as notas de repúdio de Maia a falas do Presidente da República sobre a pandemia e outras pautas, seu partido, o Democratas, não apenas esteve no governo Bolsonaro desde o início, como blocou com ele no segundo turno das eleições de 2018. Vale mencionar, ainda, que alguns setores do partido apoiaram abertamente a candidatura de extrema-direita desde o período de campanha – podemos citar Onyx Lorenzoni (RS) e Alexandre Aleluia (BA). O DEM esteve à frente do Ministério da Saúde por quase dois anos na figura do Luís Henrique Mandetta (MS), que se esmerou com vigor para dar cabo ao projeto de desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS), como por exemplo, apoiando a terceirização e a privatização da saúde primária em face de contratar os profissionais por concurso – o que fortaleceria o sistema público e geraria empregos estáveis à população.

O próprio Maia conduziu sessões parlamentares com mão de ferro, e não era raro (basta assistir às sessões na TV Câmara) o destrato a parlamentares de oposição ao governo. Some-se a isso que o atual presidente da Câmara tem sido o grande responsável pelo encaminhamento das pautas neoliberais e entreguistas do Ministro da Economia Paulo Guedes, inclusive, sem a menor cerimônia ao se demonstrar um entusiasta público do ex-Chicago Boy que hoje gere (ou melhor, destrói) a economia do país. As reformas trabalhistas (governo Temer) e da previdência (governo Bolsonaro) também demonstram o forte alinhamento que esse parlamentar possui com as pautas econômicas do governo Bolsonaro.

Mas, e o Baleia Rossi?

Baleia Rossi é um inexpressivo parlamentar da direita filiado ao MDB-SP, apadrinhado de Michel Temer (mesmo partido), que não tem grandes feitos em seu histórico político – apesar de sempre apresentar posicionamentos antipopulares. Mas um feito é relevante: em 2016, durante a votação pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Rossi foi autor de uma fala irônica se comparada com a realidade que o Brasil vive atualmente. Ao declarar seu voto na sessão que marca um dos momentos mais obscuros da história recente do Brasil, ele disse: “Hoje é o dia de devolvermos a esperança ao povo brasileiro. Em respeito à Constituição Federal, em respeito aos mais de 208 mil eleitores que me deram a oportunidade de estar aqui por São Paulo e pelo Brasil, voto sim, e que Deus abençoe nosso país.”[3]

Após a derrubada da ex-presidente, Baleia Rossi encontrou terreno para intensificar sua carreira de ataques aos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras: votou a favor da PEC do Fim do Mundo (chamado pelos veículos burgueses de PEC dos Gastos), que deixou em frangalhos o orçamento para as áreas sociais e estratégicas do Brasil; e votou a favor das Reformas Trabalhista e Previdenciária, isso mencionando apenas as principais atrocidades. Seria ele, então, nesse momento em que estamos combatendo um governo genocida e de extrema-direita, um nome que unifica a luta contra Bolsonaro, como defende Rodrigo Maia? A resposta é… NÃO!

Além do seu antecedente, nitidamente alinhado com o projeto político bolsonarista, o parlamentar em questão tem Michel Temer como mentor, que por sua vez é um dos líderes do MDB mais próximos do governo Bolsonaro. Temer já foi indicado como representante do governo brasileiro em atividades internacionais nessa atual gestão, e tem sido amplamente anunciado que o atual Presidente da República busca seu antecessor, em especial, para orientá-lo na relação com o dito centrão. Segundo notícia veiculada na coluna de Lauro Jardim, publicada pela revista Época, o “vampiro” afirmou, em ligação com Jair, que Baleia Rossi ganhar não significaria uma oposição ao seu governo, muito menos uma pedra em seu sapato.

O apoio “oposicionista” a Baleia Rossi

Ao optar pelo voto em Baleia Rossi para presidir a Câmara dos Deputados, os partidos que se dizem oposição ao governo federal apostam alto na ideia de que o candidato estaria comprometido a respeitar o regimento da Casa, incluindo a defesa da democracia [burguesa] e dos princípios de proporcionalidade na divisão dos cargos, elementos que não foram respeitados por Maia em seu mandato. Alexandre Molon (PSB-RJ) dá exemplo no que concerne aos riscos que esse grupo está disposto a correr: “Não pedimos compromissos de mérito, pedimos compromisso de procedimentos. Que seja respeitado o regimento interno da Casa.”

O PT, principal partido atingido pelo golpe de 2016, segue um caminho semelhante. Em entrevista à revista Carta Capital, Enio Verri, líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara, afirmou: “Uma coisa é certa: Nós estamos no bloco em que o Baleia é candidato. A dúvida é se nós apoiaremos o Baleia de imediato ou se teremos um candidato de oposição dentro do bloco. O sentimento que tenho é que os outros partidos não trabalham com a hipótese de candidatura. Eles trabalham com a candidatura do Baleia. E isso, claro, reflete no PT. Mas em uma bancada de 54 deputados que tem correntes internas, alguns parlamentares defendem a candidatura do Baleia e outra de alguém do campo da esquerda no mesmo bloco. Já outros, acham que a melhor coisa é apoiar o Baleia”.[4] A entrevista foi dada antes de divulgada a posição oficial do partido em apoio ao candidato de Rodrigo Maia, que se confirmou.

No mesmo caminho seguiram outras legendas, como o Movimento 65 (antigo PC do B), PDT e PSB, divididos entre as duas candidaturas da direita. Já o PSOL ainda não definiu seu posicionamento, mas a líder do partido na Câmara, Sâmia Bomfim (SP), em entrevista ao jornal Correio Braziliense, apresentou o que defenderá para o seu partido: “Vai ser inevitável dar o voto a ele [Rossi] no segundo turno. É uma questão de analisar o cenário. E, para mim, o pior dos mundos é a Câmara ser presidida por um bolsonarista”. Ela declarou, ainda: “(…) Seria mais difícil a nossa situação. A nossa prioridade maior é derrotar Bolsonaro e mostrar o movimento do PSOL nesse sentido. E isso passa pela escolha da definição do candidato a presidente da Câmara.” [8] A fala da parlamentar em muito se difere dos anseios da base política de seu partido, e encontra forte discordância de diversas correntes internas.

Como já está claro a essa altura, Baleia Rossi não atuaria em oposição ao governo Bolsonaro. Pelo contrário: apesar de estar sendo indicado por uma ala oposicionista, mas ainda do mesmo campo político do Presidente da República, Rossi está alinhado com seu projeto antipopular. Em pesquisa realizada pela Consultoria Arko Advice e segundo noticiado pelo Jornal da Cultura no dia 05 de janeiro deste ano, Arthur Lira, candidato de Bolsonaro, teve 86,2% do seu coeficiente de votação pró-governo em 2019, enquanto o de Baleia Rossi foi de 90,2% no mesmo período. Em 2020, Lira teve o coeficiente registrado em 70,2% respaldando o governo, enquanto Rossi favoreceu a atual gestão federal em 77,8% das vezes. Se o argumento escolhido pela oposição direitista é o do pragmatismo, ele não se sustenta pelo histórico e tampouco pela postura atual dos dois parlamentares que alçam a presidência da Câmara dos Deputados. Ambos estão alinhados com o bolsonarismo.

O mínimo que se espera de uma verdadeira oposição parlamentar a este governo é o lançamento de uma candidatura própria, que cumpra o papel de sinalizar à população sobre os acordos espúrios que orientam o Parlamento nesse momento, que defenda a revogação da PEC do Fim do Mundo, das Reformas Trabalhista e Previdenciária, a defesa do SUS – principalmente durante uma pandemia violenta como essa, a educação pública e outras pautas de interesse da classe trabalhadora. O apoio à candidatura de Rossi tem servido para que a burguesia coloque o que o senso comum assume como esquerda contra a parede. A postura do grupo dito oposicionista mune a direita para, caso resolva se rebelar contra Baleia Rossi – deixando ele de ser útil à burguesia – seja apontada como salvadora popular, e fortalece a figura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) como articulador político a nível nacional, imagem essa que vem sendo vendida como alternativa à polarização Bolsonaro-PT pelos instrumentos da classe dominante.


[1]           Na prática, composto por legendas de aluguel e partidos da direita tradicional do Brasil, como PP, DEM, MDB, PSDB, PSD – a maioria das legendas hoje existentes. O “centrão” negociou com todos governos brasileiros desde a redemocratização do país, e não em prol de algum projeto popular, mas de seus próprios interesses políticos e financeiros.

[2]           O Partido Progressista é o mesmo que esteve nos governos petistas e que foi o mais citado na Lava Jato, ainda que não tenha sido esse o destaque dado pelos veículos burgueses de comunicação e nem por Moro e seus aliados. O PP também foi um dos partidos que Bolsonaro foi filiado e atuou enquanto deputado, inclusive recebendo dinheiro de Caixa 2 para suas campanhas.

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